Alexandre Orion “pinta” em muros e telas utilizando a fuligem dos carros

Ele já tem uma exposição marcada em Paris e convites de outras galerias europeias e dos EUA; intenção é criticar o modo de vida paulistano

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Caveras desenhadas por  Alexandre Orion
Caveras desenhadas por Alexandre Orion

A poluição de São Paulo deverá ser exibida em museus e galerias ao redor do mundo. A fuligem produzida por veículos na cidade vem sendo utilizada pelo artista plástico Alexandre Orion, 30, para pintar telas.
Além de uma exposição já marcada para setembro, em Paris, ele recebeu convites de galerias suíças, inglesas e norte-americanas.

O projeto começou em 2006, quando Orion realizou a primeira de sete intervenções urbanas -chamadas de Ossário- em túneis da capital paulista. Na ocasião, o artista desenhou uma série de crânios ao longo do túnel Max Feffer (zona oeste) usando o grafite reverso.

A técnica teve como um de seus precursores o britânico Paul Curtis. Em 1999, em Leeds (Inglaterra), Curtis começou a limpar a sujeira de muros para desenhar. Com isso, cria-se uma imagem de modo reverso ao do grafite tradicional.

Munido de pano e água, Orion retirou a sujeira acumulada nas paredes do túnel para formar as imagens da intervenção. Ele deixou a água escura restante da “limpeza” evaporar e, com o pó preto que sobrou, misturado a uma base acrílica, obteve sua “tinta de fuligem”.

Quando a matéria-prima da tinta se esgotava, nova intervenção era realizada em outro túnel sujo da cidade.

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Orion desnaha na fuligem de túnel em São Paulo
Orion desnaha na fuligem de túnel em São Paulo

Segundo Orion, seu trabalho era facilitado pela falta de manutenção. “O túnel Ayrton Senna nunca havia sido limpo, era preto, preto, preto de fuligem”, diz. A Secretaria das Subprefeituras de São Paulo afirma que a manutenção acontece mensalmente.

Ao todo, o artista já concluiu oito telas feitas a partir da fuligem recolhida, retratando automóveis em cenas cotidianas. Uma das séries documenta o ciclo de vida útil de um carro. Outra estabelece paralelos entre partes do corpo humano e partes do automóvel.

A ideia é expressar, segundo Orion, que o modo de vida escolhido pelo paulistano, aparentemente confortável, é falso e prejudicial à cidade. “Se a princípio as pinturas parecem inofensivas, na verdade elas contêm uma provocação em sua técnica: o fato de terem sido feitas com poluição”, diz ele.

Passagem do tempo
O designer gráfico Bruno Siqueira, 25, é outro que pratica o grafite reverso em São Paulo. Ele conheceu a técnica observando a obra de Paul Curtis e a adaptou para desenvolver seu projeto “des-“.

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Matéria-prima do desenho é fuligem
Matéria-prima do desenho é fuligem

As intervenções de Siqueira ocorreram em vários pontos. Os bairros de Pinheiros e Vila Madalena, a marginal Tietê e até uma casa abandonada em Santos foram alguns alvos. O artista “limpa” muros, túneis, placas e calçadas. “As camadas vão se sobrepondo com o tempo. Meu trabalho consiste em retirar uma dessas camadas.”

A ideia é discutir a relação do ser humano com a cidade e a passagem do tempo. “As intervenções que utilizam a técnica geralmente são efêmeras; é uma forma que achei de dialogar sobre o tempo na cidade.”

José Orenstein
Pedro Andrada
Folha de S.Paulo