Arquitetura do aborto: como arquitetos podem ajudar mulheres a serem donas de seus corpos

Um concurso de arquitetura está sendo organizado no Mississippi, no sul dos Estados Unidos, para repensar o design da fachada e dos arredores da única clínica de planejamento familiar do estado. O local é um dos muitos no país que realiza procedimentos como o aborto.

O “direito de escolher” foi o mote da luta pelo poder de decisão das mulheres americanas de engravidar ou não. Hoje a discussão se estende pelo direito de se informar sobre o aborto de forma correta e segura.

No início dos anos 1970, a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu que as mulheres americanas deveriam ter o direito de interromperem a gestação caso quisessem. Mais do que isso, que o aborto deveria estar disponível sempre que necessário para proteger a saúde da mulher.

Hoje, o país conta com cerca de mil clínicas de planejamento familiar, onde são realizados, além de abortos, check-ups médicos e aconselhamentos. Consideradas como locais importantes para os direitos sexuais e de reprodução femininos, as clínicas e suas frequentadoras são mal vistas por grupos pró-vida e frequentemente se tornam alvos de protestos – parte deles violentos.

Enquanto em muitos países a descriminalização do aborto ainda é um tabu evitado por políticos, por lá o procedimento existe e está disponível para todas as mulheres. A questão é outra: as americanas têm o direito de comparecerem a esses locais para se informarem sobre aborto, mas para que isso aconteça de forma segura, alguns obstáculos devem ser superados – e a arquitetura pode ajudar.

Violência e direitos

Zonas de isolamento como essa da foto são áreas em que pacientes podem circular sem serem barradas ou incomodadas por manifestantes mais exaltados.

A violência representa um dos maiores desafios tanto para mulheres quanto para clínicas. A Federação Nacional de Aborto (NAF) dos EUA tem monitorado casos de violência contra os estabelecimentos e suas frequentadoras desde 1977. Os números incluem oito assassinatos, 17 tentativas de assassinato, 42 atentados e 181 incêndios, além de casos de sequestro, perseguição, ataques com ácido, piquetes, obstrução e intimidação.

Mas, recentemente, a própria Suprema Corte derrubou uma lei que mantinha “zonas de isolamento” em volta das clínicas – áreas limitadas por linhas ou cercas para que pacientes pudessem circular sem ter que passar em meio a manifestações. Arquitetos e entidades defensoras dos direitos de reprodução femininos defendem a existência dessas zonas como algo fundamental para a proteção das pessoas envolvidas. E começam a pensar em soluções alternativas.

Hackear para garantir a segurança

A maioria das clínicas funciona em locais não pensados para proverem segurança plena a suas pacientes.

A boa notícia é que o design pode ocupar o espaço deixado pela legislação na garantia dos direitos das mulheres nos EUA. Quem defende isso é Lori Brown, arquiteta e professora da Faculdade de Arquitetura da Universidade Syracuse, em Nova York. Em seu livro “Contested Spaces: Abortion Clinics, Women’s Shelters and Hospitals”, ela conta como as clínicas enfrentam uma série de desafios enquanto projetos arquitetônicos. E como podem sair deles.

Brown visitou clínicas de todo o país e concluiu que muitas foram obrigadas a alugar ou comprar instalações não originalmente concebidas para procedimentos médicos. Ao contrário de construções como hospitais, sedes governamentais, tribunais e estádios, as clínicas de planejamento familiar não podem contar com a experiência da arquitetura que proporciona segurança pública – fluxos de entrada e saída, orientação espacial, controle de multidões.

Muitos desses locais recorrem a gambiarras para proteger suas pacientes dos manifestantes mais exaltados. Uma clínica utiliza sua fonte como uma espécie de cerca d’água. Outra toca música clássica em um volume alto para abafar os gritos de manifestantes. Outra ainda usa ventiladores industriais para fazer a mesma coisa. Houve até uma que plantou uma cerca viva em volta de sua calçada, mas foi obrigada a retirá-la a pedido da polícia – porque alguém poderia esconder uma bomba nela.

Arquitetura em ação

Se as mulheres não podem sempre contar com uma legislação para garantir seus direitos, elas poderiam contar com os arquitetos? Uma característica da arquitetura é estar alinhada com temas políticos. Nos Estados Unidos, o grupo “Architects/Designers/Planners for Social Responsibility” foi fundado na década de 1980 para combater a proliferação nuclear e tem, nos últimos anos, lutado contra o design das prisões.

Brown acredita que é a hora da comunidade de arquitetura se tornar ainda mais engajada politicamente. Para ela, é importante que haja discussão entre a liberdade de expressão (a de protestar contra o aborto) e a liberdade de reprodução (a de interromper a gravidez), desde que sem violência.

A legislação deixa brechas que podem ser ocupadas pela arquitetura na garantia de segurança para que mulheres exerçam seus direitos sexuais e reprodutivos.

[tab:END]

Via Fast Company.