O que se esconde por trás do voto em uma mulher

A partir do momento em que as mulheres ganham espaços públicos, aumenta a pressão social para que cuidem de maneira obsessiva de seu corpo

Nestas eleições houve recorde no número de mulheres candidatas. Negras, gordas, idosas, transexuais, todas juntas representando algo maior e mais poderoso, representado pelas pautas trazidas por muitas delas: saúde pública, maternidade, igualdade de gênero e meio ambiente.

E o que participação de mulheres na política tem a ver com alimentação? Simples: a partir do momento em que as mulheres ganham espaços públicos, aumenta a pressão social para que cuidem de maneira obsessiva de sua forma e peso corporal, como uma forma de controle social.

A partir do momento em que as mulheres ganham espaços públicos, aumenta a pressão social sobre seus corpos
Créditos: Fernando Frazão/Agência Brasil
A partir do momento em que as mulheres ganham espaços públicos, aumenta a pressão social sobre seus corpos

A política, enquanto espaço público por excelência, é mais um ambiente onde as pressões sociais baseadas no tradicionalismo tentam calar mulheres e suas liberdades, assim como acontece quando trazemos à tona assuntos como pressão estética, valorização da magreza e objetificação do corpo feminino. Daí a importância do grande número de mulheres candidatas nas eleições municipais desse ano.

Segundo Naomi Wolf, escritora norte-americana e autora do livro “O Mito da Beleza” (1ª ed., 1992), existe uma relação direta entre o direito de voto e a adoção de dietas restritivas para perda de peso:

“As dietas e a magreza começaram a ser preocupações femininas quando as mulheres ocidentais receberam o direito do voto em torno de 1920. Entre 1918 e 1925, ‘a rapidez com a qual a nova forma linear substituiu a forma mais cheia de curvas é surpreendente’ (…). No entanto, quando as mulheres invadiram em massa as esferas masculinas, esse prazer teve de ser sufocado por um urgente dispositivo social que transformaria os corpos femininos nas prisões que seus lares já não eram mais” (WOLF, p. 243-44)

No Brasil, assim como em outras partes do mundo, a questão do voto feminino tornou-se fundamental no período pós-Primeira Guerra Mundial. Em 1932, mulheres brasileiras casadas – desde que autorizadas pelos maridos – e viúvas com renda própria passaram a ter o direito de exercer o papel máximo em uma democracia. Em 1934, essas condições foram excluídas e o voto feminino passou a ser previsto na Constituição, embora as analfabetas, maioria das pessoas naquela época, não pudessem votar ainda. O número de mulheres analfabetas era muito grande no Brasil, como produto direto da falta de oportunidade de acesso à educação, muitas vezes tolhidas por pais e maridos. Apenas com a Constituição de 1988 o voto passou a ser uma realidade no Brasil mesmo para os que não sabem ler e escrever.

É interessante perceber que a participação de mulheres na política brasileira – pelo direito de votar e de serem votadas – desenvolve-se paralelamente ao hábito crescente de mulheres de fazer dietas restritivas e regimes no país, que ganha força por volta da década de 1950, auge dos concursos de Miss Universo e a valorização do corpo feminino curvilíneo. De lá para cá, a mudança do padrão de beleza socialmente imposto mantém-se forte e baseada na efemeridade, valorizando corpos excessivamente magros e definidos, o que torna, assim, o objetivo físico cada vez mais complexo e naturalmente impossível de ser conquistado pela maioria das mulheres.

Por outro lado, no que diz respeito ao papel das mulheres brasileira na sociedade, vimos que ele tem aumentado de maneira vertiginosa, sendo que, nos últimos anos, movimentos feministas têm ganhado voz e poder. O ganho de consciência e liberdade sobre o valor e função dos próprios corpos e do ato de comer reflete uma mudança estrutural, ainda que estejamos experimentando apenas o início dessa mudança de paradigmas.

Dessa maneira, manter as mulheres em suas casas entorpecidas por dietas e pela contagem de calorias torna-se um desafio cada vez maior para aqueles que, conscientemente ou não, visam manter controle sobre nós. O entendimento do papel democrático e do direito de ocupar os lugares públicos e relevantes da sociedade pelas mulheres é uma realidade. O mesmo vale para o exercício de direitos básicos, e a liberdade de escolher representantes e de exercer, a partir deles, nossa representatividade política. Isso faz parte de vitórias necessárias do dia a dia de todas, apropriando-se da nossa voz – e do nosso corpo – como instrumento político.

Texto escrito pela nutricionista Marcela Kotait.