Como é ser filho de uma feminista

Acho que tem uma história que não pode ser esquecida. Hoje, provavelmente, a mídia já está seguindo o próximo furo. Mas todos ficamos chocados com o que o Brock Allen Turner fez: o estupro de uma menina embriagada. E ainda mais chocados com o juiz que abrandou a pena para que a vida dele não fosse destruída. Não a dela.

Ainda não entendo como vivemos em um mundo onde os homens acham que as mulheres são inferiores — sujeitas às suas vontades.

Quanto mais li à respeito nos jornais, mais pensei sobre a minha criação. Como pode Brock e eu sermos tão diferentes? Quero dizer, ele me parece um cara esperto. Em que momento ele achou que era ok estuprar alguém? Que tipo de influência ele recebeu quando era uma criança e adolescente?

Mãe e filho na praia

Minha história não é especial. A da minha mãe é. Mas acho que crescendo sob a influência de uma mulher forte, acredito que me tornei um homem melhor. Então como cresci? O que foi tão diferente?

Soube o que era a menstruação antes das minhas amigas mulheres. Eu provavelmente sabia o que era o aborto antes mesmo de saber o que era sexo. Tinha plena consciência do que era a violência doméstica — todos os tipos de violência na verdade — e a necessidade dos direitos das mulheres. Tenho quase certeza que sabia quase todas as doenças sexualmente transmissíveis quando ainda tinha seis anos! A questão é: como ter sido exposto à essa informação me formou como homem?

Não é que a minha mãe me forçou a aprender sobre esses assuntos — ela não precisou — bastava andar pela minha casa e encontrar centenas de panfletos. Eu lembro de ter encontrado um sobre violência doméstica e perguntar à minha mãe o que era aquilo. Ela disse que tinha ido à um encontro onde uma mulher tinha sido atacada por seu marido com água fervente — ela carregaria cicatrizes para o resto da vida.

“Como pode um homem machucar a sua esposa dessa forma? A pessoa que ele ama?” Eu me perguntava. No decorrer dos anos eu fui tomando conhecimento de várias histórias amendrontadoras e do porquê que essa luta jamais irá acabar.

Ela lutava por todas as mulheres

Minha mãe não para quieta. Ela trabalhou em todos os estados do Brasil e em todos os países da América do Sul e se o assunto fosse “Direitos da Mulher”, ela estava lá. Então não é nenhuma surpresa que ela fez parte do CEDIM (Conselho Estadual dos Direitos da Mulher).

Lembro uma vez que ela mencionou um encontro que teve com prostitutas, onde estava ensinando-as sobre as doenças sexualmente transmissíveis, como se proteger e dos seus direitos. Ela queria ter certeza que essas mulheres não seriam abusadas. Na verdade ela tinha interesse em todas as mulheres. Mulheres negras? Mulheres indígenas? Mulheres pobres? Mulheres homossexuais? Ela lutava por elas.

Antes dos 10 anos de idade eu já tinha ido a inúmeras passeatas pacíficas no centro do Rio de Janeiro para carregar bandeiras e lutar ao lado da minha mãe e centenas de outras mulheres. Foi intenso; foi emotivo; foi necessário.

Ela foi à China por um mês para participar da Quarta Conferência Internacional das Mulheres (Organização das Nações Unidas) em Beijing em 1995. Foi entrevistada por Jô Soares e Hebe Camargo ao vivo para milhões de espectadores. Ela fez tudo que podia.

Ela sustentava a família

Você pode pensar que esse é um detalhe bobo, mas estamos falando dos anos 80 no Brasil. A mensagem importante que foi passada para mim foi de que na minha casa os papéis estavam invertidos, mas sinceramente, o que eu realmente aprendi foi que na verdade não existem papéis.

O fato de que ela ganhava mais que o meu pai nunca alterou a dinâmica da nossa casa, ela não tomava as decisões sozinha, todos tomávamos, em família. Meu pai não era um “dono de casa”, mas esse cenário em particular permitiu que ele buscasse os seus sonhos — ele foi um marceneiro por quase 10 anos e se formou em Artes Plásticas quase com 50 anos de idade.

Cresci com uma família diversa e acolhedora

Apesar de eu estar falando de mulheres e seus direitos, vale lembrar que todos os “direitos” só funcionam se integrados, juntos.

Meu pai era comunista e foi à Russia quando tinha 19 anos para estudar socialismo por um ano. Não se esqueça que isso foi em 1968 quando o Brasil estava sob uma ditadura horrorosa onde você poderia ir preso, torturado e morto, por espirrar muito alto.

Meu avô era neto de escravos que vieram da África. A maioria da minha família é negra e eu e meu irmão éramos carinhosamente chamados de “macacos brancos” pois éramos os “diferentes”.

Tem homossexuais homens e mulheres na minha família, assim como parentes ricos e pobres. Mães solteiras, tios envolvidos com tráfico de drogas e tios trabalhando com crianças dependentes de drogas. Ateus e super religiosos. Eu sei que a minha família não é excepcional e que existem muitas famílias com tanta diversidade como a minha, o que é ótimo.

A questão é que essa mistura toda me tornou quem sou hoje. Como poderia ser intolerante? Ou ter preconceito contra uma clásse específica? Como poderia ser racista? Misógino? Homofóbico? Eu teria que me voltar contra a minha própria família e isso não vai acontecer nunca.

O homem que me tornei

Aprendi desde bem pequeno o quanto as mulheres são preciosas. Que eu deveria tomar conta delas e as tratar com muito respeito, não porque elas são fracas, mas porque somos iguais. Aprendi a nunca usar o gênero como desculpa.

Meu pai me contava que grande parte do prazer de um homem vem de dar prazer as mulheres, e ele estava certíssimo! Sempre tenho muita consciência do que estou fazendo na cama. Se por alguma razão o sexo está sendo desconfortável para a minha esposa, nós paramos — qual o sentido de continuar se apenas uma pessoa está curtindo?

Sempre compartilhamos as tarefas da casa — isto é, não é o trabalho dela, é o nosso trabalho e a nossa casa. Posso não ser o melhor cozinheiro, mas eu tento, se bem que no final das contas, acabo lavando as louças! Um casamento é uma parceria; somos um time trabalhando juntos.

Tenho muito orgulho de que a maioria das minhas amigas mulheres realizaram muitas coisas em suas vidas. Eu aprendi que o sucesso delas deve ser celebrado e não temido. Tenho 100% de certeza que elas trabalham duro como qualquer homem e devem ser recompensadas igualmente.

É engraçado que ao escrever isso eu me sinto um pouco idiota, como se estivesse declarando o óbvio. E gostaria que isso fosse verdade, mas não é. Então como podemos mudar isso? Como podemos viver em um mundo onde isso é óbvio para todos?

Acredito que estamos evoluindo e o que número de pessoas como a minha mãe está apenas aumentando. As mulheres não estão mais aceitando as coisas como elas eram, elas estão lutando todos os dias e ganhando várias batalhas. Elas não se calam e vão continuar gritando até que todos entendam as suas dificuldades.

Entretanto, a razão de eu decidir escrever esse texto foi por causa do recente caso do estupro na Universidade de Stanford. Fiquei me perguntando várias vezes: o que o Brock Allen Turner teria feito se ele tivesse sido educado por uma feminista?

A resposta é: ter certeza que a menina estava bem.

Ele não teria destruído a vida de uma menina e consequentemente a sua própria, pois atacar uma pessoa embriagada jamais teria passado pela sua cabeça. Ele não a teria seguido, mas garantiria haver alguém para levá-la à sua casa.

Teria ficado bem preocupado quando viu que ela estava muito bêbada. Não teria continuado a curtir a festa, pois saberia que ela era uma presa fácil e que deveria ficar de olho nela pra ter certeza que ninguém iria assediá-la.

Teria perguntado à todos se alguém a conhecia. Só ficaria bem quando soubesse que ela estava bem.

Mas ele não foi educado por uma feminista e todos sabemos o que aconteceu.

Pra ser sincero, sou muito sortudo de ter amigos homens que pensam da mesma forma que eu penso e suas mães não são feministas obstinadas. Eles provavelmente não foram expostos aos materiais sobre direitos das mulheres que eu fui, mas isso não significa que eles não aprenderam sobre o assunto.

O que houve de errado com o Brock — e todos os estupradores — e como podemos resolver esse problema? Acredito que toda a atenção da mídia com o caso está trazendo mais conscientização sobre o tema. O que você deve fazer é ler tudo que puder sobre essa questão e iniciar conversas sobre o assunto.

Não ignore. Essa não é uma luta das mulheres; é uma luta pela dignidade de todos nós.

Este artigo foi originalmente publicado no Thought Catalog em 14/07/2016