Melhor texto sobre o perigo mortal de Bolsonaro liberar armas

O Canal Meio faz um texto resumindo os perigos da decisão de Jair Bolsonaro de liberar as armas.

Até os anos 90, comprar arma no Brasil não era coisa de outro mundo.
“É um prazer usar esse rifle Remington”, dizia um anúncio. “Eu não teria medo se possuísse um legítimo revólver da marca Smith & Wesson”, dizia outro, com a imagem de uma mulher assustada dentro de casa.
“Passe as férias com segurança, venha até a Mesbla conhecer as últimas ofertas da Taurus”.
Muitos locais públicos ofereciam, até, uma chapelaria exclusiva para guardar os revólveres ou pistolas dos clientes.
O porte de armas era comum e o discurso de ‘combater a bandidagem’ o mesmo. Basta olhar os anúncios. Mas anos em que a população podia se armar foram também de crescente violência, segundo dados do Ministério da Saúde e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
De 1980 até 2003, as taxas de homicídios subiram em ritmo alarmante, com alta de aproximadamente 8% ao ano. Em 1983 o Brasil tinha 14 homicídios por 100.000 habitantes.
Vinte anos depois este número mais do que dobrou: alcançando 36,1 assassinatos para cada 100.000.
Atualmente a taxa está em 29,9 o que pressupõe que o desarmamento não reduziu drasticamente os homicídios, mas estancou seu crescimento.

Entre pesquisadores, é quase unânime o entendimento das armas como fator “criminogênico”.
Em 2016, mais de 60 especialistas em violência assinaram manifesto reconhecendo que estudos suficientes evidenciaram a relação entre armas e mortes. Um deles, do economista Daniel Cerqueira, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), concluiu que 1% a mais de armas gera quase 2% a mais de assassinatos.
“Quanto mais medo as pessoas sentem e mais homicídios ocorrem, mais elas se armam. Quanto mais se armam, mais mortes teremos”, afirma.
Ele destaca que ao contrário do que frequentemente se diz, a maior parte dos crimes com morte não são praticados pelo ‘criminoso contumaz’, mas por pessoas que, em um momento de ira, perdem a cabeça.
Estudiosos também concordam que o Estatuto do Desarmamento cumpriu o papel de reduzir homicídios, mas alguns entendem que a lei teve implementação falha em diversos estados, o que acabou alimentando o discurso que prega o seu fim.

Para Ilona Szabó e Melina Risso, especialistas em segurança pública, o assunto é sério demais para ser tratado como um tema polarizante.
“Em primeiro lugar, é muito importante esclarecer o que a lei de controle de armas (lei n.10.826, de dezembro de 2003) diz, porque muita mentira sobre ela tem sido espalhada em diferentes meios”.
Ao contrário do que seu nome fantasia sugere, o Estatuto do Desarmamento não desarma o cidadão. Ele ainda pode, isso mesmo antes do decreto de Jair Bolsonaro, ter uma arma de fogo. Aliás, se você tem mais de 25 anos, pode ter até seis armas.
O Estatuto restringiu o direito ao porte, o que significa que cidadãos comuns não podem andar armados nas ruas. “Isso faz todo o sentido. A ideia de que armar civis torna as sociedades mais seguras é um mito”. E é exatamente este o ponto do decreto de Jair Bolsonaro.
Agora, agentes de segurança e promotores, políticos de todas as esferas de poder que tenham mandato eletivo, jornalistas, agentes de trânsito, motoristas de veículos de carga, proprietários rurais e até conselheiros tutelares terão o direito de andar armados.

Outro ponto fundamental que deve ser considerado, sobretudo pensando em termos de país, é que a arma de fogo tem papel central nos assassinatos no Brasil; 72% deles acontecem com esse tipo de artefato, comparados a uma média mundial de 35%. Ou seja, no caso brasileiro, a arma de fogo é um importante fator de risco.

No capítulo ‘Armas sob controle – polêmica ou fato’ do livro Segurança pública para virar o jogo, Szabó e Risso são categóricas ao defender que precisamos regular de maneira sensata as armas de fogo e munições no Brasil. “Armas são instrumentos de ataque e raramente de defesa”.
Luís Roberto Barroso, ministro do STF, assina o prefácio e ressalta a maneira aberta, respeitosa e estatisticamente documentada com que as autoras constroem seus argumentos ‘sem preconceitos, moralismos ou slogans populistas’.

Goiânia, 2017, Colégio Goyases. Um adolescente de 14 anos, filho de policiais militares, usou a arma da mãe, escondida na mochila, para supostamente matar um desafeto da escola. Depois, segundo relato do próprio atirador à polícia, ele perdeu o controle e sentiu vontade de matar mais, atingindo outros colegas.
Matou dois, entre eles um amigo, e feriu outros quatro. Um ano depois, sobreviventes falaram em ‘trauma eterno’. Hoje, uma delas está paraplégica, outra precisou se mudar para os Estados Unidos, e apenas uma continuou na escola. Todos têm um ponto em comum: estudar, realizar sonhos e aprender a conviver com a dor.

Junho de 2016, Orlando, Flórida. Um atirador invade um clube gay no mais mortal atentado a tiros múltiplos da história americana.
Ao discursar pela 13ª vez sobre um ataque a tiros em oito anos de governo, Barack Obama reforçou o apelo a respeito de uma das questões que mais gerou polêmica em seu governo: a legislação sobre armas.
“O dia de hoje marca o tiroteio mais mortal que já tivemos na história dos Estados Unidos. Isso é também um lembrete sobre como é fácil para alguém colocar as mãos em uma arma e atirar em pessoas numa escola, numa igreja, num cinema ou em uma boate”, afirmou Obama.

Enquanto isso, na Nova Zelândia, o Parlamento aprovou um projeto de lei para restringir a posse de armas no país. A votação, que aconteceu em abril, um mês após ataques a mesquitas, teve apoio de 119 dos 120 congressistas, tanto liberais quanto conservadores.