Organizações assinam carta contra Bolsonaro e em defesa do SUS

Entidades e coletivos de mulheres e LGBTs se organizaram para manifestar repúdio a ações do governo em meio à pandemia do novo coronavírus

Segundo a carta, a principal desculpa de Bolsonaro para esconder suas políticas é a defesa da economia
Créditos: Isac Nóbrega/PR
Segundo a carta, a principal desculpa de Bolsonaro para esconder suas políticas é a defesa da economia

Organizações feministas e LGBT divulgaram nesta quinta-feira, 9, uma carta de repúdio ao presidente Jair Bolsonaro e em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) após medidas do governo em meio à pandemia do novo coronavírus.

No texto, as entidades afirmam que Bolsonaro tentou minimizar a gravidade da pandemia, mas foi desmentido por evidências. “Ele passou a proferir discursos frontalmente contrários às recomendações seguidas pela maioria das nações e estipuladas pela Organização Mundial de Saúde. Seguindo sua política da morte, o presidente deixa cada vez mais vulneráveis idosos e doentes, além de parecer ignorar a realidade de milhares de pessoas que sofrem com a falta de recursos, água e de saneamento básico”, ressalta o manifesto.

Para os grupos, a principal desculpa de Bolsonaro para esconder suas políticas é a defesa da economia. “Criando uma falsa oposição entre a produção e a reprodução e cuidado com a vida, ele esconde o fato de que pouco fez para garantir a circulação e consumo via manutenção de renda e incentivos aos trabalhadores e trabalhadoras afetadas pela crise.”

De acordo com a carta, três quartos da população brasileira dependem exclusivamente do SUS, sendo que negros e negras correspondem a 80% de seus usuários diretos. “Nesse cenário em que não temos um SUS tão forte quanto poderíamos, a insistência para a retomada das atividades econômicas como se não houvesse uma pandemia global resultará no colapso do sistema de saúde.”

“São as nossas vidas que estão em risco frente a este comportamento irresponsável. Não podemos deixar que mais de nós morram, seja em decorrência da covid-19, seja como resultado do desmonte generalizado de instituições públicas”, completa.



Entre os grupos que assinam o movimento, estão a Casa 1, de São Paulo, a Rede Feminista de Juristas, em âmbito nacional, o PreparaNem, do Rio de Janeiro, a Casa Aurora, da Bahia e o Instituto Transviver, de Pernambuco.

Segundo a advogada Pamela Michelena, coordenadora do grupo de trabalho jurídico da Casa 1 e membra da Rede Feminista de Juristas, a sociedade civil não pode ficar calada diante do possível e provável colapso do SUS.

“As pessoas em maior vulnerabilidade social e econômica precisam estar assistidas. Além disso, nosso Sistema Único de Saúde deve ser defendido. O fato dele apresentar problemas não é razão para que a gente abra mão de um dos projetos de saúde pública mais reconhecidos pelo mundo. O atual ocupante da Presidência não pode fazer o que quiser sem ser responsabilizado por seus atos. Não vamos nos calar”, afirma em entrevista à Catraca Livre.

Leia a carta na íntegra e veja todos grupos que a assinaram:

“Em defesa da vida: #FicaSUS #ForaBolsonaro

O cenário atual torna evidente que o único caminho para enfrentar a crise sanitária é a defesa de um Sistema Único de Saúde – SUS forte e público. Uma pandemia não pode ser combatida de forma individual: para proteger cada pessoa, precisamos proteger a todas. É por isso que, nesse momento tão delicado, o SUS é fundamental, não apenas para garantir atendimento gratuito à população, mas como única alternativa de criar políticas coletivas organizadas, integradas e justas.

Infelizmente, o atual ocupante da presidência ameaça a saúde e o bem estar da população brasileira desde o primeiro dia de seu governo. Muitos foram os indícios de descomprometimento com certas vidas e certos corpos: o descaso com os aumentos dos índices de violência contra a mulher, o incentivo a discursos de ódio contra a diversidade, as declarações racistas, a desvalorização da ciência. Com a crise da Covid-19, esses comportamentos, antes restritos às camadas mais vulneráveis, se ampliaram, passando a colocar até as classes média e alta em risco.

De início, Bolsonaro tentou minimizar a gravidade da pandemia. Desmentido pelas evidências, passou a proferir discursos frontalmente contrários às recomendações seguidas pela maioria das nações e estipuladas pela Organização Mundial de Saúde (1). Seguindo sua política da morte, o Presidente deixa cada vez mais vulneráveis idosos e doentes, além de parecer ignorar a realidade de milhares de pessoas que sofrem com a falta de recursos, água e de saneamento básico.

A principal desculpa de Bolsonaro para esconder seu projeto genocida é a defesa da economia. Criando uma falsa oposição entre a produção e a reprodução e cuidado com a vida, ele esconde o fato de que pouco fez para garantir a circulação e consumo via manutenção de renda e incentivos aos trabalhadores e trabalhadoras afetadas pela crise.

Muitos economistas já se manifestaram apontando que, quanto antes admitirmos a necessidade de adotar as medidas mais radicais de isolamento, mais rapidamente seremos capazes de reconstruir a economia (2). Além disso, temos a chance de aprender com os erros de outros países e diminuir os danos sobre a nossa população: a atual situação da Itália e Reino Unido são exemplos de Estados que, priorizando a economia ignorando ou minimizando o impacto do vírus, chegaram em uma situação gravíssima de contaminação.

Por isso, perguntamos: Por que, diante da urgência, há tanta demora em garantir uma política emergencial de transferência de renda? Qual a proposta do governo para o fortalecimento do SUS?

Infelizmente, as políticas neoliberais aplicadas pelo Governo Bolsonaro enfraqueceram o SUS. Nas palavras do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, “o desmonte do SUS é um processo de longo prazo, mas que se tornou mais intenso com o governo Bolsonaro. Para além do SUS, o que ocorre no governo em vigência são políticas voltadas à precarização das condições de vida e saúde da população, ou seja, políticas para a morte”(3).

Nesse cenário em que não temos um SUS tão forte quanto poderíamos, a insistência para a retomada das atividades econômicas como se não houvesse uma pandemia global resultará no colapso do sistema de saúde.

Três quartos da população brasileira dependem exclusivamente do SUS, sendo que negros e negras correspondem a 80% de seus usuários diretos. Já o outro quarto se utiliza dele, muitas vezes sem nem saber, como beneficiário da Vigilância Sanitária (5). São as nossas vidas que estão em risco frente a este comportamento irresponsável. Não podemos deixar que mais de nós morram, seja em decorrência da COVID-19, seja como resultado do desmonte generalizado de instituições públicas.

Regido pelo princípio da universalidade, o SUS é concebido para atender toda a população e para adotar protocolos de atenção à saúde que levem em consideração sua diversidade. Por isso, defender o SUS é garantir o direito à saúde para qualquer pessoa, independentemente de raça, classe, identidade de gênero e orientação sexual – fundamental para garantir, por exemplo, que as mulheres negras, responsáveis por chefiar muitas famílias deste país, possam ter os cuidados necessários para a preservação de sua saúde e vida.

Não assistiremos caladas às graves declarações de Bolsonaro e suas brigas eleitoreiras com seus ministros; a máquina de “Fake-News”; a defesa dos interesses econômicos dos mais ricos às custas das vidas dos mais pobres; as declarações destemperadas que geram conflitos diplomáticos. Estes e os vários outros atos frontalmente contrários aos Direitos Humanos não serão tolerados, principalmente diante de um possível e iminente colapso do Sistema Único de Saúde.(6)

As organizações que assinam esta nota convidam todas e todos, usuários, organizações, coletivos e instituições estatais a se posicionarem em defesa do SUS, em defesa das políticas públicas de saúde para todos, em defesa do isolamento social para contenção da contaminação e em defesa dos programas de garantia de renda mínima, em defesa da vida de todos os brasileiros e não apenas aqueles que convém ao sistema salvar.

Assinam esta nota:

Ali: arte livre itinerante – São Paulo

CASA 1 – Centro de Cultura e Acolhimento LGBT – São Paulo

CASA CHAMA – São Paulo – São Paulo

Casa Aurora – Bahia

CasaNem – Rio de Janeiro

Casa Verbo do Movimento do Sem Teto do Centro (MSTC) – São Paulo

Centro de Defesa de Direitos Humanos “ Carlos Alberto Pazzini” – São Paulo

Coletiva QUEERtura – São Paulo

Coletivo e Casa de Acolhimento LGBT+ Arouchianos – São Paulo

Grupo de Mulheres Negras Malunga – Goiás

Instituto Transviver – Pernambuco

Indianara Siqueira

PreparaNem – Rio de Janeiro

Rede Feminista de Juristas – Brasil”