Bolsonaro levou para o Planalto ‘máquina’ de linchamento virtual

Por: Gilberto Dimenstein

Nos últimos dias o presidente Jair Bolsonaro “apanhou” de todos os lados ao publicar no Twitter um vídeo pornográfico.

Dos grandes jornais internacionais à sua base aliada e assessores próximos, todos ficaram perplexos com a atitude do presidente, que partiu para o ataque em resposta aos protestos que recebeu das ruas durante o Carnaval.

Como sempre, compartilhando mentiras.

Créditos: Agência Brasil/ Antonio Cruz

Aliás… Também no Twitter, em um longo thread, o jornalista Marlos Ápyus detalha como se instalou, dentro do Planalto, uma máquina de promoção de linchamentos virtuais que se iniciou durante a campanha.

“Tocado por milhares de contas, as redes foram tomadas por hordas que assassinavam a reputação de alvos específicos”, ele escreve, “até que a vítima restringisse o acesso aos próprios perfis, calasse sobre o tema que deu origem aos ataques ou, em casos mais graves, deixasse de fazer uso público da internet.”

Leia a íntegra.

Essa longa thread irá explicar o problema a quem ainda não o compreende.

1. CONTEXTO

O combate às “fake news” era uma preocupação anterior à campanha de 2018. Tanto que Luiz Fux, na condição de presidente do TSE, habituou-se a vir a público dizer que as eleições poderiam ser anuladas “por causa de fake news”.
 https://veja.abril.com.br/brasil/luiz-fux-eleicoes-podem-ser-anuladas-por-causa-de-fake-news/ 

Mas antes, durante e depois da campanha, observou-se um fenômeno que ia muito além da proliferação de notícias falsas. Tocado por milhares de contas, as redes sociais foram tomadas por hordas que assassinavam a reputação de alvos específicos…

…até que a vítima restringisse o acesso aos próprios perfis, calasse sobre o tema que deu origem aos ataques ou, em casos mais graves, deixasse de fazer uso público da internet como um todo. Esse nítido ato de censura é o que chamamos aqui de “linchamento virtual”.

A prática é abjeta. Além de tolher a liberdade de expressão do cidadão brasileiro, dificulta a proliferação de informações valiosas, radicaliza o debate político e afasta profissionais que agiam de boa fé – abrindo espaço à má fé explícita.

Com a reputação manchada, as vítimas chegam a perder empregos, enfrentam dificuldade para se recolocarem no Mercado e, em casos extremos, como o narrado por Gustavo Bebianno, vivem episódios depressivos que podem dar fim à própria vida.

A insanidade, contudo, parecia ter método. Porque os alvos tinham algo em comum: por formarem opiniões contrárias ou se apresentarem como eventuais adversários políticos, eram entendidos como obstáculos ao projeto de poder de Jair Bolsonaro, atual presidente do Brasil.

As vítimas podiam ser desde cidadãos comuns donos de uma opinião polêmica que viralizou, passando por jornalistas que traziam informações ou opiniões incômodas, e chegando até mesmo a presidenciáveis que, de tão agredidos, desistiam do pleito.

Isso, claro, levantou suspeitas de que o próprio Bolsonaro poderia estar por trás dos ataques. Com o tempo, o noticiário forneceria fortes evidências de que a suspeita tinha razão de ser.

Hoje, resta evidente que a prática continuou mesmo após a posse do presidente, voltando-se até mesmo contra membros do governo que de alguma forma desagradam uma ala mais radical — justo a que toca os linchamentos virtuais.

2. CASOS EMBLEMÁTICOS

Qualquer cidadão que surja como um obstáculo ao discurso político de Jair Bolsonaro pode ser convertido em alvo de um linchamento virtual. Mas a preferência clara é por jornalistas que apresentam fatos ou opiniões incômodas.

Contudo, como surgirá nos exemplos a seguir, nem membros do Governo Bolsonaro estão livres dos ataques. Nem mesmo o vice-presidente da República.

Em alguns casos, perfis falsos foram criados para ludibriar a opinião pública, com o próprio presidente da República compartilhando o resultado da fraude.

Apenas ALGUNS exemplos:

Criaram perfis falsos ridicularizando o trabalho dos jornalistas Andreia Sadi, Reinaldo Azevedo, Mônica Bergamo, Patricia Campos Mello e vários outros. O próprio presidente da República seguia e compartilhava o resultado da fraude.
 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/01/perfis-de-parodias-se-multiplicam-e-confundem-na-internet.shtml 

Quando finalmente passou a tecer críticas ao trabalho do Governo Bolsonaro, o jornalista Felipe Moura Brasil passou a ser alvo de linchamentos virtuais.
 https://www.gazetadopovo.com.br/rodrigo-constantino/artigos/tentativa-de-assassinato-de-reputacao-felipe-moura-brasil-expoe-metodo-das-hienas-comandadas/ 

Por se permitir críticas ao trabalho do Governo Bolsonaro, o editor Carlos Andreazza é vítima constante dos linchamentos virtuais.

A jornalista Miriam Leitão é mais uma que virou alvo ao criticar Bolsonaro.

“Jornalista da Rede Globo virou alvo de patrulhas após afirmar que Jair Bolsonaro é risco à democracia.

Atentem:
“Mais de 120 jornalistas já foram vítimas de ataques”
 https://exame.abril.com.br/brasil/miriam-leitao-e-nova-jornalista-vitima-de-ataques-nesta-eleicao/ 

Gustavo Bebianno, secretário-geral do próprio Jair Bolsonaro, foi exonerado após uma onda de ataques iniciada por Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República.
 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/02/bolsonaro-compartilha-ataque-de-filho-dizendo-que-bebianno-mentiu.shtml 

Ilona Szabó de Carvalho, cientista política, foi afastada do Ministério da Justiça após ataques nas redes sociais. Filipe Martins, assessor internacional de Jair Bolsonaro, veio às redes sociais celebrar a queda dela.
 https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/02/moro-recua-de-nomeacao-de-especialista-em-seguranca-publica-para-conselho.shtml 

Hamilton Mourão foi alvo de ataques que passaram por Olavo de Carvalho. Mas os vice-presidente descobriu que os ataques foram incentivados por Filipe Martins, assessor internacional de Jair Bolsonaro.
 https://www.oantagonista.com/mundo/office-bannon/ 

O embaixador Paulo Roberto de Almeida também relatou ataques antes de ser afastado:
 https://politica.estadao.com.br/blogs/blog-do-fucs/itamaraty/ 

Disse Almeida:

“Também fui atacado ferozmente pelos olavistas, como a gente vê nas redes sociais. Os olavistas fanáticos ficam xingando seus adversários. Fui chamado de petista quando fui o único diplomata que me opus durante toda a gestão lulopetista à política externa deles.”

3. FILIPE G. MARTINS

Filipe Martins atua oficialmente dentro do Palácio do Planalto como assessor internacional da Presidência da República, mas foi apontando como o estrategista de Jair Bolsonaro nas redes sociais desde a eleição de 2018.
 https://br18.com.br/nucleo-duro-das-redes-dentro-do-planalto 

Em 6 de outubro de 2018, atestou que um perfil de nome “ehomath” (É o Math) teria sido primordial para o que viria ser a vitória de Jair Bolsonaro:

Este perfil, como se observa, foi desativado no Twitter após a vitória de Jair Bolsonaro no final de outubro.

Há um “Math” trabalhando no Palácio do Planalto. Chama-se José Matheus Sales Gomes, ex-assessor de Carlos Bolsonaro que foi promovido a assessor do presidente da República após a posse.
 https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/01/04/bolsonaro-tera-como-assessores-dois-ex-funcionarios-do-filho-carlos.htm 

Filipe Martins foi noticiado como alguém que teria incentivado os ataques do filósofo Olavo de Carvalho a Hamilton Mourão, vice-presidente da República.
 https://www.oantagonista.com/mundo/office-bannon/ 

Quando os ataques surtem efeito, Filipe Martins costuma publicamente celebrar a queda de membros do governo, ainda que de forma dissimulada.

Em 15 de fevereiro de 2019, pouco após a notícia de que Gustavo Bebianno seria exonerado, usou um salmo bíblico para atribuir a Carlos Bolsonaro o feito.

Em 28 de fevereiro de 2019, minutos após a notícia de que Ilona Szabó seria afastada do Ministério da Justiça, veio ao Twitter mais uma vez celebrar a vitória da ala mais radical do Governo Bolsonaro.

Em 05 de março de 2019, foi a vez de marcar terreno no afastamento de Paulo Roberto de Almeida do Itamaraty – mais uma vez, com o cuidado para não mencionar diretamente o fato, nem o personagem.

4. CARLOS BOLSONARO

Mesmo na condição de vereador pelo Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro queria a comunicação do Governo Federal para si.
 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/12/retraido-carlos-bolsonaro-se-torna-pitbull-do-pai-nas-redes-sociais.shtml?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=twfolha 

Carlos Bolsonaro chegou a pedir para ser incluído no grupo fechado de comunicação da SECOM.
 https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/carlos-bolsonaro-pede-para-ser-incluido-em-grupo-de-whatsapp-da-secom.html 

Nas redes sociais, Carlos Bolsonaro prometia caçar aliados incômodos, chamados por ele de “isentões” (é importante atentar a este termo). Disse o vereador: “esse tipo de ‘aliado’ tem que ser ‘desconstruído e revelado'”
 https://br18.com.br/carlos-bolsonaro-contra-os-isentoes 

Mas Carlos Bolsonaro perdeu a SECOM para Gustavo Bebianno.
 https://exame.abril.com.br/brasil/futuro-ministro-bebianno-confirma-que-secom-ira-para-secretaria-de-governo/ 

Semanas depois, Carlos Bolsonaro deu início a uma onda de ataques ao secretário da Presidência, tratando-o como mentiroso.
 https://oglobo.globo.com/brasil/carlos-bolsonaro-diz-que-bebianno-nao-falou-com-presidente-mentira-absoluta-23449667 

O próprio Gustavo Bebianno provaria depois que não estava mentindo.
 https://exame.abril.com.br/brasil/audios-entre-bebianno-e-bolsonaro-desmentem-versao-de-carlos-revela-veja/ 

A imprensa já encontrou vários indícios de que continua sendo Carlos Bolsonaro a pessoa quem mantém as redes sociais do presidente da República.
 https://theintercept.com/2019/02/22/carlos-bolsonaro-twiter-jair-bolsonaro-presidente/ 

5. JOSÉ MATHEUS SALES GOMES

Era assessor do vereador Carlos Bolsonaro, no Rio de Janeiro.
 https://br18.com.br/nucleo-duro-das-redes-dentro-do-planalto 

Em janeiro, foi promovido a assessor do presidente da República.
 https://br18.com.br/nucleo-duro-das-redes-dentro-do-planalto/ 

6. EHOMATH

Fontes me garantem que Ehomath (É o Math) é essa terceira pessoa ao lado de Carlos Bolsonaro e Helio Bolsonaro saindo de uma avião da FAB em 20 de novembro de 2018.
 https://www.instagram.com/p/BqZniFeA2Xg/ 

E que Ehomath seria também a pessoa que deu início ao perfil “@lsentoes“, hoje já tocado por uma equipe, uma das principais fontes do linchamento virtual aqui detalhado.

7. TERCIO ARNAUD TOMAZ

Tercio era assessor do vereador Carlos Bolsonaro, no Rio de Janeiro.
 https://br18.com.br/nucleo-duro-das-redes-dentro-do-planalto/ 

Mesmo assessorando o vereador do Rio de Janeiro e sendo pago pelo contribuinte carioca, trabalhou na campanha de Jair Bolsonaro à Presidência da República.
 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/11/apos-vencer-com-uso-das-redes-bolsonaro-estuda-comunicacao-profissional.shtml 

Mesmo noticiado como membro da campanha de Jair Bolsonaro, teve o trabalho no gabinete atestado pelo vereador carioca.
 https://oglobo.globo.com/brasil/carlos-bolsonaro-atestou-presenca-de-assessor-do-pai-23386253?utm_source=Twitter&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo 

Em janeiro de 2019, foi nomeado assessor de Jair Bolsonaro:
 https://br18.com.br/nucleo-duro-das-redes-dentro-do-planalto/ 

A revista Veja confirmou que, mesmo na condição de assessor do presidente da República, Tercio Arnaud Tomaz segue tocando os perfis mais virulentos de defesa de Jair Bolsonaro.
 https://veja.abril.com.br/blog/radar/assessor-recebe-r-13-mil-para-comandar-milicias-virtuais-de-bolsonaro/ 

8. GUSTAVO BEBIANNO

Bebianno era o Secretário-Geral da Presidência do Brasil. Aproximou-se de Jair Bolsonaro alegando influência sobre Luiz Fux, então presidente do TSE.
 https://www.buzzfeed.com/br/severinomotta/uma-mensagem-de-whatsapp-provocou-um-pandemonio-na-campanha 

Adepto de um tom mais moderado, no que disputou com Carlos Bolsonaro a SECOM, Bebianno passou a ser atacado nas redes sociais mesmo em grupos pró-Bolsonaro.
 https://oglobo.globo.com/brasil/bebianno-atacado-nas-redes-sociais-em-grupos-de-whatsapp-pro-bolsonaro-23459877?versao=amp&__twitter_impression=true 

Gustavo Bebianno chegou até mesmo a receber ameaças de morte.
 https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2019/02/bebianno-recebe-ameacas-depois-de-ter-telefone-divulgado.shtml 

Após ter a exoneração antecipada pelo noticiário, Bebianno teve a queda dissimuladamente celebrada por Filipe Martins, assessor internacional de Jair Bolsonaro.

Em entrevista à Jovem Pan, Gustavo Bebianno confirmou várias das suspeitas…
 https://jovempan.uol.com.br/videos/programas/os-pingos-nos-is/os-pingos-nos-is-19-02-2019.html 

Na entrevista, Bebianno disse que foi demitido por Carlos Bolsonaro, que o vereador encampa ações virulentas nas redes sociais, que usa perfis de terceiros para ataques, e narrou um caso em que o filho de uma vítima chegou a tentar suicídio em decorrência do linchamento virtual.

9. JAIR BOLSONARO

Além de presidente da República, Jair Bolsonaro é, como todos sabem, pai de Carlos Bolsonaro.

Jair Bolsonaro não esconde que deve a própria eleição a um forte trabalho realizado nas redes sociais. Uma vez eleito, estudava “profissionalizar a comunicação de seu governo, mas enfrenta resistência dos filhos que atuam na política.”
 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/11/apos-vencer-com-uso-das-redes-bolsonaro-estuda-comunicacao-profissional.shtml 

Jair Bolsonaro nomeou Filipe Martins para trabalhar dentro do Palácio do Planalto.
 https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/01/bolsonaro-escolhe-discipulo-de-olavo-de-carvalho-como-assessor-internacional.shtml 

Jair Bolsonaro nomeou os assessores de Carlos Bolsonaro para trabalharem dentro do Palácio do Planalto.
 https://br18.com.br/nucleo-duro-das-redes-dentro-do-planalto/ 

Jair Bolsonaro seguidamente peitou as críticas e manteve Carlos Bolsonaro interferindo nos assuntos da Presidência da República.

Em dois meses como presidente da República, Jair Bolsonaro gastou mais de um milhão de reais com cartões corporativos, mas só detalhou o uso de R$ 15,5 mil.
 https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,presidencia-eleva-em-16-gasto-com-cartao-corporativo,70002744787?utm_source=twitter:newsfeed&utm_medium=social-organic&utm_campaign=redes-sociais:032019:e&utm_content=:::&utm_term= 

Jair Bolsonaro Estimulava o trabalho do perfil “lsentoes”, reforçando – por quê?! – que não conhecia as pessoas por trás deles.

10. CONCLUSÕES

Cada assessor de Carlos Bolsonaro que foi convertido em assessor de Jair Bolsonaro custará ao povo brasileiro pelos menos R$ 1,4 milhão de reais até o final deste mandato. Este bruto não considera todos os benefícios que um assessor do tipo recebe.

Mas, ao se considerar que Filipe Martins também está envolvido, e que coordenam uma rede de tamanho ainda desconhecido, os R$ 1,4 milhão é apenas o ponto de partida.

Jair Bolsonaro, o principal beneficiário de toda essa rede, faz uso de uma fortuna em impostos recolhidos pelo povo brasileiro para manter no Palácio do Planalto uma máquina de assassinatos de reputação e promoção de linchamentos virtuais…

…Numa postura de nítida censura a adversários externos e internos. Isso é INADMISSÍVEL numa democracia como a brasileira.

Como entendo não ser esta a função de um presidente da República, nem essa a finalidade dos impostos recolhidos pelo povo brasileiro, como esses atos NÃO são alheios ao mandato do presidente da República, já reportei todos estes detalhes às “autoridades competentes”.

Mas se algum procurador/promotor, jornalista ou parlamentar quiser combater isso e precisar de minha ajuda, estou inteiramente à disposição.

De minha parte, só descansarei quando cada integrante dessa associação criminosa indenizar cada vítima dela.

Apenas uma correção. Não é “cada assessor”. Eu deveria ter escrito “ambos os assessores”. O valor citado é a soma do salário de ambos.

Aos que integram a rede: a dica é não destruir provas, pois pode complicar ainda mais a vida na Justiça. Sem contar que uma prova pode ser útil numa eventual delação – mas o benefício só chega a quem delata antes, vale frisar.

O “ehomath”, que – cito na thread – “sumiu” do Twitter após as eleições, é hoje o perfil @ismemath.

É claro que essa thread já me rendeu a primeira ameaça oficial de processo. Não irão me intimidar.

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