A volta ao mundo em 80 videoclipes chega à América

Por Gaía Passarelli

Em 2014, viajando de carro pelos EUA, o casal Diana Bocara e Leo Longo teve uma ideia: e se eles juntassem o amor por música ao talento como film makers (ele diretor, ela roteirista e produtora) numa viagem de volta ao mundo? O embrião do que viria a ser o Around the World in 80 Music Videos veio assim, na estrada. Desde março de 2015 os cumprem uma rotina sem trégua gravando um videoclipe por semana, e já passaram por Portugal, Índia, Rússia, Coreia do Sul e Austrália bandas alternativas locais em videoclipes.

‘Viajar pelo nosso projeto é conhecer os lugares pelo olhar das bandas e colaboradores que lá vivem’, conta Leo

“Viajar tendo a música como norte é incrível”, conta Leo em entrevista por e-mail da atual base em Los Angeles, onde estão filmando os primeiros episódios do ATW80 nos EUA. É um trabalho com cronogramas apertados, produção sem descanso e muita criatividade para inventar os videoclipes para as bandas que vão conhecendo pelo caminho. Dá certo porque Leo e Diana são profissionais organizados e pessoas com uma missão muito clara. Eles não param. O ATW80 está na metade do caminho e em 2017, quando o casal estiver de volta ao Brasil, vai virar livro e documentário em vídeo.

O canal do projeto no Youtube estreia um videoclipe toda segunda-feira. Cada vídeo se torna o oficial para a canção e banda. O mais novo é “Honestly” da banda australiana Tully on Tully, feito com a colagem de mais duas mil fotos do arquivo da viagem de Leo e Diana. Além do videoclipe há sempre um episódio de making off que mostra Diana no trabalho de produção.

Tudo, da captação de recursos à assessoria de imprensa, do contrato de locação ao contato com as bandas, é feito por Leo e Diana. “Parceiros comerciais e apoiadores ajudaram a bancar quase 80% do total, que juntamos ao nosso investimento. Hoje, falta 20% para conseguir encerrar o projeto da forma que planejamos, em agosto”. Entre as marcas que marcaram presença até agora, Leo citaHP, Windows, Smirnoff, Swiss Air e Victorinox.

Depois de Los Angeles, Diana e Leo seguem para Nashville. Vão rodar dez videoclipes nos EUA, e depois partem para a última etapa da viagem: América Latina. Entre maio e agosto, passarão por Cidade do México, Bogotá, Santiago, Montevidéu e Buenos Aires. Depois, Brasil. Na entrevista abaixo, Leo conta por e-mail como é a organização e rotina e o que eles querem fazer quando voltarem para casa em São Paulo.

Como é a rotina na estrada?

Nossa rotina é dividida a cada mudança de país, em ciclos de três a quatro semanas. A primeira semana é dedicada a conhecer bandas e afinar detalhes dos roteiros. As semanas dois e três são para a pré-produção de todos os clipes: ensaios, locações, etc. E na última semana gravamos os quatro ou cinco clipes que fazemos por país. Além disso, existe a rotina diária de edição dos episódios de making of (o webreality Behind The Trip, já no 45º episódio), finalizar os clipes, criar ideias dos próximos vídeos, pesquisar bandas e produzir a vida no destino seguinte. Em paralelo, sempre trabalhamos na nossa própria assessoria de imprensa, tentando viabilizar parcerias e vendendo espaços comerciais no nosso conteúdo. Como é bastante coisa pra fazer e sempre trabalhamos de nosso home-office alugado em casa país, trabalhamos cerca de 16 horas por dia. Mas conseguimos tirar de um ou dois dias de folga por mês.

O que vocês levam na bagagem de mão?

Na minha bagagem de mão estão câmera, lentes, laptop e carregadores. E na bagagem de mão da Diana não pode faltar: desodorante, maquiagem, carregador de celular e lanchinho pra comer no avião. Na verdade ela se prepara muito melhor do que eu, sempre acabo roubando um ou outro snack dela.

Quais são as coisas que vocês se pegam fazendo em todos os lugares que chegam? 

Sempre antes de chegarmos a um novo destino baixamos apps do transporte público e, quando é o caso, um app com mapa online local. Na Ásia o Google Maps não funciona bem e cada país tem um aplicativo que funciona melhor. Chegando em cada lugar, a primeira coisa a fazer são compras no supermercado. Também é um jeito de entender como funciona a cultura local. A Diana usa a corrida toda manhã para desvendar os cantos de cada bairro que moramos. Sempre brincamos que chegou a hora do “discoverun”. E uma coisa que não podemos ficar sem: café coado, daquele bem brasileiro. Quando encontramos filtro de café é uma alegria.

Qual é a coisa mais difícil de viver on the road? E qual vai ser a primeira coisa a fazer quando chegarem no Brasil?

Para Diana, a coisa mais difícil de viver assim é ter apenas uma mala de roupa. São as mesmas 30 peças de roupa há um ano. Outra coisa difícil, é que ela se apega muito às pessoas que encontramos pelo caminho. Na hora do tchau ela sente bastante. Pra mim, a coisa mais difícil é o custo de hospedagem. Gastamos muito com isso, porque  fazemos questão de alugar casas que tenham boa estrutura para trabalhar e montar nosso home office, onde cozinhamos todos os dias, fazemos testes de câmera. Tem que ter sala, boa internet, cozinha equipada. Em média, nestes primeiros 12 meses de projeto o custo é US$ 60 por dia.

Com a banda Mooncake, em Moscou

E na volta?

Profissionalmente, nosso planejamento é escrever o livro e começar a produzir o documentário sobre o projeto, que será viabilizado via lei Rouanet. Os dois serão lançados em 2017. Pessoalmente, a primeira coisa que Diana quer fazer é comer queijo branco, comprar limão tahiti e jantar nos rodízios japoneses de São Paulo. E eu quero passar horas deitado na rede da casa do meu avô em Piracicaba e comer pastel com garapa na feira.

As melhores comidas até agora?

Pra mim, a melhor comida até agora é a árabe que comi no Cairo. Sei que é algo comum pra quem vive em São Paulo, com a cozinha armênia sempre por perto, mas lá fui surpreendido pela qualidade e sabor. Para a Diana, com certeza foi a culinária indiana. Algo completamente diferente de tudo o que já havia experimentado, mesmo que exista restaurante indiano no Brasil. Muito mais variedade, mais sabores, mais temperos. Além disso, por ser vegetariana, ela encontrou uma criatividade incrível de pratos e combinações.

Existe tempo de descansar e ver alguma coisa dos lugares que estão visitando?

Não. Infelizmente, não dá pra conhecer os lugares turísticos de cada lugar. Por outro lado, como sempre precisamos de locações para gravar, acabamos sempre fazendo um tour pelo que é mais comum trivial de cada lugar. Conhecemos as esquinas, os bares, os cantos que as bandas frequentam. Viajar pelo nosso projeto é conhecer os lugares pelo olhar das bandas e colaboradores que lá vivem. Isso é algo que jamais teríamos se fôssemos turistas.

Leo e Diana em gravação no Cairo, no Egito

Como é a relação com os músicos? Existe alguma coisa como barreira da língua ou altas diferenças culturais?

De  maneira geral,  os músicos entendem muito bem nossa proposta, que é viajar o mundo e produzir clipes com custo zero. Todos compreendem os princípios de colaboratividade e isso traz uma relação sincera e próxima. Somos convidados para os shows, pra jantar com as famílias, pra dormir no quarto de visitas e etc. Trocamos mensagens frequentes com a maioria das bandas, eles vão virando espectadores do projeto. Toda segunda, aparecem pra dizer o que acham de cada estreia. No início achávamos que sentiríamos mais as questões culturais, mas as barreiras são derrubadas pela vontade de realizar e fica tudo muito fácil pra nós. O lugar mais difícil até agora foi a Coreia do Sul, onde nem todos falam inglês. Por sorte, no nosso caminho tinha uma brasileira filha de coreanos, a Gracia Lee, que virou nosso amuleto. Ela acompanhou todas as nossas gravações e fez o meio-campo entre nós e as bandas.

Vocês sentem que há diferença na forma como estão trabalhando agora, em relação há seis meses quando o projeto começou?

Sim, sem dúvida. Aprendemos a otimizar o trabalho. Somos compactos e super práticos em todo o fluxograma. Aprendemos a melhorar a performance sempre, tanto como film makers quando como um casal trocando de residência uma vez por mês. Uma coisa muito importante pra fazer com que tudo também seja mais fácil é o fato de o projeto já ter um ano no ar. No começo, tínhamos que explicar o objetivo e mostrar a todos que o que estávamos propondo era possível, que não era furada, que faríamos o que estávamos prometendo. Hoje, as bandas convidadas nos escrevem dizendo que assistiram vários vídeos, que gostaram mais desse ou daquele, elogiam nossa ideia e acham inacreditável como conseguimos fazer um clipe por semana (e todo o resto) em apenas duas pessoas.

Diana e Leo em ação com a banda Dead Buttons, na Coreia do Sul

Gaía Passarelli é escritora e moradora na Vila Madalena, São Paulo. Escreve sobre viagens e cultura para sites como Matador Network, TPM e Viator. Siga em Twitter e no site.