Loja mais antiga da Galeria do Rock tem mais de 100 mil discos de vinil

"Trinta anos depois, eu aprendi tanto e descobri que não aprendi nada", conta Calanca

Luiz Calanca,  era farmacêutico e abriu uma lojas de discos por necessidade. A paixão pela música cresceu tanto que abriu uma gravadora independente. A Baratos Afins surgiu em 1978, na Galeria do Rock, sendo a loja mais antiga do local. Calanca contou que a Baratos Afins tem mais de 100 mil discos. A mulher de Luiz cuida da parte administrativa da loja.

São mais de 100 mil discos organizados por toda a loja

O músico já produziu 104 álbuns de vinil e 73 CDs. “Não parei mais. Hoje as coisas estão bem mais difíceis, já ganhei mais dinheiro com disco. Acho que eu ganharia mais dinheiro alugando o imóvel da loja do que vendendo disco, mas a gente gosta disso e estamos resistindo”, afirma Calanca, que conta com a ajuda de sua mulher para administrar a loja.

Valorização da música nacional

“Se você abrir o jornal hoje tem 50 bandas internacionais tocando no Brasil com casa lotada. Eu acho que devia existir uma lei que obrigasse a participação de uma banda nacional para encher um pouco a bola dos nossos valores”, afirma Luiz. O produtor musical conta que o conceito de ouvir música mudou: “As pessoas compram o CD do Nirvana pra pendurar na parede. É muito triste isso. As pessoas não curtem o álbum, elas ouvem faixas, nem terminam de ouvir a música e partem para ouvir outra”.

Calanca conta que chegou a fazer um show do Tom Zé com 4 pessoas na plateia. “A gente tem que ter a capacidade de avaliar nossos artistas”, reitera.

Histórias

O músico contou várias histórias sobre a sua loja e os clientes. Durante a entrevista, Edy Star, artista e cantor brasileiro que trabalhou com Raul Seixas, apareceu na Baratos Afins. Calanca aproveitou para contar um acontecimento com Edy.

“Um dia um cara chegou no balcão e perguntou se tínhamos o disco da Sociedade da Grã Ordem Kavernista. Respondi que sim. Edy estava na loja naquele dia e falei para o cliente: ‘Aquela pessoa ali é o último Kavernista vivo’. O cara: ‘Jura?’. Aí ele foi chegando mais perto o Edy e falou:’Quer dizer que a senhora…’. Edy tinha cabelo grande, gay assumido, super divertido. Ele levantou a cabeça e mostrou o dedo do meio. Pensei que ia dar encrenca, que fiz bobagem. Edy respondeu: ‘A senhora não! Senhorita!'”.

“Outra história é sobre Fernanda Takai, do Pato Fu. “Ela me mandou uma demo, antes de lançar o disco. Não era conhecida nem como Pato Fu. Ela me mandou uma fita cassete com um bilhetinho e um pedaço de queijo. Estava escrito: ouça nosso som com carinho e aí vai um queijinho para matar a fome no trabalho. A gente abriu aquele queijo e o cheiro impregnou a loja. Parecia a meia dos Ratos de Porão. Tinha um disco, na época, o Gabba Gabba Hey, a capa era um par de coturnos, saindo fumaça de dentro deles. Então quando você olha para a bota, a impressão que você tem é que é chulé mesmo. Me deu um insight, peguei o queijo e esfreguei por dentro. Eu falava assim ‘Cara, olha essa capa, cheira!’, parecia que era da bota. Todo mundo achou engraçado, a gente se divertiu. Aí esquecemos aquele disco, que ficou guardado por anos. Um belo dia, meu funcionário o achou. Peguei e coloquei no meu Facebook. Contei toda a história e a Fernanda leu. Ela falou que caçou por Belo Horizonte o queijo mais fedorento que tinha e ela veio pessoalmente aqui. Demos muita risada”.

A Baratos Afins estão funcionando desde 1978

Confira a entrevista com Luiz Calanca:

Por que você escolheu a Galeria do Rock para abrir uma loja de discos?

A Galeria era tudo o que eu podia ter naquele momento. Eu era farmacêutico, eu fazia bailes no final de semana, tinha um monte de discos. Eu tinha que comprar enxoval de bebê, berço e fralda, e eu não tinha onde cair morto. Eu tinha um jaleco rasgado, um sapato furado e muitos discos. Eu tive que sacrificar alguns discos para juntar um dinheiro e foi aí que eu tive um insight de abrir um negócio. Vendi os discos por muito pouco, gastei metade do que eu tinha ganho para comprar a loja. Pensei que podia ser um bom negócio.

E a gravadora independente, como foi?

Foi 3 anos depois. Eu ia muito em shows, antes mesmo de abrir a loja. Eu tinha conhecido o Jorge Mautner, que me deu umas pistas de como deveria ser. Eu dei uma injeção nele, ele estava com o dente inflamado e começou uma encrenca dentro da farmácia porque a receita dele não tinha carimbo do médico. Meu colega não queria aplicar, mas eu sabia que tinha que fazer um teste, para ver se ele não era alérgico. Você aplica um pouco na pele da pessoa e se coçar muito, é alergia. Demora quase meia hora para aguardar as reações e começamos a conversar sobre música. Eu prometi fazer o disco dele, mas não fiz. Eu era apenas um entusiasmado, não tinha nem loja. Só depois de uns 6 anos, eu resolvi pagar essa promessa e acabei fazendo o disco dele.

Um dia me envolvi com o Arnaldo Baptista para fazer um show dele. Ele ia reeditar o disco Lóki?, era um disco que eu curtia muito. Eu consultei ele, mas ele entendeu que era pra voltar a banda, só que não era nada disso que eu queria. Eu queria fazer uma reedição do disco para vender na minha loja. Quando Baptista voltou do coma, depois do acidente que sofreu, só queria terminar o disco (Singin’ Along). Ele citou meu nome e a família dele me procurou e eu aceitei fazer. Começamos assim, de acidente.

Quantos discos você tem na loja?

Eu sei que tenho, em títulos, mais de 100 mil discos. É impossível saber quantos, a gente sempre vai perder a conta. Em CD, nós temos quase 37 mil títulos. Mas o CD, qualquer um pode fazer em casa, ele perdeu totalmente o glamour. Só uma parcela se interessa por CD, mas não é mais como o mercado já foi.

Você acredita que a culpa é da Internet?

A Internet é uma coisa nociva. Desculpa falar assim, não quero ser chato, nem discordar de ninguém. Eu estou fazendo o show da banda Gueto, eles já tinham achado a batida perfeita, eram antes de Racionais, antes de Emicida. Eles já faziam o hip-hop ligado com funk. A banda nasceu comigo e foi capturada pela Warner. Tudo o que crescia na minha mão, alguém tomava. Eu promovi a volta dessa banda, eles vão tocar no próximo dia 11 (sexta-feira) no Sesc Belenzinho. E ontem eu entrei no Google para ver se já tinham divulgado e achei várias páginas, todo mundo falando deles, e eu mesmo, que sou o produtor, não sabia. Está tudo aí, mas ninguém vê nada. Tem muita informação, mas ninguém absorve nada. Antes ouvíamos música em coletivo. O mundo está muito globalizado, mas o indivíduo está muito solitário, muito no seu mundinho, cada um com seu fone atolado na orelha, com uma vibe diferente. Ninguém mais tá curtindo música no coletivo.

Qual o disco mais caro, mais raro que você tem aqui?

Olha, isso é muito relativo. É sempre do momento. Eu tenho discos tão raros que é mais raro ainda você achar quem goste deles. Eu acho isso o máximo! O disco sempre é um objeto de desejo e é modismo, é a bola da vez. Se a mídia falar que é o Kurt Cobain, todo mundo vai comprar um disco dele. Se é Raul Seixas, a mesma coisa. Mas eu tenho muitos discos raros que não são tão caros porque não tem procura, mas eu tenho discos que não valem nada mas são cotados e têm procura, então eles têm valor comercial.

Como vocês organizam os discos?

Eu já arrumei de todos os jeitos. Por gênero, estilo, épocas. Mas a melhor maneira da gente se encontrar aqui é em ordem alfabética. Nós temos alguns setores, nacional, internacional, jazz, MPB, punk. Não dá pra ficar criando subgêneros, você não vai nem achar as coisas depois. Separamos por estilo, mas no geral está em ordem alfabética. Temos muitas coisas no arquivo, no estoque, porque não cabe aqui, não tem espaço.

Serviço: BARATOS AFINS DISCOS Av. São João, 439 – Galeria do Rock 2º andar – Lojas 314/318