100 mil pessoas pedem exoneração de Camargo da Fundação Palmares

Petição, lançada por lideranças do movimento negro e da cultura e religiões afro, coleta assinaturas para que presidente considerado racista saia de cargo

Sérgio Camargo defende que o feriado da Consciência Negra seja abolido
Créditos: FotReprodução/Rede social
Sérgio Camargo defende que o feriado da Consciência Negra seja abolido

Chega perto de 100 mil assinaturas uma campanha pela exoneração imediata de Sérgio Camargo da presidência da Fundação Cultural Palmares. O abaixo-assinado, lançado pelo “Grupo Defensores do Axé” na plataforma Change.org, pressiona para que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) atenda ao recurso impetrado pela Defensoria Pública da União (DPU) para que o jornalista fique fora do cargo até o julgamento definitivo de desvio de finalidades na entidade.

Camargo é alvo de uma ação da Justiça Federal do Ceará que, em dezembro do ano passado, suspendeu sua nomeação ao cargo por entender que ele ofende a população negra. O jornalista, que chegou a dizer que “racismo real” só existe nos Estados Unidos, já desferiu inúmeros ataques ao movimento negro em suas redes sociais. Entre as afrontas, disse que a escravidão foi benéfica aos descendentes e que Zumbi dos Palmares foi um “falso herói”.

“Não é de agora que esse senhor vem mostrando, diuturnamente, a incapacidade para estar sentado na cadeira da presidência daquela instituição. É uma vergonha para nós, afro-religiosos e ativistas do movimento negro e cultural afro-brasileiro, ter sentado na cadeira da presidência de uma instituição, que tem como base preservar e divulgar a cultura afro-brasileira, alguém contra essa mesma cultura”, indigna-se Luiz Alves, coordenador do Fórum Permanente das Religiões de Matrizes Africanas de Brasília e Entorno (Foafro-DF).

Depois de ter a nomeação suspensa, Camargo voltou à frente da Fundação Palmares, em fevereiro, por determinação do presidente do STJ, João Otávio de Noronha. Sobre ele também recaem outras ações, como uma denúncia de injúria racial e discriminação racial e religiosa feita pela mãe de santo Baiana de Oyá, que é uma das maiores lideranças brasileiras de religiões de matrizes africana e ameríndias, xingada e ofendida por ele em uma reunião.

Também por conta de declarações dadas neste encontro, no qual chamou o movimento negro de “escória maldita” que abriga “vagabundos”, um conjunto de entidades negras pediram a instauração de um inquérito civil contra Sérgio Camargo. Além disso, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão solicitou ao Ministério Público em Brasília que avalie a possibilidade de abertura de investigação contra ele pelos crimes de improbidade administrativa e racismo.

Luiz Alves, que é um dos membros da campanha #ForaSérgioCamargo e também coordenador do Projeto Oníbodê e articulador do Grupo Defensores do Axé, define como “surreal” e “inominável” a necessidade de um protesto contra um ato de racismo promovido pelo presidente de uma instituição que deveria, justamente, preservar os valores negros. O fotojornalista diz que uma situação como essa jamais foi pensada, nem nos piores pesadelos.

“Essa pessoa foi colocada lá dentro por pessoas racistas e faz o papel do negro da Casa Grande, que se contenta com os farrapos que recebe do patrão, do dono, do senhor dele. Que se contenta com as migalhas, que se contenta com os restos que come. Essa pessoa se volta, então, contra os demais negros”, denuncia Alves, completando que ninguém do movimento negro está satisfeito por ter que ir à “luta” contra um “irmão”, que também é negro.

A campanha

No dia 5, movimentos fizeram um ato antirracista em frente à Fundação Palmares
Créditos: Ògan Luiz Alves/Projeto Oníbodê
No dia 5, movimentos fizeram um ato antirracista em frente à Fundação Palmares

Alves explica que montou o grupo com diversas lideranças das religiões de matrizes africana e ameríndia e o Projeto Oníbodê para usar a comunicação como instrumento de luta contra a intolerância racial, religiosa e social, além da homofobia. Após a divulgação das falas de Camargo, as lideranças dos movimentos se uniram através do abaixo-assinado e de ações nas redes sociais para mobilizar apoiadores em torno do pedido de retirada dele do cargo.

A petição online foi aberta há uma semana e já engaja mais de 98 mil pessoas. O cantor e compositor Evandro Fióti, empresário e irmão do rapper Emicida, divulgou o abaixo-assinado no Instagram, pedindo o reforço de seus seguidores. A cartunista Laerte também demonstrou apoio à causa ao publicar o link da campanha em seu perfil no Twitter. A petição ainda é apoiada por outros movimentos não-religiosos, como a Comissão Nacional de Jornalistas pela Igualdade Racial (Conajira) e a Federação Nacional das Associações Quilombolas (Fenaq).

O fotojornalista e membro da campanha espera que o Superior Tribunal de Justiça atenda aos anseios da população ligada aos interesses da Fundação Cultural Palmares e acate o recurso apresentado pela Defensoria Pública da União. Alves pondera que a permanência de Sérgio Camargo no posto traz danos imensos às comunidades afro-religiosas e afro-brasileiras por, na sua visão, destruir muito do que foi conseguido ao custo de anos de luta.

“Ele desconstrói conquistas que custaram vidas, que custaram suor de muitos dos nossos. Tem pessoas que dedicaram a vida a essas conquistas que o mesmo está empenhado em destruir. Nós lutamos muito tempo para ter Zumbi reconhecido enquanto herói nacional, e o mesmo [Sérgio Camargo] faz, hoje, o trabalho oposto, que é desconstruir a luta do povo negro em sua liberdade e pautá-la todinha pelos não-negros, para os brancos”, afirma.

Nas últimas semanas, mobilizações do movimento negro e a pauta antirracista ganharam destaque no mundo, especialmente nos Estados Unidos e no Brasil, em decorrência das mortes de George Floyd, João Pedro e Miguel. Além de hospedar a petição pela saída do presidente da Fundação Palmares, a Change.org também foi palco de outras manifestações que pedem justiça às vítimas do racismo e alcançam mais de 17 milhões de apoiadores na plataforma.

Alves destaca que o racismo é institucional no Brasil, mas que foi preciso uma morte no exterior para que os brasileiros se dessem conta da gravidade dele no país. Segundo ele, essa percepção passa por um processo educacional. “Infelizmente, mais uma vez dependemos de algo externo para entendermos nossa própria situação. Porque isso que está acontecendo aqui no Brasil, esses movimentos, esses protestos, deveriam estar acontecendo a nível nacional há muito tempo porque as questões raciais não são de agora”, detalha o fotojornalista.

Outro lado

A equipe da Change.org procurou a Fundação Cultural Palmares para ter uma resposta sobre a mobilização feita no abaixo-assinado, porém, até o fechamento desta matéria, a entidade não se manifestou. Caso a plataforma receba o posicionamento da instituição, a nota será publicada na página da petição online: http://change.org/ForaSergio.

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