20 de novembro: por que precisamos debater a Consciência Negra ?

Entenda por que o mito da democracia racial ainda é realidade no país com a maior população negra fora da África

Por que um jovem negro morre a cada 23 minutos? Por que são sempre os negros as vítimas dos tiros acidentais disparados nas periferias do Brasil? Afinal, o que leva um jovem negro a ter quase três vezes mais chance de ser assassinado do que um jovem branco?

O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, propõe um diálogo sobre a situação da população afro-brasileira nos dias atuais. Em meio a um exercício que se faz necessário diariamente, a Catraca Livre traz à luz do debate dados e informações sobre a herança dos mais de 300 anos de escravidão, cuja maior consequência está refletida no racismo institucionalizado da rotina e o mito da democracia racial.

Nas salas de aula 

Segundo a a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2014, o atendimento a crianças pretas e pardas entre 4 e 5 anos na pré-escola é menor do que entre as brancas. A diferença entre brancas e pretas chega a 5,7 pontos percentuais.

No ensino fundamental, a desigualdade entre os dois grupos aumenta na idade de conclusão: 82,6% dos que se declaram brancos conseguem concluir o fundamental até os 16 anos, enquanto entre pretos e pardos o percentual é de 66,4% e 67,8%, respectivamente. A diferença cresce em relação a jovens de 15 a 17 anos: a taxa de matrícula no ensino nédio entre os brancos é cerca de 15 pontos percentuais maior do que entre os pretos e os pardos.

Jovens de baixa renda, em sua maioria negros, trocam com frequência os estudos por um trabalho precário (Suami Dias/Fotos Pública) 
Jovens de baixa renda, em sua maioria negros, trocam com frequência os estudos por um trabalho precário (Suami Dias/Fotos Pública) 

No ensino superior, jovens negros de 18 a 24 anos representam cerca de 12,8% dos estudantes. Considerando a totalidade da população brasileira, são apenas 34% de negros nas universidades, segundo levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O Brasil tem cerca de 11,4 milhões de brasileiros que não sabem ler ou escrever: a taxa de analfabetismo entre as pessoas pretas ou pardas (9,9%) foi mais do que o dobro do que entre as pessoas brancas (4,2%).

Em entrevista à Agência Brasil, a presidente executiva do movimento Todos Pela Educação, Priscila Cruz, afirma que os estudantes mais vulneráveis são os que têm acesso a escolas com piores infraestrutura e ensino. “A chance de um filho de pais analfabetos continuar analfabeto é muito grande, e isso é mais forte na população negra. Então, se a gente tem uma dívida histórica com a população negra, não basta só ter direitos iguais, não adianta a gente só dar direitos iguais a negros e pardos, a gente tem que ter políticas específicas na educação básica”, afirmou.

Ela ressalta que é preciso melhores escolas para a população negra e parda. “Porque ela só vai conseguir romper o ciclo de exclusão e pobreza em que está presa há gerações com política pública específica. Não adianta ter diploma, é a qualidade que vai importar. Para conseguir qualidade, o estado tem que dar muito mais para a população historicamente excluída.”

Na fila do desemprego 

No terceiro trimestre de 2017, a Pesquisa Nacional  por Amostra de Domicílios  Contínua, feita pelo IBGE, constatou: de cada três brasileiros desempregados no Brasil, dois são negros. Assim, dos quase 13 milhões de pessoas sem emprego no país, 8,3 milhões eram pretas e pardas, enquanto brancos representavam 4,7 milhões.

A pesquisa aponta também para a taxa de desemprego: entre os negros é de 14,6%, enquanto a dos brancos é de 9,9%, contra a média nacional de 12,4%. Constata-se que o desemprego para a população negra é 47,1% maior do que o da população branca.

Empresa de tercerização de segurança e limpeza seleciona candidatos, causando grandes filas, no bairro de Campos Elíseos, no centro de São Paulo.  (Cesar Itiberê / Fotos Públicas)
Empresa de tercerização de segurança e limpeza seleciona candidatos, causando grandes filas, no bairro de Campos Elíseos, no centro de São Paulo.  (Cesar Itiberê / Fotos Públicas)

Em entrevista ao site Alma Preta, Najara Costa, especialista na inclusão do negro no mercado de trabalho, ressalta que o mercado profissional é um ótimo exemplo da exclusão do negro no Brasil. “O fenótipo racial é determinante para pensar a desigualdade no Brasil. Ainda hoje, o critério da boa aparência, por mais que esteja implícito, em tempos atrás, já esteve explicito em anúncios de jornal e emprego”.

Quando empregada, a população negra também enfrenta situação de desvantagem_que pode ser vista na relação salarial. Segundo o IBGE, a média salarial do trabalhador preto e pardo é de R$ 1.531, enquanto a do branco é de R$ 2.757.“Os postos no mercado de trabalho com maiores prestígio e remuneração são ocupados por pessoas brancas. Por mais qualificada que uma pessoa negra possa ser, é no mercado de trabalho onde ela será excluída ou desqualificada, ou ter os piores salários”, avalia Costa.

Na mira da violência 

Em 2016, a taxa de homicídios de negros foi de 40,2 por 100 mil habitantes: duas vezes e meia maior que a de não negros, cujo índice não passou de 16. Em 10 anos, de 2006 a 2016, o total de homicídios de negros aumentou 23,1%, enquanto a de brancos diminui 6,8%. Em uma análise mais ampla, 71,5% dos brasileiros assassinados são pretos ou pardos.

Segundo o Atlas da Violência, lançado em junho pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP),

“A conclusão é que a desigualdade racial no Brasil se expressa de modo cristalino no que se refere à violência letal e às políticas de segurança. Os negros, especialmente os homens jovens negros, são o perfil mais frequente do homicídio no Brasil, sendo muito mais vulneráveis à violência do que os jovens não negros. Por sua vez, os negros são também as principais vítimas da ação letal das polícias e o perfil predominante da população prisional do Brasil. Para que possamos reduzir a violência letal no país, é necessário que esses dados sejam levados em consideração e alvo de profunda reflexão. É com base em evidências como essas que políticas eficientes de prevenção da violência devem ser desenhadas e focalizadas, garantindo o efetivo direito à vida e à segurança da população negra no Brasil”, destaca o Atlas da Violência lançado em junho pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Mães e familiares de jovens negros mortos por policiais protestam contra a violência com ativistas da Anistia Internacional em frente à Igreja da Candelária (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Créditos: ernando Frazão/Agência Brasil
Mães e familiares de jovens negros mortos por policiais protestam contra a violência com ativistas da Anistia Internacional em frente à Igreja da Candelária (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Pesquisa recente aponta que, em 2016, 4.645 mulheres foram assassinadas no Brasil, segundo informações  do Atlas da Violência 2018 do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na quarta-feira 6.

A taxa de homicídio naquele ano foi de 5,3 a cada 100 mil negras; e de 3,1 a cada mil 100 mil mulheres brancas. Uma diferença que chega a 71% entre as raças – e que evidencia os impactos das desigualdades raciais do País. Nos 10 anos de análise (de 2006 a 2016), enquanto o país matou menos brancas (queda de 8%), os homicídios entre as negras só cresceu (aumento de 15,4%). /Com informações da Carta Capital.