O sonho das bicicletas na Paulista

O fotógrafo João Quesado tem o sonho de fechar a Paulista e retratar apenas bicicletas tomando conta da avenida. Durante sua carreira se especializou em fotografar bikes e algumas dessas fotos podem ser conferidas abaixo, na Revista Catraca. Já a história de  sua vida está neste link.

Quesado sempre teve seu trabalho apoiado por Du Ribeiro também fotógrafo, especializado em publicidade e atende agências de São Paulo e outras capitais brasileiras. Seu campo de atuação está ligado às áreas de automóveis, aviões e veículos.

Fundador da ABRAFOTO – Associação Brasileira de Fotógrafos – Du está preparando um livro, no qual retrata os carros de Cuba.

Confira abaixo um pouco do trabalho de João Quesado o um texto sobre Du Ribeiro:

Revista Catraca – fotos  de João Quesado

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[tab:Fotos e texto de Du Ribeiro]

Em 1988 fui convidado, pelo governo Cubano, para fotografar os lugares mais belos do país, com a finalidade de incentivar o turismo naquela ilha do Caribe.

Trinta anos antes, em 1958, Cuba teve um papel importante na minha juventude cheia de idealismos, com as notícias da revolução e o mito dos revolucionários que libertaram o seu povo da ditadura de Fulgêncio Batista, considerado um marionete dos americanos.

Eu vinha, assim como muitos outros jovens brasileiros da classe média dessa época, de uma família pouco politizada e deslumbrada com o milagre americano do pós-guerra.

Com 16 anos de idade e com as notícias de como aquele pequeno número de rebeldes derrubou o ditador e nacionalizou a economia, comecei a me pelo que acontecia pelo mundo e a sonhar que era um povo comandar os seus próprios destinos.

Com a derrubada de Fulgêncio em 1958, caíram os cassinos, os bordéis e a subserviência aos estrangeiros. Em 1961 a ilha foi palco da frustrada tentativa da invasão americana na Baía dos Porcos e, novamente em 1962, com a ação da União Soviética ao instalar mísseis nucleares em Cuba formou-se o panorama de um dos maiores confrontos da época Guerra Fria, que colocou o mundo sob a ameaça de um terceiro conflito mundial, só   solucionado pelo tenso acordo diplomático entre Kennedy e Kruchev.

A ilha permaneceu desde então cercada pelo embargo econômico imposto pelos Estados Unidos e seus aliados, forçando os cubanos a estreitar mais suas  relações coma União Soviética e o bloco socialista que, até a sua dissolução, manteve o apoio econômico e o interesse estratégico no país.
Neste cenário, ao desembarcar em Havana em 1988, pude ver de perto como viviam os cubanos e me encantei com a alegria, a dignidade e o orgulho das pessoas com quem conversei nas ruas.

Fiquei impressionado com a quantidade de escolas onde estavam matriculadas todas as crianças do país que dispunham de um corpo docente bem capacitado, bibliotecas e laboratórios, além do serviço de medicina pública, que acabei precisando e sendo  atendido com toda presteza e profissionalismo, desde o taxi que me levou ao hospital até os remédios que me foram fornecidos sem custo algum.

Pude perceber também a reserva dos cubanos ao não quererem comentar nada sobre assuntos políticos, liberdade de expressão e de trabalho.
Observei filas de pessoas aguardando para retirar sua quota de determinados alimentos, constatando ser um país pobre, mas sem vestígios de miséria. Notei também o quanto era cruel os turistas poderem entrar em lojas exclusivas e adquirir em dólar o que os cubanos eram proibidos de consumir.
Também me impressionou a cena surrealista dos luxuosos carros americanos que haviam sidos deixados para trás há trinta anos, um dos ícones máximos do capitalismo que eles repudiaram, circulando às centenas pelas ruas de Havana, sendo usados totalmente fora de época e do contexto daquele espaço caribenho, atipicamente comunista.

Decidi então fotografar aqueles veículos como um tema irônico porque seria impossível, para um simpatizante da causa cubana, que tinha vivido no Brasil a alienação dos “anos dourados”, e que já era um fotógrafo especializado em automóveis, sair dali sem fazer um registro daquilo que era inédito e um dia iria desaparecer!

Foi um momento lúdico porque, ao mesmo tempo, eu estava resgatando imagens da minha infância em São Paulo onde, na década de 50, aqueles mesmos modelos de automóveis coloridos e brilhantes, eram o sonho de muitos adolescentes da minha geração que, como eu, imaginavam um dia poder possuir um veículo daqueles.

Assim, acabei me apropriando desses objetos, fotografando-os parados ou em movimento pela cidade de Havana, sob o olhar divertido e orgulhoso de seus donos que gentilmente se dispunham a colocá-los nos cenários que eu havia pré-escolhido.

Priorizei os ângulos baixos para marcar os carros com um certo grafismo nas suas caras, olhos, pestanas, bocas e rabos de peixe, que remontam as imagens dos cartunistas da época de Flash Gordon.

Seis anos depois, em 1994, voltei a Havana pensando em continuar esse trabalho, mas o cenário já era outro. O mundo havia passado por enormes transformações político econômicas e, junto com a queda do muro de Berlim em 1989 e o ocaso do comunismo com a dissolução da União Soviética em 1991, os russos interromperam a ajuda econômica ao governo cubano e o país passou a sofrer mais ainda com a falta de recursos.

Tudo estava mudado, a cidade de Havana passava por apagões de energia, havia um pesado racionamento de alimentos e de combustível, os turistas eram abordados nas ruas por jovens que lhes pediam as roupas do corpo e, os poucos carros que andavam pela cidade devido a falta de combustível, já estavam bastante deteriorados.

Depois de fazer uma nova série de fotos dentro do tema do projeto descobri que, naquele exato momento histórico, muitas pessoas desesperançadas se atiravam ao mar durante a noite, em toscas balsas feitas de restos de caixotes, móveis e câmaras de ar, tripuladas por homens sem nenhum conhecimento de navegação, que levavam a bordo suas famílias, imaginando serem resgatados em alto mar por barcos que iriam levá-los para uma vida supostamente melhor.

Durante a noite, sem luz nenhuma para não serem descobertos e na frente de seus familiares silenciosos que haviam ido se despedir na beira da praia, vi alguns naufragarem antes mesmo de ultrapassar a arrebentação, tal a fragilidade dessas pequenas balsas.


Naqueles dias dezenas morreram e desapareceram no mar, nessa aventura desesperada.  Poderia ter aí ter realizado um trabalho de cunho jornalístico, captando e explorando aquelas cenas dramáticas, mas me senti um intruso, sem o direito de invadir a vida daquelas pessoas.

Decidi assim fazer um trabalho paralelo durante o dia, fotografando em preto e branco o que eu ia encontrando: restos de uma Havana abandonada e deteriorada, com suas fachadas, pórticos, frontões, escadarias e becos destruídos pelo tempo e pela falta de recursos causado pela situação econômica em que se encontrava o país, ignorado pela comunidade mundial.

Neste ano de 2009 comemora-se o  cinquentenário da Revolução Cubana e, com a saída de cena de Fidel e a nova conjuntura americana, Cuba certamente entrará em uma nova fase.

Agora, pela terceira vez depois de 20 anos, voltarei para finalizar esse projeto, fotografando mais uma vez o que resta   desses automóveis no cenário atual, tornando indelével um testemunho fotográfico desse universo de veículos que ficaram reclusos numa realidade única no planeta, e que continuam vivos com suas cores alegres e saturadas, agora já enrugados e amassados pelo tempo e pela vida que tiveram, resistindo há dezenas de anos, apesar de todas as adversidades das vidas de seus ocupantes.

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Por Redação