Conheça a saga da organização ecoativista Sea Shepherd e suas ações no Brasil

Em maio deste ano o governo costarriquenho pediu a extradição e prisão de Paul Watson, fundador da organização, por um abalroamento que ocorreu em 2002. Acompanhe o desfecho dessa história.

Filho de mãe brasileira e pai norte americano, o jovem Daniel Vairo embarcou para os Estados Unidos, onde viveria grande parte de sua vida, ainda com 15 anos de idade. Algum tempo depois decidiu ingressar na escola naval e começou a se envolver com questões ambientais. Para completar o curso precisava estagiar num navio e escolheu uma embarcação da organização ecoativista Sea Shepherd (“Guardiães dos Mares”), que mudaria para sempre o rumo de sua vida e das questões relacionadas à preservação da vida marinha no Brasil.

Paul Watson – divulgação
A Sea Shepherd Conservation Society (SSCS) foi fundada em 1977, nos Estados Unidos, por membros do Greenpeace com o objetivo de criar um movimento de caráter mais ágil, objetivo e ativista. Atualmente, a Sea Shepherd é considerada a ONG de proteção dos mares mais ativa do mundo e conta com a participação efetiva de milhares de voluntários em todo o planeta. A organização, baseada nos Estados Unidos, também tem escritórios na Austrália, Canadá, Inglaterra, Holanda, França, África do Sul e Brasil.

Em 1997, Daniel – na época já com 24 anos – e seu primo Alexandre Castro decidiram trazer a experiência da Sea Shepherd para o país. A dupla começou então a articular o que viria a ser oficialmente em 1999 o Instituto Sea Shepherd Brasil. Nessa época a organização não ainda não possuía sedes em outros países além dos Estados Unidos. A brasileira, sediada em Porto Alegre, foi a primeira. Hoje a organização está também na Austrália, Canadá, Inglaterra, Holanda, França e África do Sul.

Em águas tupiniquins

Em terras, ou melhor, águas brasileiras, a dupla de jovens optou pela autonomia e independência financeira em relação à Sea Shepherd internacional. O braço brasileiro do Instituto atua de uma maneira um pouco distinta do resto da organização. De acordo com Paul Watson, criador da iniciativa, a Sea Shepherd Brasil foi “feita por brasileiros para os brasileiros”.

Enquanto a Sea Shepherd estrangeira atua em águas internacionais, zonas marítimas que não se encontram sob jurisdição de nenhum Estado, aqui as ações ocorrem em águas territoriais, sujeitas, portanto, à legislação brasileira. A Sea Shepherd americana ganhou destaque nos jornais internacionais por suas ações incisivas como o bloqueio físico e em alguns casos até mesmo o abalroamento (choque seguido de naufrágio) de navios de pesca ilegais.

CMI (Centro de Mídia Independente)
A Sea Shepherd Brasil organiza ações de fiscalização em parceria com o Ministério Público e a Polícia Federal.

Em relação às críticas da mídia internacional e de outras organizações ambientais, Wendell Estol, diretor da Sea Shepherd Brasil esclarece: “É como se você estivesse parado no trânsito, visse um motoqueiro, por exemplo, assaltando alguém e avançasse com o carro para derruba-lo da moto, impedindo a agressão”, compara. “Posteriormente isso entrará como atenuante no julgamento do caso… Com o abalroamento de navios de pesca ilegal deveria ser a mesma coisa”, defende.

No caso específico do Brasil é diferente porque, ao menos na teoria, existem órgãos cuidando da legislação e da fiscalização das questões referentes à vida marinha. A Sea Shepherd Brasil organiza ações de fiscalização em parceria com o Ministério Público e a Polícia Federal. O monitoramento da costa é feito por carros, embarcações e em alguns casos até mesmo helicópteros.

Divulgação
O Instituto Sea Shepherd Brasil promove cursos como o de Salvação de Animais Marinhos em Caso de Derramamento de Petróleo.

Outro segmento forte das iniciativas nacionais da organização é a educação. O Instituto Sea Shepherd Brasil promove cursos como o de Salvação de Animais Marinhos em Caso de Derramamento de Petróleo em Florianópolis, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Também são promovidas ações de conscientização em escolas, praias e campeonatos de surf, quando são montadas tendas para a distribuição de material específico e formação de crianças e adultos.

Uma indústria a serviço da destruição

Em maio deste ano o governo costarriquenho pediu a extradição e prisão de Paul Watson, fundador da organização, por um abalroamento que ocorreu em 2002. Na época, o navio da Costa Rica “Varadero” praticava o finning (veja box) em águas Guatemaltecas quando foi interceptado por uma embarcação do Sea Shepherd, capitaneada por Watson. Os “guardiães dos mares” solicitaram que a embarcação parasse com a pesca predatória e retorna-se ao litoral, mas diante de seguidas negativas optaram pelo abalroamento para cessar as atividades ilícitas.

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O finning é um tipo cruel de pesca de tubarões em que apenas as barbatanas são aproveitadas e o corpo do animal é jogado de volta ao mar para uma morte agonizante. Isso acontece devido ao alto valor desta parte do corpo do bicho que, segundo algumas culturas orientais, tem poder afrodisíaco. Um quilo de barbatana vale mais de U$ 200 e um prato de sopa feita a partir delas pode custar até U$ 400. Já o quilo da carne do tubarão rende apenas U$ 2 no mercado internacional, por isso não vale à pena para os caçadores o transporte da carcaça inteira.

Apesar de a Costa Rica proibir a prática de finning em seu território, a região é um dos principais entrepostos do comércio internacional de barbatanas. De acordo com Wendell Estol, diretor da Sea Shepherd Brasil, o mercado clandestino de barbatanas movimenta carca de 5 bilhões de dólares por ano. Em 2011 – data em que o processo por danos materiais iniciado pela Costa Rica na ocasião do incidente já teria prescrito – o país da América Central resolveu retomar a ação dessa vez alegando tentativa de homicídio.

Ao longo de seus 35 anos de atividade o Sea Shepherd já afundou 10 navios baleeiros e impediu diversos barcos de dar continuidade à pesca ilegal inclusive do atum-azul, espécie ameaçada de extinção. Mas durante esse mesmo período não foi registrada uma morte humana sequer durante as intervenções.

Em maio deste ano, Watson, que estava na Alemanha ministrando cursos e palestras, foi preso. O ator Pierce Brosnan (ex 007 e uma das muitas celebridades apoiadoras da Sea Shepherd) pagou a fiança para que Watson respondesse ao processo em liberdade. Quando o período da prisão preventiva estava se esgotando, o Japão – um dos maiores exploradores mundiais da pesca ilegal – decidiu engrossar o coro. Entrou com um novo pedido de extradição, dessa vez para terras nipônicas, onde o ecoativista não teria direito a uma defesa justa e ficaria incomunicável. Watson decidiu partir. E há cerca de dez dias está foragido.

Clara Caldeira

Por Clara Caldeira

Jornalista, escritora e pesquisadora, especialista em gênero e meio ambiente. Apaixonada por literatura e pelas artes oraculares, está sempre em busca de formas de conectar seus estudos e suas paixões.