A Bolsa Família 2.0

É consenso que esses programas, se não oferecerem autonomia, serão uma esmola oficial

Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) investigaram por que jovens se mantinham longe das drogas, apesar de cercados de traficantes por todos os lados. Compararam-se usuários e não usuários das mesmas comunidades, todas marcadas pela violência e pela pobreza. Resultado: a combinação de laços familiares sólidos, informações sobre o risco da dependência e religião (qualquer crença) apareceu fortemente associada aos que não se envolviam, ou pelo menos sem abusos, com drogas. É como se fosse uma vacina.

Um levantamento ainda em fase de elaboração, também pela mesma universidade, agora com jovens de classe média e alta, está chegando a conclusões semelhantes. Pais que ajudam os filhos a desenvolver a autoestima e projetos de vida podem dormir menos intranquilos.

Na semana passada, uma pequena cidade chamada Cajuru, no interior de São Paulo, ao se tornar uma das campeãs brasileiras de qualidade de ensino mostrou como funciona essa vacina dentro das escolas.

O que está por trás dos jovens que evitam drogas, bebidas e conseguem colocar uma pequena cidade no topo da educação brasileira é a Bolsa Família 2.0. Vai muito além do programa de distribuição de recursos, cuja autoria é disputada pelos candidatos presidenciais.

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Com apenas 20 mil habitantes, Cajuru desenvolve um esforço para envolver os pais na vida acadêmica dos filhos, promovendo festas, sessões de cinema e teatro, além de feiras pedagógicas. Há funcionários na prefeitura especialmente encarregados de acompanhar as faltas e as notas dos alunos. Visitam as famílias para encontrar soluções. Se não funcionam, aciona-se a Justiça.

Não é novidade o que acontece em Cajuru. Comunidades com boas redes de relacionamento geram um senso de pertencimento e responsabilidade coletiva, aliás, um dos efeitos das religiões, como mostrou a investigação da Unifesp, é produzir exatamente o sentido de pertencimento em contraposição à sensação de marginalidade. É o que se chama de capital social.

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Em cidades menores, professores têm parentes ou filhos de seus amigos entre seus alunos. Frequentam os mesmos espaços da cidade. É o que se nota em pequenas cidades de Minas Gerais que também ficaram no topo da lista de qualidade de ensino, divulgada dias atrás.

Na semana passada, constatou-se o efeito Cajuru em São Paulo. Uma escola (Rita Pinto de Araújo) localizada numa região pobre e violenta atingiu o primeiro lugar entre os estabelecimentos da rede pública, ultrapassando muitas das escolas particulares. Ultrapassou, com larga distância, a Escola de Aplicação instalada dentro da USP. Novamente, o que se percebeu, além, claro, de um bom trabalho em sala de aula, é um excepcional envolvimento das famílias e da comunidade.

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Há um consenso de que a Bolsa Família, cuja autoria é tão disputada pelos candidatos José Serra e Dilma Rousseff (ambos com uma parte da razão, diga-se), reduziu a miséria. É um investimento muito mais barato e eficiente do que os aumentos de salário mínimo que geram contas bilionárias para os cofres públicos, devido às despesas previdenciárias.

Mas também é consenso que esses programas, se não ajudarem a oferecer autonomia, serão sempre uma esmola oficial. Daí, mais um consenso, é que a autonomia é dependente de bom ensino.

O que não é consenso mas vai ser é o efeito Cajuru. São as ações coordenadas para fortalecer o capital social, a começar da família.

PS- Coloquei neste link a pesquisa comparando usuários e não usuários de drogas, realizada pela Unifesp. Mais uma daquelas leituras obrigatórias para quem está preocupado em reduzir a violência e a marginalidade.

Leia a coluna completa no jornal Folha de S.Paulo