“Clínicas do Testemunho” oferecem ajuda a vítimas da ditadura

Estão abertas as inscrições para trabalhar no projeto, que levará auxílio aos anistiados e seus familiares

Com o passar do tempo, a Ditadura Militar vai se tornando algo distante da realidade do cidadão brasileiro. As gerações herdeiras da democracia já têm dificuldade em assimilar como real um episódio que vai se perdendo na memória da nação (ou sendo perdido). Apesar disso, restam sequelas.

Algumas das pessoas que sofreram e não conseguem se esquecer do período ainda vivem com diferentes tipos de transtornos e incômodos. É para atendê-las que  está sendo instaurado o projeto Clínicas do Testemunho, que pretende dar auxílio psicológico a vítimas da repressão militar.

O objetivo é levar ajuda a anistiados e seus familiares que, de alguma forma, sofreram traumas psicológicos no período

A chamada pública para interessados em participar do projeto pode ser acessada pela internet. A primeira fase de inscrições no programa será pelo e-mail clinicas.testemunho@mj.gov.br, até o próximo dia 06 de abril (a ficha pode ser obtida na página do MJ). O mesmo e-mail pode ser utilizado para o esclarecimento de dúvidas.

A iniciativa da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça pretende, inicialmente, dar atenção aos anistiados e seus familiares. A proposta de criação das Clínicas foi encaminhada à Comissão por especialistas que atuam no tema. Para a preparação do programa brasileiro, foram realizadas em 2012 oficinas com profissionais do Cone Sul que presenciaram ações semelhantes em seus países.

Além da assistência psicológica às vítimas e seus familiares o projeto prevê ainda a capacitação de profissionais e a geração de investimentos na área. A intenção é desenvolver estratégias de resposta e reparação a danos que poderão ser aplicadas a outras situações e contextos.

Por quê?

A intenção do projeto é atender casos graves como o de Carlos Alexandre Azevedo. Em 14 de janeiro de 1974, Azevedo era preso junto com seus pais,militantes de esquerda. Em uma cela no Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops), que dividiu com sua mãe por 15 horas, ele foi torturado.

Azevedo cresceu recluso, sem amigos ou empregos e sofria de fobia social. Aos 37 anos, suicidou-se em fevereiro deste ano.

Confira abaixo o depoimento que Demir Azevedo, jornalista e pai de Carlos Alexandre, escreveu na ocasião.

“Meu coração sangra de dor. O meu filho mais velho, Carlos Alexandre Azevedo, suicidou-se na madrugada de hoje, com uma overdose de medicamentos. Com apenas um ano e oito meses de vida, ele foi preso e torturado, em 14 de janeiro de 1974, no DEOPS paulista, pela “equipe” do delegado Sérgio Fleury, onde se encontrava preso com sua mãe. Na mesma data, eu já estava preso no mesmo local. Cacá, como carinhosamente o chamávamos, foi levado depois a São Bernardo do Campo, onde, em plena madrugada, os policiais derrubaram a porta e o jogaram no chão, tendo machucado a cabeça. Nunca mais se recuperou. Como acontece com os crimes da ditadura de 1964/1985, o crime ficou impune. O suicídio é o limite de sua angústia.
Conclamo a todos e a todas as pessoas que orem por ele, por sua mãe Darcy e por seus irmãos Daniel, Estevao e Joana, para que a sua/nossa dor seja aliviada.
Tenho certeza de que Cacá encontra-se no paraíso, onde foi acolhido por Deus. O Senhor já deve ter-lhe confiado a tarefa de consertar alguns computadores do escritório do céu e certamente o agradecerá pela qualidade do serviço. Meu filhinho, você sofreu muito. Só Deus pode copiosamente banhar-te com a água purificadora da vida eterna.
Seu pai
Dermi”
 

Por Redação