A Mudança

– Corre, corre – gritava o meu amigo, mas não adiantava, os perseguidores apareciam novamente, de frente, sempre fechando o caminho, eles conheciam muito bem o bairro. Naquela noite, parecia que não havia como escapar da morte.
– Meu filho, cadê meu filho?! – gritava uma mãe desesperada.
– Ai meu Deus, me ajude. Não me deixe morrer – implorava um outro caído no meio da rua.
Eram os gritos desesperados que Bruno, Raul, Paulo, Maurício, eu e muitos outros meninos do Parque Santo Antônio crescemos ouvindo durante toda a infância.
Mudei para o Parque Santo Antônio quando contava ainda seis anos de idade, o lugar onde morávamos era muito perigoso e meus pais temiam por nossas vidas. Lembro-me que quando cheguei uma garoa fina se desmanchava sob o céu azul dum bairro estranho, a impressão que ficara era que estava num outro planeta. Na madrugada de sexta-feira uma forte tempestade castigava os moradores da beira do córrego que dividia o Parque Santo Antônio do Jardim Campo de Fora. A garoa fina que caía quando transportávamos os móveis para dentro da nova casa talvez
estivesse avisando que cairia mais chuva por ali, era triste ver os moradores reclamando dos bens perdidos na enchente.
Uma vez ouvi minha mãe conversar com meu pai: “Qualquer chuvinha que dá neste lugar destrói tudo a sua volta. Pra onde vamos caso isso aconteça com nóis? O rio transborda e obriga as pessoas a fugirem de suas casas levando somente a roupa do corpo e o filho nas costas, esperava não irmos morar na beira de nenhum córrego”. Não acreditei que aquilo que minha mãe falava era possível até ver, naquele dia, com meus próprios olhos. Quando o caminhão-baú entrou na rua em que íamos morar, meus olhos deslumbraram um campo de futebol enorme e eu fiquei excitado para brincar nele o quanto antes, corrê-lo de ponta a ponta, mostrar para os outros garotos que meu peso não me impedia de correr. Quando o caminhão parou em frente à casa, um círculo, formado por vizinhos curiosos, já nos esperava para saber quem era aquela trupe que se mudava para ali. Ainda na cabina do caminhão, sentado no colo de minha mãe, avistei uma rodinha de garotos que direcionavam olhares jocosos para meus irmãos e eu. Ao descer percebi que riam do meu cabelo lambido, riam por eu criar vermes na barriga e riam do short vermelho que eu usava. Um gordinho, assim como eu, que parecia liderar o bando de hienas, era o que mais ria de nós, ele ria tanto que as lágrimas rolavam de seus olhos como se alguém lhe houvesse acabado de contar algum fato engraçadíssimo. Os curiosos aproximaram-se quando o motorista do caminhão abriu o baú para tirarmos nossos móveis, algumas pessoas ofereceram ajuda e meu pai agradeceu.
No fim da tarde os móveis já estavam dentro de casa, a ajuda dos vizinhos simpáticos foi de grande valia. Meu pai, após organizar a mudança e colocar tudo em seu devido lugar, convidou os novos amigos para tomar cachaça e tocar violão, foi uma algazarra danada, afinal nunca tínhamos visto meu pai tão feliz e tão bêbado.

Por Redação