O melhor texto sobre Bettina: “Somos idiotas”

Por: Redação

O melhor texto sobre o fenômeno Bettina foi escrito por Mariliz Pereira Jorge, da Folha.

Ela deu um ângulo totalmente diferente à polêmica, fazendo daquela publicidade um jeito criativo de analisar uma geração.

E também de se auto-analisar.

Título da coluna: “Bettina é esperta, nós é que somos idiotas”.

Trecho:

O que importa é que os jovens têm se comportado cada vez mais como velhos, dando importância a coisas que não fazem tanta diferença nessa fase da vida. Parecem atropelar o tempo e querer resolver casa, comida, trabalho, amor da vida e a aposentadoria assim que saem da faculdade.

Mas o episódio Bettina me faz pensar se não fracassei como jovem em minha tentativa de ser apenas jovem quando tinha idade para isso. Não sei ainda como sobrevivi a mim mesma e a toda a minha falta de foco, talento e sorte, obviamente, quando vejo tanta gente de pouca idade com mais dinheiro, mais milhas acumuladas em classe executiva, com zero quilometragem rodada na estrada do coração partido e, claro, toda a parte ruim que quase sempre bate na porta quando já vivemos um bocado. Ansiedade, fobias e muitas frustrações, tudo aquilo previsto no pacote da crise da meia idade da classe média e média alta, mas parece chegar cada vez mais cedo na vida desse tipo de brasileiro.

Bettinas são um desserviço num país de jovens com poucas chances de um futuro mais ou menos, mas também daqueles criados à base de pera com leite e acabam com a com a cabecinha dodói, alimentada por um mundo de mentira, embalado em pulseirinhas vips e viagens de jatinho, vendido nas redes sociais e por pais que juram que seus filhos são as pessoinhas mais especiais do mundo. Gente frustrada e deprimida ainda antes dos trinta porque não tem o emprego dos sonhos, com 15 salários e bônus, não acumula um milhão de seguidores nas redes sociais, não encontrou o amor da vida aos 24 e jamais fará uma festa de revista em alguma praia, agora já destruída pelas blogueiras, como Caraíva. (Acabaram com Caraíva, não me conformo.) Não terá um casamento como esse por falta de dinheiro ou de encontrar um amor, porque é difícil para caceta mesmo encontrar um amor. E, querido leitor, me desculpe o “para caceta”, mas tem coisas que os jovens só entendem assim.

Não tenho saudade de ser jovem porque fui muito jovem quando era jovem. Época em que a gente pode ser muito livre, muito irresponsável, muito inconsequente. Pode andar perto de precipícios, mesmo que seja com o cordão umbilical ainda bem preso aos nossos pais. A gente tropeça, escorrega, caí, mas consciente dos limites. Porque é isso que fazemos quando somos jovens. Pedimos demissão, somos demitidos, ficamos sem dinheiro, sem lugar onde morar, desagradamos pais, chefes, amigos e amores, parcela blusinhas na C&A, passagens de avião, compramos bebida barata e amores sem valor nenhum. Sofremos muito, mesmo sem bons motivos. Faz bem ao caráter e, acredite, é muito divertido.

Mas, então, vem Bettina dizer que você e eu somos todos idiotas porque não conseguimos juntar R$ 1 milhão aos vinte e poucos anos. Esqueça Bettina. A vida é dura e injusta e, se você não tem um papai para te dar R$ 35 mil para “começar” o seu milhão, vai ter que trabalhar muito e ganhar pouco durante um bom tempo, sem bônus e muitas vezes sem reconhecimento. Enquanto isso, aproveite para viver a vida adoidado. Idiota mesmo é o jovem que não se permite ser jovem enquanto pode. E aquele que arrota conquistas com o dinheiro dos outros.