E o afeto se fez dos encontros na cozinha durante a Quarentena

o ato de cozinhar voltou a ser encorajado por um estilo de vida mais saudável.

Na cozinha, de repente, teve gente se esbarrando e fazia um bom tempo que não encontravam. Fato relevante deste encontro: eram mãe e filho e moravam no mesma casa há 23 anos.

Morar junto não é se encontrar. Muitas vezes, precisamos ter algum motivo e a mesa sempre foi um bom motivo. A vida moderna nos proporcionou celulares “bacanudos”, quase um computador na palma da nossa mão, mas também trouxe isolamentos do tipo “cada um no seu quadrado”. O resultado disso? Filho que costumava chegar em casa, depois do trabalho, pegava o prato da “véia” e ia comer no seu quarto ou no sofá, sempre de  frente para a TV ou da telinha do seu celular mesmo, para ver o episódio da série “deliciosa” que tanto prende sua atenção. Lá estava ele, com seu “prato de afeto” e enamorado por uma tela, esquecendo de tudo e de todos ao seu redor.

O ato de comer deixou o de ser de se alimentar. E não só de comida, mas se alimentar das histórias do dia em volta da mesa, das lembranças e tudo que existe quando estamos juntos

O ato de comer deixou o de ser de se alimentar. E não só de comida, mas se alimentar das histórias do dia em volta da mesa, das lembranças e tudo que existe quando estamos juntos, olhando um no olho do outro, sem as telas para nos distrair. Acho que esse velho, porém delicioso hábito, ficou para alguns lares, algo como um comercial de TV.

Então, como em um evento surpresa onde aparece um grande fato, o ato de cozinhar voltou a ser encorajado por um estilo de vida mais saudável. Inúmeros programas reuniram cozinheiros enlouquecidos, disputando para ver quem prepara o prato mais saboroso. Nossos amigos cozinheiros, que de fato são nossos influenciadores surgiram com dicas de como cozinhar em casa, por ser mais saudável e econômico.

Mas, ainda estávamos com um desafio: o de conectar aquele menino, de 23 anos e hiperconectado, ao hábito de se alimentar com a família, de comer e sentir o prazer do tempero e do cheiro da comida. Precisou de uma quarentena para que isso finalmente acontecesse, para conectar esse menino com aquela mãe que estava sempre ali cozinhando antes de ele chegar. Conectar ao pai que bate o ovo para o omelete ficar pronto.

Quando deixamos de nos ver, para de fato enxergar, nos enxergamos e percebemos o outro cozinhar, abrindo a lata de milho e procurar o que fazer. E lá vai um bolo de milho para, de tarde, servir com o café. E ele não veio comprado, foi a mãe que fez :)))

Assistir este cozinhar foi revelador.

Família Canatella um dia antes de se separarem para Quarentena, filhos cozinham para jantar de aniversário do pai
Créditos: Alexandre Canatella
Família Canatella um dia antes de se separarem para Quarentena, filhos cozinham para jantar de aniversário do pai

Isto proporcionou que os novos diálogos dos lares permitissem que alguns passassem a saber que a tapioca que come de manhã, vem da mandioca, e que o passo seguinte é que a mandioca não vem pronta e descascada, ela “ dá enterrada”, como costumamos dizer. Aí, descobre que Tapioca vem da mandioca e, pronto, fica maravilhado! E, assim, vamos ganhando a proporção do alimento

Mesmo neste drama todo a quarentena, trouxe ao menos esta possibilidade de reencontro!! Parece evidente, mas a conveniência pode nos desconectar desta realidade sobre o impacto do alimento em si, antes de ser preparado. Ainda enquanto é insumo. Ainda quando é um tubérculo. Um ingrediente.

Precisa de afeto. E afeto é um sentimento que não está faltando em volta da mesa na quarentena, pois todos retomaram o sabor de cozinhar e suas referência tenras das infâncias. Da mãe isolada, da avó em outra cidade e nos dá um toque da receita por “zap” e daqueles que se foram e ainda vivem em nossa lembrança dos aromas e cheiros. E então, é o afeto. Aquele que, de novo, nos reuniu em volta da mesa.

“Toda existência humana decorre do binômio Estômago e Sexo. A Fome e o Amor governam o mundo”, afirmava Friedrich Schiller como nos contou Câmara Cascudo em sua obra 1História da alimentação’.

E então, há quem diga que depois da quarentena teremos muitas grávidas e filhos.

Eu invisto que teremos muitos cozinheiros novos e permanentes. Algo definitivamente mudará nos lares. Nos afetos à mesa. E no reconhecimento de nossa responsabilidade com o alimento.

Pode passar a farofa de banana para mim por favor?

Em parceria com Alexandre Canatella

Alexandre Canatella é CEO e co-fundador de CyberCook. Empreendedor da indústria digital desde 1997, apontado pela revista Proxxima como uma das figuras pioneiras da Internet brasileira e considerado um dos pais das Startups no Brasil pela revista “Época Negócios”. Após o Grupo Carrefour adquirir em 2018, a operação adicionou a função de Diretor de Negócios Digitais no Carrefour Brasil.

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