Tartarugas no Ceará: retratos do desequilíbrio ambiental

Por: Catraca Livre

Há algum tempo tenho me desafiado a conhecer meu país. Resolvi dar essa chance de deixá-lo me surpreender e claro, foi certeiro! Fiz viagens que tiraram meu fôlego e despertaram meus sentidos de diversas formas.

A Amazônia foi sem dúvida uma das viagens mais lindas que já fiz na vida e há duas semanas surgiu a oportunidade de visitar o Ceará. Decidimos ir até a praia de Flecheiras, a 130 km de Fortaleza e de lá ir subindo de carro até a praia de Icaraí de Amontada, mais 93 km dali.

As praias do Ceará são realmente maravilhosas, mar azul, grandes extensões de areia que vão se transformando em dunas, muito sol, nenhuma nuvem no céu, aquela brisa constante que deixa a temperatura sempre agradável e grandes parques de energia eólica transformam um visual realmente lindo!

 

Fomos percorrendo alguns trechos pela praia de carro, quilômetros e quilômetros de praia deserta, alguns vilarejos de pescadores, jangadas. Foi impossível deixar de notar cada detalhe daquele momento, mas um deles não era tão incrível quanto os outros. Na verdade não era um detalhe, era uma realidade gritando ali aos nossos olhos: o lixo.

 
 

Eu já havia visto praias sujas e cheias de lixo, isso não é uma exclusividade do Brasil. Paraísos como Indonésia e Tailândia sofrem com o mesmo mal e muitos outros lugares do mundo provavelmente também.

O que eu realmente nunca havia visto era o que surgiu na nossa frente e causou um momento de choque e indignação: uma tartaruga GIGANTE –em caixa alta– estava ali, morta, no meio da praia. Foi como uma miragem aparecendo em frente ao carro, algo muito grande, uma triste realidade. Paramos. Era impossível passar ali e seguir viagem como se não tivéssemos notado. Ela estava inchada, talvez recentemente morta. Ficamos ali alguns minutos, tiramos fotos na tentativa de registrar aquilo e passar para alguém que depois poderia ajudar, filmamos e seguimos viagem, pensando que um animal como aquele poderia ter de 100 a 200 anos.

 

Cinco minutos depois (exatos cinco minutos) paramos novamente: outra.

 

Mais fotos, mais videos, mais indignação. Seguimos viagem, encontramos um saco grande cheio de isopor boiando no mar: paramos, recolhemos, colocamos no carro. Adoraríamos poder recolher todo aquele lixo da praia, mas era impossível. Cruzamos a balsa antes da praia Baleia. Dunas, lagoas de água cristalina. Ali perguntei ao senhor da balsa o que acontecia, o porquê de tantas tartarugas mortas. Ele me respondeu com aquela naturalidade “Ah, é normal. Elas comem as sacolas plásticas e morrem, você ainda vai ver um monte por aí. O pessoal da vila usa o casco para fazer artesanato.”

 

E não foi diferente, a 5 minutos da balsa: outra. GIGANTE. Enrolada numa corda azul com o casco ralado, provavelmente pela forca que tentou fazer para se livrar daquilo que a fez morrer.

 

Dali para frente, foram mais 4 tartarugas, um pouco menores e pela extensão TODA de praia havia muito, muito lixo. Lixos de todos os tipos: lâmpadas, uma quantidade absurda de garrafas plásticas, sacos plásticos, chinelos havaianas, embalagens de shampoo, cosméticos, redes de pescador, sacos de isopor. Havia também destroços de um carro ali, convivendo tranquilamente entre as jangadas dos pescadores.

 

Enquanto muitos pensamentos tomavam conta da nossa cabeça, tentávamos entender que ocorria ali. De onde vem esse lixo? Porque ele não era recohido? Qual o argumento da prefeitura desses municípios?

A vontade de fazer algo para ajudar e ao mesmo tempo a sensação de frustração diante de um problema imenso e difícil de resolver. Conversamos com algumas pessoas, donos de pousadas e aquele lixo convive ali com moradores e turistas há anos já de uma forma muito natural. E a naturalidade acomoda as pessoas, de forma que elas se acostumam a viverem meio a uma situação que, aos meus olhos, é desesperadora! Segundo a dona de uma das pousadas de Icaraí de Amontada, algumas vezes acontecem festas e logo depois ocorrem mutirões para recolher o lixo, porém deixam as sacolas ali na praia, esperando por uma coleta que nunca acontece. E esse lixo volta para o mar.

 
 

Entrei em contato com diversas pessoas, ONG’s, biólogos do Tamar de várias regiões do Brasil. A falta de recursos impede o Tamar de atuar numa área mais ampla, outras ONG’s dizem não ter autorização do governo para atuar com tartarugas, apenas outros tipos de animais como botos e baleias, que também morrem na área. Diversos eventos de mutirões de coleta de lixo ocorrem na área, mas nada com incentivo do governo e a coleta desse lixo também não é feita.

 
 

No Dia Mundial da Limpeza das praias –21 de Setembro-– venho plantar minha semente e deixo aqui o meu apelo: por um mundo com menos consumo, menos descarte, mais compreensão dos recursos naturais, compreensão do mundo à nossa volta. Mais entendimento de como seu consumo afeta diretamente a vida do planeta. Não falta informação, falta conscientização, mudança de comportamento.

O mar chora. Os rios sofrem com a seca. As tartarugas ali mortas são apenas a pontinha de um desequilíbrio que atinge proporções que vão além da nossa compreensão. O lixo criado por nós viaja, navega pelos lugares mais remotos do mundo. Da bituca do cigarro, à garrafa plástica, à embalagem de chiclete.

Neste final de semana, acontecerão alguns eventos para limpeza das praias. Dê sua contribuição.

Praias do litoral de São Paulo:
https://www.facebook.com/events/711367955621092/

Ilha Bela (SP)
https://www.facebook.com/pages/Dia-Mundial-de-Limpeza-de-Rios-e-Praias-ILHABELA/571992399595928

João Pessoa (PB)
https://www.facebook.com/events/626144690839441/

Bombinhas (SC)
https://www.facebook.com/events/346548992187270/

Dúvidas, idéias, sugestões, entrem em contato em: faleparabruna@gmail.com

Fotos: Bruna Toledo e Mathias Lessmann