Dia Mundial Sem Carro: o relato de uma ex-motorista mais feliz

Pode ser difícil de acreditar, mas a vida é melhor e mais barata a pé

Por: Gabriela Rassy

Para começo de conversa, não sou iniciante. Quem é de cidade grande no Brasil sabe o perrengue que é se mover, dependendo de onde você mora e para onde precisa ir. Foram 11 longos anos de gastos e dependência, com uma ideia fixa: ainda bem que eu tenho carro.

De uns anos para cá, parei de achar o carro a melhor coisa do mundo. Cada enchida de tanque, estacionamento, barulhinho de peça pedindo pra ser trocada dava arrepios na minha conta bancária. Fora o nervoso de ficar parada em trânsito, de achar ele com uma batidinha por que ficou na rua, do estresse de achar uma vaga, dele não sumir quando eu queria beber. Aquele misto de orgulho e desespero.

23 de maio, 16h. Parei aí

O meu era um modelo popular e forte, mas já baqueado de boas viagens feitas ao longo dos 7 anos que estivemos juntos. Relação duradoura abalada pelo tempo. Tem uma hora que o prejuízo fala mais alto e ou você compra um novo ou vai gastar os tubos para nunca ver a máquina satisfeita. É pneu careca aqui, tanque de óleo com furinho ali, embreagem desgastada. Cada passada no mecânico já me custava no mínimo 3 dígitos – e o primeiro nunca é menor que 3.

Já pensava em vender por quase nada e gastar um monte num possante novinho, até que fui parada numa blitz. R$ 1500 pagando na data certa, R$ 465 do guincho, R$ 30 por dia no pátio, multinhas paralelas que surgem na vistoria… Enfim, foi um baque na nossa relação. Além do carro, precisava respeitar a minha vida, a dos outro e a lei. Isso significava pegar táxi para sair e beber. Paguei tudo a duras penas e seguia o problema: carro velho e gastos infinitos.

Chegou o grande dia. Fui ao trabalho como de costume e estacionei bem na porta. Pense na alegria de um paulistano que tem vaga na porta do trabalho? Era eu, felizona. Até que um caminhão que fazia reparos na rua não aguentou seu próprio freio de mão e foi com tudo no meu pretinho, que morreu na hora. Seguro cobriu (aleluia) e ficou a questão: e agora, compro um novo ou não?

O triste fim do pretinho

Primeiro passo foi fazer contas dos gastos anuais: 2 tanques por mês, óleo, IPVA, seguro obrigatório, licenciamento, seguro. No meu caso, o total ficou em R$ 6 mil fixo por ano, R$ 500 por mês. Meu carro não era gastão, minhas contas não eram altas e eu não contei com estacionamento, multas, batidas, peças a serem trocadas, enfim. A lista é longa – entendedores entenderão. Ah, não conta o Uber/táxi, nem o metrô pra ir até o centro, nem o ônibus até um lugar mais prático, tá?

Dinheiro do carro, de acordo com a tabela, depositado na minha conta. Olhei pra ele, ele olhou pra mim e decidi. Aquilo não tinha o menor sentido. Não tenho filho pequeno, não viajo todo fim de semana, não trabalho com produção de evento. Se eu pegasse esses R$ 500, com a grana do carro sentada na minha conta, eu tinha R$ 16 para gastar por dia com o transporte que fosse.

Isso tudo aconteceu em novembro de 2015. De lá pra cá, essa grana ficou no banco rendendo bem linda enquanto eu descobri como usar melhor os ônibus da cidade, uber a noite e, claro, andar a pé! Caminho mais, conheço melhor meu bairro e minha cidade, posso tomar uma cerveja com paz no coração e não estou mais pobre a cada dia. rs

Meu velho/novo modal <3

Pela primeira vez participo do Dia Mundial Sem Carro no meu trabalho. Antes passava de cantinho enquanto todo mundo mostrava como se movia por aí. Posso garantir que dá para ser feliz – e muito – usando esse tempo que eu ficava atenta ao trânsito e irritada nele pra ler um livro no ônibus ou conversar com quem divide um motorista comigo. Sigo usando o dinheiro para me mover de outras formas e ainda tenho uma poupança.

A bike é meu próximo passo, já que cada vez mais as magrelas ganham adeptos e espaço seguro para circular. Ano que vem conto essa nova saga por aqui. E comprar carro? Esquece. Como dizem por aí, passei dessa fase.