Piauí faz a melhor reportagem sobre as milícias e Marielle Franco

No dia de hoje, completa um ano da morte de Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes.

A melhor reportagem sobre as investigações em torno do assassinato é da revista Piauí, assinada pelo repórter Allan de Abreu.
É daquelas reportagens que revelam a excelência jornalística.

A investigação da Polícia Civil, liderada pelo delegado Giniton Lages, passou um bom tempo perdida. A um momento, três delegados federais tentaram forjar uma versão pela qual o vereador Marcello Siciliano e o miliciano Orlando Curicica seriam os responsáveis.
Era falsa, possivelmente encomendada pelos políticos Domingos e Chiquinho Brazão, interessados em prejudicar Siciliano, com quem disputavam votos.
Mas se tornou conveniente para a Polícia Civil.
Só no final do ano, por pressão do ministro Raul Jungmann, que a investigação se voltou para o Escritório do Crime, um grupo de sicários que comete assassinatos em troca de dinheiro.
Havia um indício forte: o celular de um de seus dois líderes, o major PM Ronald Pereira, foi detectado na região do crime minutos antes.
O outro líder é o coronel da reserva Adriano Nóbrega, cuja mãe e mulher trabalhavam no gabinete de Flávio Bolsonaro, na Assembleia do Rio. Foram demitidas quando o envolvimento do Escritório veio a público.

Trecho da reportagem

Em algumas conversas gravadas, o ex-capitão Nóbrega é chamado de “patrãozão” pela milícia de Rio das Pedras. Em um dos diálogos, um miliciano afirma ter recebido quatro caixas de uísque de um deputado – o parlamentar não é identificado pelo Gaeco. Em 21 de janeiro, as promotoras recorreram à Draco (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas), da Polícia Civil – e não à Delegacia de Homicídios – para cumprir os mandados de prisão, na manhã do dia seguinte, de treze membros do Escritório do Crime. Entre eles estavam o ex-capitão Adriano Nóbrega e o major Ronald Pereira. A operação foi batizada de “Os Intocáveis” – era uma maneira de realçar a impunidade que havia anos pairava sobre o grupo. A fim de evitar vazamentos, os celulares de todos os policiais envolvidos na operação foram confiscados até o dia seguinte. O cuidado não foi suficiente: oito dos trezes alvos conseguiram escapar do cerco policial, e seis continuavam foragidos até o fim do mês do passado. Entre eles, Nóbrega.

A promotora Petriz fez questão de ir à casa do major Pereira, em Curicica, para acompanhar sua prisão. Ao vê-lo algemado, ela foi direto ao assunto: “O que você tem a dizer sobre o assassinato de Marielle?” O PM abaixou a cabeça e ficou em silêncio. Nem Petriz nem Nascimento quiseram falar com a piauí. A defesa do major nega tanto o envolvimento dele com o Escritório do Crime quanto a participação na morte de Marielle.

Às 6h15 do dia 21 de fevereiro, exatamente um mês após a execução da operação “Os Intocáveis”, Domingos Brazão levou um susto ao se deparar com quinze agentes da PF dentro de sua casa. Com uniformes camuflados, capacetes e metralhadoras, eles arrombaram a porta da residência de Brazão, em um condomínio fechado na Barra da Tijuca. Os policiais cumpriam um dos oito mandados de busca e apreensão para “apurar possíveis ações que estariam sendo praticadas com o intuito de obstacularizar as investigações dos homicídios de Marielle e Anderson”, conforme nota divulgada pela PF. Os outros alvos eram o delegado HK, o agente aposentado Gilberto Costa, o sargento Rodrigo Ferreira e sua advogada, Camila Nogueira.

As promotoras e a Polícia Federal já estão certas da participação do grupo de assassinos no crime contra a vereadora. Quem mandou matar e por qual motivo são questões ainda sem respostas. “O crime se espalhou pelo poder constituído do Rio. Tem bancada. É uma metástase sem controle. O estado não sai mais dessa situação por suas próprias mãos”, me disse uma autoridade que participa das investigações do caso Marielle.