Virada Cultural: por quem e para quem?
Em sua 13ª edição, o evento perdeu caráter de "unir todas as tribos" no centro; falhas na produção também marcaram novo modelo
Depois de muita especulação sobre o que seria a Virada Cultural descentralizada, proposta ousada da gestão Doria, o evento chegou à 13ª edição neste último fim de semana. Das 18h do sábado, 20 de maio, até 18h do domingo, dia 21, São Paulo foi tomada por 900 atrações que se espalharam de norte a sul, com os maiores palcos no Parque Chácara do Jockey, no Sambódromo do Anhembi, no Autódromo de Interlagos, no Parque do Carmo e na Praça do Campo Limpo.
Para o centro, foram pensadas atrações de menor proporção, palcos mais enxutos (apelidados de “tablados”) e circuito reduzido: os 30 polos temáticos encontravam-se próximos uns aos outros na área entre os limites do Copan, Anhangabaú, Largo São Francisco, São Bento, Praça do Correio e Avenida São João.
O novo modelo do centro contribuiu para que o público se sentisse mais seguro e, de maneira geral, as pessoas andavam tranquilamente pelas ruas: os trajetos estavam de fato mais iluminados, o acesso de um tablado a outro estava facilitado, e era fácil encontrar barracas de comida e banheiros químicos.
Por outro lado, a produção dos shows deixou a desejar. Além do tablado no coreto da Bolsa de Valores, que não foi montado e impediu a realização da festa Talco Bells (leia comunicado aqui), outros problemas estruturais marcaram a Virada: no sábado, o palco Cabaré Itália não funcionou e transferiu todas as atrações para o tablado em frente, o Cabaré Copan, o que ocasionou atrasos em mais de uma hora; o palco República, designado à soul/funk music, também atrasou todos os shows (de Di Melo a Azymuth, passando por Black Rio) devido a problemas técnicos na mesa de som – que permaneceram inclusive durante as apresentações, com chiados e microfonia.
Também faltou comunicação com o público diante de mudanças ocasionadas por imprevistos e adversidades do tempo. Os cortejos cênicos, que estavam programados para sair da Conselheiro Crispiniano, ao lado do Theatro Municipal, mudaram para a Avenida Ipiranga no domingo, sem aviso prévio.
Por quem
Em coletiva de imprensa, André Sturm, Secretário de Cultura, reconheceu (algumas das) falhas na produção nos palcos. Quanto aos cortejos, afirmou que era necessário cobrir o trio elétrico com uma lona por conta da chuva e, com isso, o carro não passava por debaixo dos fios elétricos da rua – por isso, a decisão de mudar de local. “Na correria, realmente faltou avisar o público”, disse.
Apesar das críticas, em especial sobre quantidade de espectadores no centro, Sturm considera positiva a edição 2017 da Virada Cultural. Quando questionado sobre um possível “esvaziamento”, disse não concordar com este termo. Explicou: “Fazia parte do planejamento não ter mais 40 mil pessoas em um palco só, chegando ou saindo da Julio Prestes. Ainda assim, havia muita gente circulando pela região central no sábado à noite”. Para ele, isto refletiu na segurança também, e acrescentou que “até às 11h da manhã de domingo, 21, recebemos apenas 10 ocorrências” de casos como roubos e furtos.
Outros números da Virada falam por si só. Enquanto a Chácara do Jockey recebeu 30 mil pessoas para o show de Dona Onete com Gaby Amarantos, no início da madrugada, o Sambódromo do Anhembi, que tinha a mesma expectativa de público e anunciava grandes atrações como Daniela Mercury e Titãs, recebeu apenas 8 mil – o que será estudado, de acordo com o Secretário.
De maneira geral, a Secretaria de Cultura acredita que acertou no formato da última edição da Virada Cultural, que teve investimento de R$ 13 milhões (dois a menos que o ano anterior). Para o ano que vem, Sturm se posicionou a favor de trabalhar em cima do modelo deste ano, com palcos descentralizados, e tentar melhorar a estrutura.
Para quem
Em enquete realizada no Facebook, que perguntava aos seguidores da página Catraca Livre São Paulo o que acharam do evento, a grande maioria respondeu a “péssimo”, o que corresponde a aproximadamente 67 % dos votos. As demais categorias, “ótimo”, “bom” e “regular” tiveram cerca de 13,5 %, 5 % e 13,5 % dos votos, respectivamente.
Mesmo depois de mais de 24 horas de atrações, a Virada Cultural não teve cara de Virada para muita gente. A proposta inicial, de tomar o centro e devolvê-lo à população, foi por água abaixo – e não foi por conta da chuva de domingo.
A região da Luz, um dos pontos mais frequentados nos anos anteriores, não contava com programação alguma; em contrapartida, na manhã do dia 21, recebeu megaoperação de combate ao tráfico de drogas na cracolândia, envolvendo mais de 500 policiais, helicópteros e bombas.
A escolha de locais como a Chácara do Jockey, distante em quase 6 km do Metrô Butantã e escolhida para abrigar a programação mais “festiva”, apesar do sucesso de público, beneficiava muito mais aqueles que moravam perto ou podiam pagar um táxi neste trajeto, já que os ônibus que faziam o percurso eram os mesmos de um dia comum: insuficientes para a data. Para um morador da zona leste, por exemplo, o acesso a este polo beirava o inviável.
O centro, que era o ponto de encontro de todos, passou a ser o de apenas alguns – em geral, de classe média. A última edição da Virada Cultural pode ter recebido bastante gente no sábado e pode ter sido mais segura e iluminada, mas a impressão que fica é a de que as pessoas deveriam ficar restritas à região onde moram – em especial, as periferias, que têm mais dificuldades quanto à mobilidade – ou gastar mais para se locomover. Diante deste cenário, fica o questionamento: Virada Cultural para quem?
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