No Pará, crianças são alfabetizadas com palavras do seu cotidiano

Em vez de aprenderem "Z de zebra", animal com o qual não têm contato, as crianças são alfabetizadas com palavras de sua realidade: "Z de zangão"

Por que não iniciar o processo de alfabetização de uma criança usando palavras e objetos que se conectem com a sua realidade? Foi exatamente isso o que aconteceu em Mondongo, uma pequena comunidade de várzea nos arredores do Rio Amazonas, no Pará.

Lá, em vez de aprenderem o “Z” de zebra, animal que só ouviram falar por meio de ilustrações dos livros didáticos, as crianças são apresentadas à letra como “Z” de zangão. Da mesma maneira, o “Q” de queijo virou “Q” de quiabo, e o “M” de maçã virou “M” de marajá (uma frutinha típica da região).

A iniciativa de criar um novo método de alfabetização para apresentar o alfabeto às crianças da comunidade partiu da pesquisadora e artista plástica Marie Ange Bordas, coordenadora do projeto Tecendo Saberes.

Com o envolvimento de crianças e professores da região, juntos, eles enumeraram, desenharam e fotografaram objetos, animais, frutas e outros elementos presentes e abundantes na vida de lá para criar um alfabeto “tropicalizado”.

“Não fazia sentido um lugar como Mondongo, de clima equatorial, no Baixo Amazonas, e tão rico em elementos, usar palavras importadas das grandes cidades”, observou Marie.

A sensibilidade da iniciativa de criar um alfabeto próprio não passou despercebida. Muito pelo contrário: acabou sendo adotada por outras comunidades do Baixo Amazonas.

Crianças indígenas em uma comunidade quilombola
Créditos: divulgação
Crianças indígenas em uma comunidade quilombola

“O problema do ensino nestes lugares é que quase todo o material didático é produzido em cidades do Sudeste, onde a realidade é completamente diferente”, disse João Neto, secretário de Educação de Óbidos (PA), município onde estão localizadas quatro das comunidades com as quais o projeto Tecendo Saberes teve contato.

“Os moradores sentem-se valorizados ao encontrar referências de seu cotidiano nos livros.”, completou.

Na visão de João Neto, não se tratou de uma simples pesquisa, pois houve o cuidado em se integrar à vida local e compartilhar olhares.

“Marie Ange Bordas criou um diálogo com as crianças da região e as incentivou a contarem a própria história. Ela deu voz à criança e ao jovem, fazendo-o pensar e refletir sobre a riqueza da sua comunidade.”, afirma.