Tocando com 2 ou 3 dedos, João Carlos Martins ensina jovens a colocar amor nas notas

“Dos 72 aos 75 anos, em termos de popularidade, fiz o que não fiz em 60 anos”, revela João Carlos Martins, um dos melhores pianistas do mundo e que passou a se dedicar à regência aos 64 anos, quando recebeu a notícia de que não poderia mais tocar.

Antes, deixando a marca de suas notas por diversos países, voltava de viagem, pegava o táxi no aeroporto e ia para casa. “Hoje eu ando na rua e qualquer taxista baixa a janela e fala: ‘Oi, maestro; oi, maestro’. Ele nem sabe meu nome, mas fala: ‘Oi, maestro’.”

O maestro João Carlos Martins, que foi estudar regência aos 64 anos
Créditos: © Foto Fernando Mucci/Platinum
O maestro João Carlos Martins, que foi estudar regência aos 64 anos

Em 2002, com problemas nas mãos, teve de parar de tocar piano. “Fiquei uma semana perdido.” Até que sonhou com o maestro Eleazar de Carvalho (1912-1996). “Ele disse: ‘Vai estudar regência’.”

Martins conta que mudar a atividade não foi barreira porque utiliza o cérebro “acordado e dormindo”. “Dormindo, sempre estão passando as músicas que eu vou reger no dia seguinte. Sou um cara com 24 horas de atividade. Vejo televisão e fico com a mão assim [faz gestos como se estivesse com a batuta], porque sempre estou pensando em alguma coisa.”

Como maestro, já foram 1.300 concertos. Martins se orgulha de não ter deixado nenhum bairro da periferia de São Paulo de fora das apresentações, que já chegaram a 11 milhões de pessoas, pelas suas contas.

“O importante não é falar é um caso de superação. O importante é continuar buscando a excelência musical, assumir a responsabilidade social em seu país e, antes de tudo, realizar tudo com a mesma emoção. Se a gente está no Jardim Ângela ou na Sala São Paulo, eu digo: ‘Hoje é o concerto mais importante das nossas vidas’.”

O maestro João Carlos Martins durante concerto
Créditos: FERNANDO MUCCI
O maestro João Carlos Martins durante concerto

Ele faz planos para os próximos 25 anos. Na próxima década, pretende se dedicar ao ensino de crianças. Seu objetivo é simplificar a metodologia. Agora está criando polos a distância. “Talvez esse seja o caminho. Estou fazendo os primeiros polos e, se der certo, sai da frente…”, ri o maestro.

No mês passado, quando completou 75 anos, assistiu a um documentário sobre sua vida. “Como eu conseguia tocar assim?”, questionou-se. Passou por 23 cirurgias nas mãos e não esconde que ainda tem fé em recuperar os movimentos. “Pode ter um transplante aí, mas não quero uma mão meia boca.”

E, com bom humor, concluiu: “Antigamente, eu fazia 21 notas por segundo; agora, em 21 segundos, faço uma nota. Mas quero mostrar que o som que essa nova geração tem que conseguir do piano é um som em que se coloca a alma em cada nota. Isso que me faz, com 2 ou 3 dedos, continuar tocando”.

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