Ansiedade e depressão podem causar dor crônica, diz estudo da USP

É comum ouvir falar que o que sentimos reflete no nosso físico. Uma pesquisa do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), publicada no Journal of Affective Disorders (Jornal de Distúrbios Afetivos), em maio, ajuda a comprovar isso.

Pesquisa que relaciona problemas de ansiedade e depressão a doenças crônicas, foi feita com adultos da Região Metropolitana de São Paulo
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Pesquisa que relaciona problemas de ansiedade e depressão a doenças crônicas, foi feita com adultos da Região Metropolitana de São Paulo

A pesquisa, que relaciona problemas com ansiedade e depressão a algumas doenças físicas crônicas, foi feita com 5.037 adultos da Região Metropolitana de São Paulo e apontou que indivíduos com transtornos de humor ou de ansiedade tiveram incidência duas vezes maior de doenças crônicas, como informa matéria da Agência Brasil.

Episódios de dor crônica foram mais comuns entre as pessoas que tinham transtorno de humor – como depressão e bipolaridade – ocorrendo em 50% dos casos de transtornos de humor, seguidos por doenças respiratórias (33%) , doença cardiovascular (10%) , artrite (9%) e diabetes (7%).

Problemas com ansiedade também foram associados com dor crônica (45%) e doenças respiratórias (30%) , além de artrite e doenças cardiovasculares (11% cada). A hipertensão foi associada a ambos em 23% dos casos.

O fator estresse

“Já era esperado que houvesse uma relação forte entre essas doenças. O problema é que a prevalência de ansiedade e depressão em São Paulo é muito alta por causa do estresse. Com esses números, precisamos atentar para a necessidade de passar a informação para o médico que está na linha de frente, no atendimento primário. É preciso reconhecer a comorbidade [quando duas ou mais doenças estão relacionadas] de ansiedade e depressão com as doenças crônicas que não se resume apenas à dor”, disse a psiquiatra Laura Helena Andrade, coordenadora do Núcleo de Epidemiologia Psiquiátrica do IPq e uma das autoras do estudo.

Dez por cento dos moradores adultos da Região Metropolitana de São Paulo – equivalente a 1,1 milhão de pessoas – tiveram quadros de depressão nos últimos 12 meses.

Já a ansiedade acomete mais de 2,2 milhões de pessoas na Grande São Paulo (20% da população da região) e, dentre elas, 990 mil sofrem com episódios de dor crônica também.

Vinte por cento da população da Região Metropolitana de São Paulo sofre com ansiedade e 10% teve algum quadro de depressão nos últimos 12 meses
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Vinte por cento da população da Região Metropolitana de São Paulo sofre com ansiedade e 10% teve algum quadro de depressão nos últimos 12 meses

Estudo da OMS apontou recentemente que o Brasil é o país que tem a maior taxa de depressão da América Latina. Cerca de 5,8% da população é afetada pela doença. Atrás está Cuba, com 5,5%, Paraguai com 5,2%, Chile e Uruguai com 5%.

Pesquisas prévias já haviam apontado de forma consistente a associação de doenças crônicas com transtornos de humor e ansiedade. Mas não se sabe o motivo da relação entre dor crônica e ansiedade ou depressão ser tão intensa, pois os mecanismos fisiopatológicos da dor crônica são pouco conhecidos.

“Uma das hipóteses é relacionada à questão de comportamento. As pessoas ficam inativas quando têm depressão, isso causa dor, ou então a própria dor muda a vida da pessoa, leva à falta de atividades físicas, o que aumenta a depressão e fica um círculo vicioso”, afirma Laura.

A psiquiatra explica que, assim como as células do sistema de defesa são ativadas quando há uma invasão por um agente causador de doença, o estresse psicológico em uma situação ambiental como, por exemplo, viver em uma cidade como São Paulo, acaba ativando o sistema inflamatório.

“Aumento da inflamação, lesões do endotélio – camada de célula presente em todos os vasos sanguíneos – e danos oxidativos são algumas vias que podem estar relacionadas à ocorrência da comorbidade. Consequentemente, é imperativo que sintomas depressivo-ansiosos sejam tratados agressivamente em pacientes com condições médicas crônicas, pois sua resolução pode ser acompanhada por melhora geral sintomática e uma importante diminuição no risco de mortalidade e complicações”, disse Andrade.

De acordo com a pesquisadora, ainda é preciso fazer mais pesquisas com foco na interação entre depressão, ansiedade e doenças físicas crônicas para elucidar os mecanismos pelos quais se originam as doenças:“para descobrir esses mecanismos precisamos de mais estudos. O que a gente vê é uma associação grande, mas qual é o mecanismo exatamente a gente ainda não conhece”, completa.