Georgia Gabriela, a jovem cientista que brilha em Stanford
Ela desenvolveu um método rápido e barato para diagnosticar a endometriose, o que lhe rendeu reconhecimento em Harvard
Aos 21 anos, Georgia Gabriela da Silva Sampaio driblou as dificuldades sociais e econômicas e foi a primeira de sua família a entrar numa universidade. A jovem de Feira de Santana (BA) buscou por bolsas de estudo, estudou inglês sozinha e chegou a ser selecionada em nove (isso mesmo, NOVE!) instituições norte-americanas das mais conceituadas. Além disso, ganhou destaque em Harvard por conta de sua pesquisa sobre endometriose.
Hoje, aluna de Stanford, na Califórnia, ela mostra que receber vários “nãos” no passado não diminuiu o fôlego para conquistar seus sonhos. Georgia explica que a chave para tudo isso foi o incentivo à educação dentro de casa. “Meus pais sempre me motivaram a buscar e manter bolsas de estudo, e a minha mãe sempre me incentivou a ser uma boa aluna”, disse ao Catraca Livre.
Filha de uma cabeleireira e de um comerciante, os pais priorizavam o ensino de qualidade. Sua mãe, por exemplo, batia na porta de escolas particulares da cidade em busca de bolsas. Em paralelo, a estudante buscava participar de olimpíadas científicas e demais atividades para, assim, apresentar um currículo destacado na hora de conseguir uma boa vaga. “Isso fez com que a educação fosse uma grande parte da minha vida.”
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“Pode-se dizer que minha família já era fora da curva por se importar tanto com a minha educação e tentar me dar as melhores oportunidades mesmo sem ter condições financeiras”, ressalta ela. Georgia cursou o ensino médio sem pagar nada no colégio Helyos, de Feira de Santana, um dos mais prestigiados da região.
Fácil não seria, mas quem disse que era impossível?
Com 19 anos, uma menina nordestina negra foi disputada por nove universidades norte-americanas: Stanford, Minerva, Duke, Yale, Columbia, Northeastern, além de Middlebury, Dartmouth e Barnard College. Mas chegar até a posição de escolher entre tantas instituições renomadas não foi tão fácil. Foi preciso dar-se uma segunda chance.
Alguns anos antes, em 2012, Georgia teve seu primeiro contato com o chamado processo de application para poder entrar nas melhores universidades do mundo. A candidatura requer provas padronizadas (SAT ou ACT), exame de proficiência em inglês (TOEFL ou IELTS), incluindo análise de currículo escolar, cartas de recomendação e redações.
Em 2013, ela não obteve uma nota satisfatória no SAT (Scholastic Aptitude Test), ficando abaixo da média exigida pelas universidades. No mesmo ano, ficou doente e internada por 15 dias. Depois, fez o TOEFL (Test of English a Foreign Language) e o SAT 2, mas parece que aquele não era o momento. Deu tudo errado.
Por conta disso, decidiu impulsionar seus conhecimentos e dava aulas de inglês básico para poder pagar as próprias aulas, mas o trabalho impediu que se dedicasse 100% aos estudos. No fim das contas, Georgia foi rejeitada nas sete universidades que prestou. Embora tenha conseguido passar na Uefs (Universidade Estadual de Feira de Santana) e na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), queria tentar novamente.
Ela procurou o antigo colégio, que lhe ofereceu um local para os estudos, transporte de ida e volta, alimentação e bancou todas as taxas das provas para a candidatura. Em 2014, se debruçou nos livros para se sair bem no teste de inglês e nos exames. Depois da terceira tentativa, obteve a nota necessária no SAT. Enquanto isso, separava um tempo para fazer trabalho voluntário e participar de discussões políticas e feministas.
Desde 2015, quando enfim conseguiu suas aprovações, Georgia faz parte da rede de bolsistas da Fundação Estudar, uma organização sem fins lucrativos que oferece programas de apoio financeiro para alunos que desejam fazer graduação, pós-graduação ou intercâmbio em universidade de excelência no exterior (e também no Brasil). Neste vídeo, ela conta um pouco do por que escolheu Stanford:
A vida em Stanford
A jovem relata que a experiência em Stanford coloca todos os níveis de competitividade no teto. “Faz você precisar dar seu 110% e te dá muitos recursos para isso. As oportunidades são infinitas e isso nos faz pensar muito sobre como tirar o máximo daqui”, conta.
Sua rotina na instituição varia bastante a depender do trimestre. “Mas eu geralmente faço 18 a 21 créditos, então tenho 60 horas por semana de estudo apenas para minhas aulas. Gosto de fazer pesquisa e às vezes isso consome de 15 horas a 25 horas por semana. Além disso, tento fazer atividade voluntária de 1 hora a 2 horas por semana e faço parte da associação de brasileiros (tempo variável, mas ultimamente tem sido umas 3 horas a 8 horas por semana”, descreve a aluna.
- A Fundação Estudar também oferece um preparatório totalmente gratuito para o processo de application de universidades norte-americanas. As inscrições vão até dia 10 de abril pelo site Estudar Fora.
Segundo a estudante, o que tem mais chamado sua atenção é a cobrança pela perfeição. “No Brasil, tirar 9.3 numa prova não era tão diferente de tirar 9.5, e as pessoas não valorizavam a perfeição tão intensamente como aqui [em Stanford]. Aqui, as pessoas querem o 10.0, há um abismo entre 9.3 e 9.5, e 9.9, às vezes, não é suficiente.”
Apaixonada por engenharia biomédica, seu plano é atuar nessa área e fazer pesquisas pelo menos pela próxima década. “Acho que é um campo com um potencial de crescimento e impacto muito grande”, justifica. Aliás, sua veia cientista surgiu lá atrás, antes mesmo de pensar em pisar em Stanford.
Pesquisa e diagnóstico da endometriose
No mundo, mais de 170 milhões de mulheres sofrem de endometriose. A doença é provocada quando as células do endométrio, mucosa que reveste a parede interna do útero, crescem em outras regiões do corpo. Alguns dos sintomas é a dor pélvica, quase sempre associada ao ciclo menstrual, além de sangramentos intensos e infertilidade. A tia de Georgia tinha a doença, extraiu o útero e não foi diagnosticada por anos.
O diagnóstico na família a levou a querer entender quais os motivos de não haver mais pesquisas ou incentivos nesse campo ligado à saúde da mulher. Os exames que detectam a endometriose são caros e não muito práticos, feitos a partir de ultrassonografia e ressonância magnética.
Georgia então propôs um método de diagnóstico através de marcadores biológicos que depois pode ser adaptado para um exame de sangue. Ou seja, uma maneira rápida e barata de diagnosticar mulheres com a doença.
Em participação de 2015 no TEDxLaçador – evento que faz parte do TED, uma organização sem fins lucrativos que reúne pensadores e realizadores com o espírito de promover ideias que merecem ser espalhadas –, ela conta mais sobre sua pesquisa. Assista abaixo:
Reconhecimento e conferência em Harvard
Ainda em 2015, a baiana foi premiada em um programa que incentiva projetos inovadores de empreendedorismo social promovido por ex-alunos e professores da Universidade Harvard. Mais uma brasileira e três participantes vindos de Sri Lanka, Nepal e Filipinas também tiveram seus projetos destacados. Eram mais de 80 inscritos.
Georgia foi até os EUA para apresentar sua pesquisa sobre endometriose em uma conferência, que reuniu investidores do mundo todo. Chamado de “Village to Raise a Child” (“Vila por Trás do Jovem”), o evento estava na primeira edição.
“Naquela época, eu estava bem desacreditada do meu projeto porque tinha recebido vários ‘nãos’. Não imaginava ser aceita em tantas universidades, não achei que fosse entrar em Stanford e não esperava receber a confirmação do meu projeto de forma tão positiva durante a competição em Harvard”, desabafa. Nos EUA, ela também tem desenvolvido projetos em outras áreas para ampliar seu leque de conhecimento.
“Nos últimos três trimestres, eu trabalhei na otimização da produção e estabilização de VLPs (virus-like particles), uma nanopartícula formada por proteínas que pode ser usada como uma estrutura para o desenvolvimento de vacinas [pesquisei um pouco sobre vacinas para HIV e Zika], para o desenvolvimento de novos métodos diagnósticos [para células metásticas] e para specific cell-targeting [para administrar remédios em células cancerígenas]”, afirma.
Sobre ser a única de sua família a ocupar um espaço tão seletivo quanto uma universidade norte-americana, ela define como uma “realização muito grande, mas uma responsabilidade maior ainda”. E completa: “Eu sou a primeira ‘conexão’ entre esses dois mundos, e isso é bastante desafiador porque eu tenho aprendido muito sobre a experiência sozinha”.
“Eu não só sou a primeira da minha família a entrar em qualquer universidade, mas a primeira da minha cidade a passar em todas as universidades em que eu entrei [nos EUA] e a primeira do estado, e talvez de outros estados do Nordeste, a estudar em Stanford”, diz. A jovem não gosta de se ver como exceção, pois entende que o que falta é oportunidade. Todo mundo é capaz.
De qualquer forma, “é importante reconhecer o quanto é muito mais difícil para alguém que não recebeu incentivos desde pequeno ou que não teve acesso a uma educação de melhor qualidade. Essa pessoa vai precisar de muito apoio para preencher a lacuna entre a formação que recebeu e uma educação no exterior”, observa. Para as meninas das periferias do Brasil que hoje sonham em estudar fora, ela deixa suas dicas:
1. Aprendam detalhes sobre o processo de application o quanto antes;
2. Tentem aprender inglês de formas alternativas (músicas, vídeos, entre outros);
3. Entrem em contato com pessoas que fizeram o processo (dicas neste grupo);
4. Tentem entender o porquê sonham em ir para o exterior e a melhor forma de alcançar isso.
Georgia Gabriela da Silva Sampaio, guarde este nome. Uma girl power que vai fazer muita história na ciência e tecnologia.
Com informações dos sites Estudar Fora e G1
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