Gestão Doria é uma ‘máquina de produzir sem-teto’, diz urbanista

Raquel Rolnik considera que o discurso usado pela prefeitura no combate ao tráfico é uma cortina de fumaça

Desde o dia 21 de maio, a Prefeitura de São Paulo, junto com o governo estadual, tem feito diversas tentativas de reprimir o tráfico de drogas na região central da cidade. Contudo, essas intervenções são consideradas “extremistas” para a urbanista Raquel Rolnik.

Ao Catraca Livre ela explicou que a gestão Doria comete violações no campo dos direitos humanos, da moradia e da cidade: “Se quer à força limpar a área da presença desse território popular usando não apenas as ações policiais mais dirigidas ao usuário de drogas, mas também remoções, desapropriações e demolições”, explica.

Para ela, o projeto Redenção usa o discurso de combate ao tráfico, o que “permite do ponto de vista da opinião pública a criminalização do lugar, do território e do conjunto de moradores que habitam tanto a região dos Campos Elíseos, conhecida por cracolândia, como a Favela do Moinho“. A urbanista acredita que o discurso da prefeitura é uma cortina de fumaça para remover as pessoas com violência.

“Se tem traficante no Moinho ou se tem traficante nos Campos Elíseos, como tem traficantes em vários outros lugares da cidade, a eliminação do tráfico de drogas não pressupõe a destruição do território e a remoção de todos os seus moradores. Porque evidentemente nem todos são traficantes. Aliás, é uma minoria”, ressalta.

Manifestação dos moradores e comerciantes da região da Luz contra ações da prefeitura do governo do estado na região da cracolândia

O governo municipal chegou a anunciar o PIU (Plano de Intervenção Urbana) Princesa Isabel e um decreto de desapropriação das quadras 37 e 38, locais que ficam no entorno da cracolândia e dão a possibilidade de empresas privadas investirem na região. Os dois anúncios antecederam ações comandadas por Doria e Alckmin o que, para Rolnik, “não é um acaso”.

Sem proposta de assentamento voltada à comunidade, a urbanista diz que a prefeitura “se enrola” ao dizer que o todo vai ser contemplado com moradia. Os prédios demolidos vão dar lugar a uma Parceria Público-Privada (PPP) habitacional, mas que não dariam alternativa para os moradores. “80% das unidades dessa PPP são para quem não mora no centro e trabalha no centro. E 20% são destinadas para quem mora e trabalha no centro, mas tenha como comprovar vínculo de trabalho”, afirma.

Em uma área com grande concentração de empregos informais, se presume que os moradores fiquem à deriva, que pode ser de uma Bolsa Aluguel em que 30 mil famílias recebem R$ 400 e não permite alugar sequer um cômodo de cortiço mais precário da região, que custa R$ 600, muito menos ter uma solução de moradia. “Ou seja, máquina de produção de sem-teto”, completa.

Internação

Na tentativa de internar compulsoriamente os dependentes químicos, a prefeitura entrou com o pedido na Justiça, mas a Defensoria Pública e o Ministério Público de São Paulo recorreram. A autorização, concedida à administração municipal em decisão judicial, foi revogada.

O Redenção também entraria em conflito com o Plano Diretor do município em seu processo de implementação, já que qualquer intervenção urbana na cidade deve ser precedida por debate público e não é o que, segundo a urbanista, vem ocorrendo.

“O que ela [a intervenção] não pode ter é a solução final de extermínio e é exatamente o que está sendo feito hoje: ignoram completamente a presença de quem está lá com suas questões, limites, problemas, prismas e passam por cima de tudo para abrir uma frente de expansão imobiliária na região.” Rolnik explica que nenhuma intervenção urbanística sustentável é de curto prazo e que, nesse sentido, o “que existem são os factoides que criam imagens para constituir base de apoio político e midiático”.

Prefeito de São Paulo, João Doria, e o governador do estado, Geraldo Alckmin, durante anúncio para detalhar o programa de revitalização da cracolândia

Na teoria, a prefeitura não poderia retirar os moradores da Favela do Moinho porque a região é de propriedade da União que, por sua vez, não entrou com o pedido de reintegração de posse. Além disso, os moradores entraram com uma ação de usucapião na justiça em 2008 em função de seu histórico de permanência na área e isso ainda está em processo de tramitação.

A urbanista defende que seja feita uma intervenção que considere a complexidade das questões que estão colocadas na região e que seja elaborada de forma participativa com os moradores.”Para você ter uma ideia, a prefeitura saiu removendo e demolindo sem nem ter feito um cadastro. Só começou a fazer porque teve uma ação da Defensoria Pública e depois do Ministério Público exigindo. Nem sabia que estava tirando”.

Questionada sobre ter havido alguma gestão que se aproximou de uma proposta viável para a região, Rolnik considera que o programa De Braços Abertos, da gestão Haddad, tentou tratar da questão da droga de uma forma inovadora e foi construindo uma intervenção que incluía uma dimensão habitacional, “mas essa intervenção não foi para o conjunto da região, com temas urbanísticos e de moradia. Ela foi mais focada na questão da droga, então digamos que foi incompleta”.

Conforme apurou o Catraca Livre, a prefeitura ainda não tem um projeto desenhado para a Favela do Moinho porque, dentre outras coisas, o assunto precisa ser discutido com o governo do estado por conta da linha do trem que fica próxima ao local e que o órgão tem interesse em expandir.

O PIU Princesa Isabel e a desapropriação das quadras 37 e 38 fazem parte do projeto Redenção e, ainda segundo o que foi apurado, a prefeitura está em discussão com a comunidade semanalmente sobre tudo o que acontece no entorno.

A região também deve ter habitação popular nas quadras desapropriadas e serão, a princípio, 440 unidades, mas o projeto final será definido pelo Conselho Gestor que tem eleição agendada para a próxima segunda-feira, 17.

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