7 motivos para você não visitar a Venezuela

Relato por Eduardo Vessoni, do site Viagem em Pauta

As últimas notícias sobre a Venezuela não têm sido nada animadoras: produtos básicos em falta nas prateleiras de supermercados, filas quilométricas na porta de estabelecimentos comerciais que começam ainda de madrugada, e uma economia instável que insiste em mostrar para o mundo que as coisas andam muito bem por ali e que estimula a movimentação de um mercado paralelo, onde um mesmo produto pode custar seis mais.

E cada vez que o país volta a ocupar o destaque na mídia, revivo o terror que passei durante os três únicos dias que consegui ficar naquele país, cujo roteiro original contemplava um mês de permanência com fins de produzir conteúdo jornalístico sobre o turismo local.

Los Roques, no Caribe venezuelano (foto: Alessandro Caproni/Flickr-Creative Commons)
Los Roques, no Caribe venezuelano (foto: Alessandro Caproni/Flickr-Creative Commons)

Depois de ter percorrido mais de 40 mil quilômetros de terras sul-americanas, entre janeiro e setembro de 2009, chegava a hora de cruzar a última fronteira, entre a Colômbia e a Venezuela. A ansiedade era não só por conta das paisagens exóticas do último país do roteiro mas também pela proximidade com a minha casa.

Mas na utópica Venezuela que Chávez desenhou, fui ameaçado com uma barra de ferro por um taxista, fui acusado de tráfico de drogas e gastei R$ 800, em setembro de 2009, para atravessar o país em fuga, em busca da fronteira brasileira mais próxima.

Ameaças, subornos e altos preços são algumas das (des)agradáveis imagens que o viajante leva na memória fotográfica da alma quando cruza o território venezuelano. Justo naquela nação exibida que conta com uma geografia que vai dos Andes à savana, que abriga a maior queda d’água do mundo e ainda tem um pé, literalmente, fincado no Caribe.

Baseado na minha experiência no país, relato abaixo os motivos pelos quais não pretendo voltar a colocar os pés na Venezuela.

1 – A economia é instável

A economia local estabeleceu um utópico parâmetro em que o dólar, em 2009, equivalia a doisbolívares fuertes, e o viajante engole o gosto amargo de uma instituição policial que vê o estrangeiro como fonte de renda fácil e alternativa. Atualmente, a cotação é de 6.34 bolívares fuertes para 1 dólar americano (no câmbio oficial, claro).

Nas ruas, habitantes e turistas se deparam com um mercado negro que impõe um valor com uma inflação de 350%.

Isso significa dizer que um quilo de cebola, em um mercado popular, custava R$ 14, uma garrafa de água mineral não saía por menos de R$ 5, em qualquer quiosque de rua, e uma pizza pequena de mussarela, acompanhada de dois copos (de plástico) de refrigerante genérico, não custava menos do que R$ 35.

E estamos falando de seis anos atrás.

Atualmente, a situação não é diferente. Segundo divulgou a revista “Exame”, em matéria recente, um quilo de cenouras sai por quase R$ 50 e um pacote de preservativos custa no mercado paralelo a bagatela de R$ 2.000 (dois mil reais, assim mesmo por extenso para que não fique nenhuma dúvida com quantos zeros se faz um preço na Venezuela).

Quem entra com real ou dólar até consegue fazer negócio e, em 2009, os R$ 14 gastos com um maço de cigarros pequenos ou o desayuno medíocre com pão e café a R$ 23 até que vira uma boa pechincha. Mas quem chega para usar cartões de crédito ou sacar dinheiro local em caixas eletrônicos pode se preparar para uma viagem de altíssimos custos que nem a Europa tinha imaginado.

A nova prática impôs a sua fantasiada ‘economia forte’, mas o resto do país vive um mundo paralelo, literalmente, e estabelece seus preços de acordo com os valores ilegais que circulam entre cambistas.

2 – Faltam produtos nas prateleiras

Em outra reportagem publicada, recentemente, pelo portal de notícias MSN, os hotéis já não contam com itens como papel higiênico, cujo hóspede é encorajado a trazê-lo de casa (com o risco de ser parado em um posto policial e sair acusado de contrabando).

Ainda segundo o site, alguns estabelecimentos estão, há mais de um ano, sem “nenhum tipo de sabonete, leite, café ou açúcar”.

3 – O turismo é falho

O país, uma área de mais de 900 mil km², possui quatro fronteiras oficiais com a Colômbia e outra pelo Brasil, entre Santa Elena de Uairén e Boa Vista. E só quem se aventura em cruzar umas dessas linhas políticas aprende, na prática, o que significa cada uma das letras de uma ideologia controversa chamada socialismo bolivariano, processo político pelo qual o país vem transformando a sua visão sobre si mesmo e sobre o mundo.

A recepção hostil não acaba nas constantes e ameaçadoras paradas nas estradas e avança nos estabelecimentos do setor turístico.

Informações desencontradas, povo com cara de poucos amigos e indispostos em auxiliar o viajante assustado que acaba de chegar.

Os hotéis em pequenas cidades também oferecem diárias de acordo com os valores da economia paralela (assim como restaurantes, mercados e todos os outros estabelecimentos comerciais do país). Uma diária em uma pousada com cara de motel de estrada em Morrocoy, por exemplo, custa, atualmente, R$ 659.

Pior do que o assalto (sem mão armada) é a receptividade com que os estabelecimentos hoteleiros costumam receber seus possíveis hóspedes.

Você bate na porta, uma minúscula janela se abre, violentamente, e do lado de dentro um atendente levanta a cabeça e solta um sonoro ‘O que você quer’?

Seria muito difícil tentar imaginar o que um viajante com uma imensa mochila de 80 litros nas costas espera diante de um hostel? E olha que estamos falando da mais internacional e respeitada rede de albergues do mundo.

As opções de valores não variam muito (exceto se você tiver coragem de encarar um motel no centro histórico de Coro em que o próprio vigia detém a chave do seu quarto para abrir-lhe e fechar-lhe a porta quando você precisar e que, naquela época, custava R$ 50 por noite).

A melhor saída, se você ainda não estiver convencido de que o país não tem nenhum interesse em receber estrangeiros, é fazer uma reserva antecipada via internet, um meio de comunicação falho e instável.

4 – Viagens terrestres são, extremamente, perigosas

Uma viagem pelas estradas do país imaginário de Hugo Chávez, naquele momento presidente da Venezuela, pode ser uma experiência capaz de transformar uma visita a qualquer nação em conflito do Oriente Médio em um passeio no parque, domingo pela manhã.

Entre militares e batidas policiais, uma simples viagem de 123 km pode se tornar uma prova de paciência e resistência às pressões de policiais e militares que encabeçam revistas organizadas ao longo do trajeto.

Entre o trecho de Maicao, ainda na Colômbia, e Maracaibo, já em terreno venezuelano, foram 10 tensas e agressivas paradas, o que significava mostrar documentos e abrir as malas a cada 12,3 km rodados.

Venezuelanos e motoristas quase nunca são revistados e o alvo sempre são os raros estrangeiros que ainda insistem em desembarcar no país. Em alguns bloqueios, éramos os únicos a protagonizarem a humilhante ideia de expôr cuecas e outras roupas sujas sobre a mesa improvisada, no acostamento da estrada.

Visitantes com euros, dólares e até reais são sempre bem vindos.

5 – Vale tudo na hora do suborno

Qual é a diferença entre um chá de ervas aromáticas e um punhado de maconha? Na Venezuela, nenhuma.

Para cruzar a fronteira com Roraima, dividimos um táxi coletivo com outros dois passageiros e, no último posto policial, fomos os únicos a ser convocados a descer do carro e ter a bagagem revistada.

O militar, de armas na mão, indicou uma sala pequena, e, sozinho, entrei com as malas. O tom era ameaçador e a cada vez que um bolso da mochila era, minuciosamente, revistado, o funcionário repetia: “Rapaz, rapaz! Rápido, rapaz”.

Não tenho idade para ter passado pelas maldades dos anos mais pesados da ditadura militar brasileira, mas naquele momento entendi o significado da palavra ‘tortura psicológica’. Deixei a sala tremendo e sentia que aquela história não terminaria ali.

Em casos extremos, um pacotinho de chá oriental, um amenitie que ganhei em um hotel na Patagônia por onde eu havia passado na mesma viagem, pode se transformar em um pacote de maconha. As ameaças de prisão eram constantes (‘ustedes están mortadela’, repetia o soldado).

O tom da conversa só começou a mudar de rumo quando o superior do militar inexperiente que me revistava meteu o nariz sobre o mix de ervas aromáticas.

O que esperar de um governo que confia suas fronteiras a militares que são incapazes de diferenciar espécies de folhas naturais, sobretudo entre chás e maconha? Por sorte, naqueles imensos mochilões, que também carregavam um pouco de arroz e carne de soja dos dias de acampamento em outros países, não havia nenhum pacote com farinha de trigo.

Por isso, se você não tiver nada a dever (o que era o nosso caso), mantenha a calma e não se desespere com as pressões militares.

Mantive um diálogo tranquilo, olho nos olho, deixei que o militar averiguasse todos os bolsos da minha mala e só me dei conta da situação em que havia me metido, quando ouvi a pergunta final: “E agora o que fazemos? Eu te ajudo e você me ajuda”.

Por sorte, uma amiga havia pegado carona na nossa viagem e passou alguns dias com a gente no Equador, onde tinha me levado algumas revistas com matérias minhas publicadas durante os meses em que estávamos na estrada.

E, pela primeira vez, abri mão de uma informação que eu evitei divulgar, enquanto estive em terras venezuelanas. “Sou jornalista e estas são as minhas reportagens publicadas”.

O superior mandou que eu guardasse, imediatamente, os meus pertences e me liberou a passagem para o lado brasileiro.

Ainda tentei oferecer o único dinheiro que eu tinha na carteira para pagar a travessia entre a Venezuela e Boa Vista, em Roraima (que na época eram $ 122 bolívares, o equivalente a R$ 40), mas o militar recusou e me estendeu a mão.

Humilhados, a pé na fronteira, jogamos as mochilas nas costas e seguimos, a pé e sem transporte, os 300 metros até território brasileiro.

6 – Os funcionários das fronteiras são despreparados

Pior do que os olhos ameaçadores sobre as malas é o despreparo de policias e militares.

Alguns aeroportos do Brasil, como o de São Paulo, possuem sistemas informatizados de controle de saída de brasileiros, o que nos isenta de carimbar o passaporte quando deixamos o país, certo? Mas vai explicar isso para o militar troncudo que segura firme seu passaporte e ameça não devolvê-lo.

A revista tem seu tempo duplicado e a parada vira uma longa e tensa sequência de explicações sobre os procedimentos em algumas salas de embarque do nosso país. No meu caso, tive que me defender, diversas vezes, repetindo que eu não estava ilegal na Venezuela e que não temos o passaporte carimbado ao sair do Brasil.

E a única coisa que eu queria era registrar, jornalisticamente, o salto d’água mais alto do mundo ou saber com quantos tons cromáticos se faz o mar de Los Roques, em pleno Caribe.

7 – O transporte coletivo é ameaçador

Outros setores voltados para o turista, como o transporte, também já tiveram seus serviços contaminados pela indisposição boliviariana em atender turistas.

Será redundante repetir, mas os preços das passagens são elevadíssimos (o que parece injustificado em um país em que uma garrafa de água mineral custa o equivalente a 50 litros de gasolina) e os motoristas têm uma forma bem particular de resolver as situações.

– “Você pode nos deixar no Parque Arqueológico de Taima Taima?”, perguntei ao taxista do carrito (como são conhecidos os táxis coletivos), na esperança de chegar mais rápido aos fósseis encontrados na colonial Coro, a noroeste do país.

– “Sim”, foi a resposta seca.

Quarenta minutos mais tarde, estávamos na periferia de uma cidade vizinha, na beira da estrada e longe do destino solicitado.

– “Podem descer”, anunciou o motorista para os dois visitantes atônitos.

Conheço pouco daquele país, mas sei a diferença entre uma estrada empoeirada no meio do nada e a entrada de um sítio arqueológico. Naquele momento iniciou-se uma longa discussão que disputava com o som alto da salsa que saía da caixa de som de um automóvel grande e velho.

Recusei-me a pagar pelo (des)serviço e, em silêncio, o motorista deixou o carro, abriu o porta malas e voltou com um pedaço de ferro enrolado em um pano.

– “Você não vai pagar?”, voltou a ameaçar.

A discussão foi tomando tons mais exaltados e a turma do ‘deixa disso’ foi se aproximando, assim como o ferro enferrujado que chegava cada vez mais perto sobre nossas cabeças. Por fim, desembolsamos R$ 7 (valor superior pago pelos outros passageiros) para chegar em lugar nenhum.

Aquele foi o melhor convite para deixarmos o país e, em 24 horas, havíamos cruzado todo o restante do país para chegarmos a fronteira mais próxima, a do Brasil.

Confira imagens dos atrativos turísticos que poderiam ser conhecidos na Venezuela

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