Rogéria se vai, mas o brilho da artista fica

"Aqui jaz a maior estrela do transformismo nacional", assim desejou em vida que estivesse escrito em sua lápide

No país que mais mata LGBTs no mundo, Rogéria (25 de maio de 1943 – 4 de setembro de 2017) não teve medo de assumir o título de “a travesti da família brasileira”. Ela já era transformista na época da ditadura, quando orientação sexual e identidade de gênero mal eram discutidas.

Rogéria é um ícone LGBT no teatro, no cinema e na televisão
Rogéria é um ícone LGBT no teatro, no cinema e na televisão

A energia da artista, que foi nomeada Astolfo Barroso Pinto pelos pais, conquistou pessoas desde a sua infância. “Com espírito de liderança, Astolfinho logo se tornou chefe da sua turma de amigos. Falante e carismático, comandava o grupo que se aventurava pela vizinhança, descobrindo novidades”, conta a fluminense de Cantagalo em sua biografia lançada ano passado, “Rogéria — Uma mulher e mais um pouco”, escrita por Márcio Paschoal (Ed. Sextante).

Após ser maquiadora na TV Rio e se tornar vedete, ela levou seu carisma para apresentações em Barcelona, na Espanha, e em Paris, na França. Na capital francesa, chegou a fazer uma cirurgia no nariz para terminar “o encontro de Astolfo com seu lado mulher”, como está registrado em seu livro. Em seguida, voltou ao Brasil para continuar sua carreira como atriz tanto na TV como no cinema.

Nas telas

Rogéria na novela “Lado a Lado”, da TV Globo
Rogéria na novela “Lado a Lado”, da TV Globo

Durante seus mais de 50 anos de carreira, Rogéria participou de filmes, novelas e seriados e foi convidada para diversos programas de auditório, como os de Chacrinha, Gilberto Barros e Luciano Huck. Especialista em provocar risos, teve participações especiais nos programas de humor “Sai de Baixo”, “A Grande Família”, “Toma Lá, Dá Cá” e “Os Caras de Pau” (Rede Globo).

No cinema, por exemplo, fez a comédia “O Homem que Comprou o Mundo”, de 1968, e trabalhou ao lado de Patrícia Pillar no filme policial “A Maldição do Sanpaku”, de 1991. Já em 2016, pôde contar sua história como performista do Teatro Rival, junto a outras artistas pioneiras, no premiado documentário “Divinas Divas”, de Leandra Leal.

“Na ditadura, os artistas eram todos perseguidos. Nós ficávamos quietinhas, porque éramos homens vestidos de mulher, e isso é contravenção suficiente. Éramos as únicas que podiam divertir os brasileiros”, revelou Rogéria em entrevista ao El País.

Atriz de novelas desde os anos 1980, ela fez seu último trabalho do gênero em 2014, em “Babilônia”, da Rede Globo. Seis anos antes, ganhou em “Duas Caras” o papel de uma personagem transformista e fotógrafa com seu nome de batismo: Astolfo Barroso.

Rogéria se tornou tão icônica que também pôde interpretar ela mesma diversas vezes. Foi assim nos programas “A Praça É Nossa” (SBT), “Amor & Sexo” e “Zorra Total” (Rede Globo), e também no filme “Copacabana”, dirigido por Carla Camurati.

Uma estrela 

“Sou a travesti da família brasileira”, afirma Rogéria em “Divinas Divas”
“Sou a travesti da família brasileira”, afirma Rogéria em “Divinas Divas”

Em 2013, em entrevista ao Canal Extra, a artista fez um comentário bem-humorado sobre o medo da morte: “Só gostaria que ela me avisasse três horas antes. E que não viesse na forma de caveira, com foice, mas como o fantasminha Pluft. Eu me arrumaria toda. Queria ser enterrada num caixão de vidro. Antes que endurecesse, as bichas me esticariam. Meu irmão faria a maquiagem. Na lápide, estaria escrito: ‘Aqui jaz a maior estrela do transformismo nacional'”.

Rogéria faleceu na noite do dia 4 de setembro, após ser internada com uma infecção urinária. A estrela se vai, mas seu brilho permanece, para iluminar e inspirar os caminhos de tantas outras estrelas, sejam elas famosas ou não. Prova disso é o depoimento da modelo e mulher trans Lea T., que escreveu no Instagram uma homenagem à atriz: “Você abriu as portas para todas nós. Sua essência vai ficar, e sentiremos falta do seu lindo sorriso… Você é luz”.

https://www.instagram.com/p/BYpTmagHEOE/?taken-by=leacerezo