Entrevista Folha: é absurdo mulher se aposentar antes dos homens

Por: Redação

Um debate agita as mulheres – em especial as feministas.

O projeto de reforma do governo prevê a aposentadoria das mulheres ( 62) antes dos homens ( 65).

Um dos maiores especialistas em previdência no Brasil, o economista Fábio Giambiagi discorda, considerando essa diferença injusta.
É uma crítica apoiada por alguns grupos de feministas.

Trecho da entrevista:

Pensando em pontos específicos, onde daria para apertar mais? 

Definitivamente, na regra de gênero. É simplesmente absurdo que uma pessoa tenha uma exigência de contribuição menor apenas por ser mulher. Aceito que o problema da dupla jornada de trabalho é uma questão não resolvida no mundo inteiro, mas nesse caso a diferenciação deveria ser condicionada à existência de filhos.

Dá para estimar a perda de economia com essa diferença?

Não tenho essa conta. O governo certamente tem. Mas, independentemente do número, não me conformo com a falta de lógica.

A lógica nesse caso não pode ser política?

Entendo que políticos reajam a resistências políticas. Mas três anos a menos para mulheres como regra definitiva, para quem entrar no mercado de trabalho, me parecem uma aberração. A pressão vem de onde? As garotas não estão nem aí para isso. Elas querem igualdade. A demanda política por condições diferentes é zero.

Catraca Livre detalhou esse debate:

No geral, as mulheres ganham 30% menos do que os homens para exercer a mesma função, estão mais sujeitas à informalidade e ao desemprego, além de cumprirem jornada dupla de trabalho por ainda hoje assumirem boa parte das tarefas domésticas.

Logo, existe consenso de elas se aposentarem antes, certo? Não. A questão tem diversas interpretações provocando debate entre mulheres de diversos ramos. O governo Bolsonaro (PSL) recém divulgou sua proposta de Reforma da Previdência. Nela, homens terão idade mínima de 65 anos para se aposentar, e mulheres, 62.

Há quem defenda que a igualdade para se aposentar é bem-vinda, porque a mulher vive, em média, sete anos mais que os homens, e também para não reforçar o papel historicamente tido como feminino.

Para a socióloga Clara Araújo, da UFRJ, “dedicar mais tempo ao trabalho doméstico e interromper a carreira para atender à família prejudicam efetivamente a aposentadoria”, afirmou em entrevista ao jornal “O Globo”.

Para chegar à igualdade, no entanto, defendem que é necessário um tempo de transição.

Bila Sorj, socióloga e professora da UFRJ, defende a equidade de aposentadoria por ser a favor da igualdade de gênero, mas acredita também que essa transição seja feita ao longo de dez anos.

“Sou a favor da igualdade de gênero, portanto tem que ser consistente com modelo de previdência que proponha a igualdade na idade de aposentadoria. É importante a equalização da mulheres e homens. Como a mulher trabalha mais horas, o ideal é que fosse implantada ao longo de dez anos, para dar tempo que as políticas públicas para atenuar o trabalho reprodutivo fossem implantadas também, como aumentar a licença-paternidade para ter divisão melhor do trabalho doméstico e mais creches”, afirmou também ao jornal “O Globo”.

Mulher no mercado de trabalho recebe, em média, 30% a menos que os homens para exercer a mesma função
Créditos: Istock/PeopleImages
Mulher no mercado de trabalho recebe, em média, 30% a menos que os homens para exercer a mesma função

A diferença entre homens e mulheres ao longo dos anos caiu pouco, na visão de Sônia Fleury, professora da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV.

A especialista afirma que as mulheres estão no mercado de trabalho e vivendo mais, mas elas saem do emprego com mais frequência para cuidar de algum familiar doente ou dos próprios filhos.

“Não há políticas públicas como em outros países. Na Alemanha, por exemplo, se é preciso ficar em casa para cuidar de um parente, os profissionais não se desligam do trabalho, nem da Previdência. A Áustria tem um ano de licença-maternidade, e o companheiro também pode tirar um período para cuidar do filho. São políticas para os homens também assumirem os afazeres”, explicou Fleury ao portal “UOL”.

Para ela, antes de falar em igualdade na aposentadoria, devem ser discutidas ações que favoreçam a mulher a estar no mercado de trabalho, voltar a exercer uma atividade e ter salário igual ao dos homens. Deve ser pensado antes em quais políticas públicas serão oferecidas para gerar condições igualitárias.