Reco-reco no meu rock: ser DJ em Londres

Há quem diga que o Brasil é terra dos mais diversos devaneios musicais. O motivo é apenas um: a mistura de etnias. Já o resultado vai muito além de uma coisa só, desenvolvendo-se no cavaquinho a partir de influências ibéricas, no pandeiro de origem árabe, no chocalho indígena, na batucada africana e nos instrumentos de sopro de herança europeia.

Diante das variadas sonoridades que o ouvido brasileiro recebe por tabela, o que aconteceria se esse mesmo indivíduo transformasse tudo em voz ativa pelo resto do mundo? Conheça os DJs Limão e Moishe, tupiniquins inquietos que, com seus ouvidos abertos, resolveram abrasileirar Londres.

Ser DJ, brasileiro, autêntico, competente  e viver da música em Londres

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Moises Matzenbacher, o Moishe, foi influenciado pelos discos de New Age de sua mãe e posteriormente pelo funk, jazz, hip-hop, trip hop, dub e jungle.

Antes de pisar em terras britânicas, os dois já haviam experimentado sua musicalidade por Terras Brasilis. Moishe em Caxias do Sul, Limão em São Paulo. O primeiro se expressando através da bateria, sonoplastia, direção musical e sound design, e o segundo, a partir do trompete, da mixagem de bandas, aluguel de equipamentos e, ainda, do bom e velho jeito de fazer som: tocando em bandas e mais bandas e mais bandas.

Há mais de cinco anos em Londres, os dois somaram gigs (expressão usada para “festa”) e hoje Limão assume a posição de head of music (direção musical) do Guanabara – maior casa noturna brasileira fora do Brasil no mundo -, enquanto Moisés também se tornou DJ residente do espaço. Moram no mesmo endereço, em Stoke Newington, onde produzem e ensaiam, juntos ou separados, quando querem ou bem entendem. Para chegar aqui, repetiram muito a função de “toca-discos” e ainda de bar staff, no caso de Moishe.

Quando o assunto é tocar, Limão, o paulista, aponta o Barrio North em Angel por conta da energia que o lugar e as pessoas transmitem e ainda cita a EGG quando sua vontade é tocar música eletrônica autêntica. Moishe, o gaúcho, também elege suas casas preferidas por diferentes motivos, como o Cafe 1001, em Brick Lane, por proporcionar liberdade musical, e Ronnie Scott’s, pela fantasia de tocar num lugar com tradição no jazz.

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Fábio Favalli, o Limão, cresceu nos bailinhos dos anos 1980 já tocando o Euro-House.

Na profissão de DJ, aprenderam uma lição: existem situações em que é possível tocar o que você curte tocar e outras em que você deve tocar o que querem que você toque. “Aprendi a diferenciar quando estou propondo um tema ou prestando um serviço” conta Moises. Limão endossa: “Tem gente que te contrata pelo seu setlist, porque conhece seu som e quer aquela vibe. Tem gente que tem uma casa de estilo definido e você tem que seguir aquilo. E tem gente que contrata DJ para animar o público. Trabalho muito nos três formatos”.

Música brasileira para inglês ver

Moisés reconhece a receptividade dos ingleses em relação à música brasileira pelo fato dela ser alegre, com ritmo contagiante e sofisticação tropical. “Dos standards da Bossa Nova ao Jazz-funk de Azymuth. O drum&bass de DJ Marky & Patife, o Baile Funk ou Indie, sempre figuraram em alguma tenda da cena londrina”.

Apesar da forte presença da música brasileira na cidade da rainha, como aponta o gaúcho, atenta ainda, o paulista, para uma questão universal quanto à receptividade de diferentes sonoridades: “O nível musical acompanha o interesse do ouvinte”.

Porém os interesses também são influenciados por aquilo que deu início a esse texto: a própria cultura. “Para mim são nos restaurantes étnicos que se ouve a mais autêntica música local”, comenta Limão. “Todo imigrante traz consigo suas ideologias, culinária, costumes, religião e música. Ritmos como Reggae, Cumbia, Balkan, Reggaeton, Afrobeats, Punjabi, Bollywood, Kizomba se propagam nos guettos, projetando-se no inconsciente da cidade” completa Moishe.

A Sopa, a Pipa e o fim do download gratuito

Na opinião dos DJs, a importância da internet na disseminação da música independente é indiscutível. Para Moisés, “a internet ampliou o campo de exposição de bandas e selos que eram engolidos pelas produtoras, criando um mercado alternativo possível. A internet é uma ótima ferramenta para o artista divulgar suas impressões digitais.”

Limão acredita que o compartilhamento de arquivos nunca vai acabar: “Não tem lei que vai me impedir de pegar um pen drive e passar músicas para as pessoas, ou pegar músicas das pessoas.”

Se São Paulo é a terra da garoa e Londres é a terra da neblina, então a internet é a terra dos bons ventos em que o tempo ruim virá apenas se tais leis forem aprovadas.