Leia trecho do livro “O que é meu é seu”

Confira o capítulo “Consumindo Tudo” do livro “O que é meu é seu” – de Rachel Botsman e Roo Rogers. A dupla criou o site www.collaborativeconsumption.com “para que se torne um repositório colaborativo de ideias”. A obra, em breve, será lançada no Brasil.

Consumindo tudo
Na sexta-feira, 28 de novembro de 2008, Jdimytai Damour, 34, segurança temporário da Wal-Mart, foi pisoteado até a morte às 5h da manhã por uma avalanche de compradores enlouquecidos. A multidão de mais de 2 mil pessoas estava se reunindo em frente à loja de Valley Stream, em Nova York, desde às 9h da noite anterior junto de um cartaz que dizia: “Fila para a blitz começa aqui”. Quando amanheceu, essas pessoas estavam gritando: “Empurrem as portas!”.

De acordo com testemunhas, as portas se estilhaçaram com o peso da multidão correndo para frente, massacrando Damour, um homem grande, com mais de 120 quilos, que estava fazendo seu melhor para manter a multidão sob controle. O que a multidão estava tão louca para comprar?

As ofertas prometidas dentro da loja incluíam a mais recente HDTV de plasma com 50 polegadas, em liquidação por US$798. Os compradores também empurraram os médicos da emergência que vieram ajudar e pisaram neles. Damour foi declarado morto por asfixia pouco depois das 6 da manhã. Inacreditavelmente, depois que policiais declararam que a loja estava fechada porque era cenário de um crime, as pessoas continuavam a comprar.

Algumas até se recusaram a sair, gritando: “Esperei na fila desde ontem de manhã!”. No dia seguinte, quando esta mesma loja da Wal-Mart reabriu, uma multidão se formou novamente.

Os policiais ainda não concluíram o caso de homicídio involuntário de Damour, mas relatórios indicam que “houve tantas causas que contribuíram para esta tragédia” que será difícil atribuir uma culpa individual. Não importa quem seja o responsável pelo incidente, o terrível fim de Damour é uma triste e arrepiante metáfora da nossa cultura em geral – uma multidão de consumidores exaustos derrubando as portas e atropelando pessoas simplesmente para comprar mais coisas.

Hiperconsumo
O economista e sociólogo norueguês Thorstein Veblen foi o primeiro a cunhar o termo “consumo conspícuo”, em 1899.1 Ele usou o termo para descrever os novos ricos, uma classe emergente durante o século XIX, composta de pessoas ansiosas para mostrar sua riqueza e seu poder social.

Elas gastavam prodigamente em bens visíveis, como joias e roupas, para mostrar que eram prósperase se diferenciar das massas. Nesse sentido, os novos ricos, assim como seus correspondentes nas civilizações mais antigas de Roma, Grécia e Egito, compravam e consumiam bens pela autopropaganda, tanto quanto, senão mais do que, pela utilidade.

O que nos interessa mais não é o status de luxo ou o lado elitista do consumo conspícuo que Veblen mencionou, mas sim, o excesso de consumo de massa voraz que começou na década de 1920 e explodiu em meados da década de 1950. Chamamos a aquisição interminável de mais coisas em quantidades cada vez maiores como “hiperconsumismo”, uma força tão grande que já existem mais centros comerciais do que escolas de ensino médio nos Estados Unidos.
Há agora mais de 16 metros quadrados de shopping para cada homem, mulher e criança nos Estados Unidos.3 Nosso desafio não é o princípio fundamental do consumidor em si, mas a linha obscura entre a necessidade e a conveniência, o vício inebriante de definir uma parte tão grande de nossas vidas pela propriedade e a interminável lista de coisas que “temos que ter”.

E o hiperconsumo nos trouxe a um lugar onde o custo real de uma oferta é que alguns consumidores pisotearão um homem em busca de um “bom negócio”. Existem quatro grandes forças que têm desempenhado um papel fundamental na manipulação e no estímulo ao hiperconsumo: o poder de persuasão, a cultura de comprar agora e pagar depois, a lei dos ciclos de vida, e o fator “apenas mais um”.

Estas forças de alguma forma explicam o motivo pelo qual nós consumimos na taxa e da maneira como fazemos e ajudam a responder a pergunta: como acabamos com tanta coisa?

Poder de persuasão

Em 1917, Edward Bernays, de 26 anos, foi trabalhar para o presidente Woodrow Wilson. Sua primeira tarefa foi ajudar a formar o Comitê de Informação Pública com os famosos jornalistas políticos Walter Lippmann e GeorgeCreel. Naquela época, a palavra “propaganda” foi  anhando uma conotaçãosinistra no Ocidente devido à sua associação com o comunismo e, então, Bernays cunhou o termo “relações públicas” como uma alternativa positiva. O comitê criou o slogan irresistivelmente patriótico “Tornar o mundo seguro para a democracia” a fim de influenciar os Estados Unidos, com poucas armas, a ter um delírio antialemão e ir lutar na Primeira Guerra Mundial.

Eles usaram jornais, cartazes, rádio, telégrafo, cabo e filmes para transmitir esta mensagem. Após a guerra, Bernays, como muitos gurus políticos de RP da época, foi à Avenida Madison, onde aplicou seu talento para influenciar as massas ao setor emergente da propaganda. Ele recebeu uma carta do seu tio Sigmund Freud pedindo dinheiro. “Não gosto de ter de lhe pedir este favor, mas os tempos estão difíceis na Áustria e minha pesquisa não foi bem recebida até agora. Será que existe alguma forma de você me emprestar uma quantia em dinheiro para ajudar a cobrir algumas despesas recentes?”, Freud escreveu.

Bernays, sabendo que o tio gostava de charutos, colocou uma caixa fechada de charutos cubanos junto com o cheque. Grato pelo empréstimo e pelo presente, Freud enviou a Bernays uma cópia do seu livro inédito, Uma Introdução Geral à Psicanálise. No livro de seu tio, Bernays encontrou a sustentação científica para suas ideias sobre o poder das emoções para persuadir.

A obra reforçou sua crença profunda de que é possível manipular o comportamento dos consumidores por meio da ligação com eles em um nível subconsciente profundo, especialmente os seus impulsos de agressividade e sexualidade.

Para conseguir fazer com que as pessoas queiram coisas, o desejo deve estar vinculado a padrões humanos rudimentares, ou seja, o que admiramos, o que desprezamos, o que amamos e o que odiamos e tememos.

Ele ficou tão impressionado, na verdade, que tomou providências para que o livro do seu tio fosse publicado nos Estados Unidos. Freud tornou-se famoso, e, em menor grau, Bernays também, como pai da manipulação.

Bernays compreendeu o poder da psicologia para projetar campanhas públicas de marketing eficazes. “Se compreendermos o mecanismo e as razões da mente voltada para o grupo, não é possível controlar e organizar as massas de acordo com nossa vontade sem que elas saibam?”, Bernays escreveu

Se ele conseguisse abordar o desejo das pessoas de se sentirem bem, fortes e sensuais, ele poderia vender praticamente qualquer coisa; ele orgulhosamente denominou seu conceito de “engenharia de consentimento”, o que chamamos de poder de persuasão. Do sabonete a seda, até mesmo do bacon a ações de Wall Street, Bernays fez com que os consumidores adquirissem não o que eles precisavam, mas sim, o que eles desejavam, conectando não apenas com quem o consumidor é, mas também com quem ele gostaria de ser.

Ele percebeu que o poder neste princípio era que os desejos não realizados não têm ponto fixo. Uma das suas técnicas favoritas para influenciar os desejos dos consumidores era utilizar apoios indiretos de terceiros. “Se você conseguir influenciar os líderes”, ele propôs, “com ou sem sua cooperação consciente, você automaticamente influenciará o grupo que eles influenciam”. Por meio de técnicas como estas, ele não apenas mudou o que as pessoas compravam, mas também transformou hábitos sociais tradicionais.

Na metade da década de 1920, apesar da ampla popularidade dos cigarros, não era considerado aceitável as mulheres fumarem em público. A AmericanTobacco Company contratou Bernays para mudar esta norma social.

Ele percebeu que o verdadeiro desejo para as mulheres não eram os cigarros em si, mas a liberdade de fazer as mesmas coisas que os homens. Durante a Parada de Páscoa de Nova York, em 1929, ele conseguiu que um grupo de jovens debutantes atraentes, inclusive sua própria secretária, Bertha Hunt, marchasse com sua melhor roupa de domingo. Ao sinal de Bernays, todas as mulheres acenderam um cigarro Lucky Strike.

O comunicado de imprensa de Hunt descreveu a marcha como “acendendo as tochas da liberdade” nos interesses da igualdade entre os sexos. E, sendo o mestre de RP, Bernays fez com que meios de comunicação no mundo todo cobrissem o evento. A ideia era que qualquer pessoa que fosse contra a ideia de as mulheres fumarem pareceria ser contra a liberdade delas. Apesar de isso não ter eliminado completamente o tabu contra o fumo entre as mulheres, a quantidade de mulheres que começou a fumar disparou (as receitas da American Tobacco deram um salto de US$32 milhões apenas em 1928).

Nas suas memórias, Bernays escreveu: “Foi neste dia que eu aprendi que hábitos antigos poderiam ser quebrados por meio de um apelo dramático, disseminado pela rede de meios de comunicação”.

Quando você leva em consideração que a pessoa média vê mais de 3 mil mensagens publicitárias por dia, não é surpreendente que tenhamos nos tornado tão seduzidos pelo impulso do novo e pelo desejo de adquirir mais. Influenciadores como Bernays faziam parte de uma força maior, que desenvolveu e reforçou um sistema que convertia os desejos dos consumidores em necessidades e em hábitos quotidianos.

O efeito Diderot

Em 1919, uma propaganda da loja de departamentos Sears estimulava: “Use sua eletricidade para mais do que apenas luz”. Antes da Primeira Guerra Mundial, o domicílio médio não tinha uma torradeira elétrica, um liquidificador nem uma máquina de lavar louças ou coleta de lixo eletrônico. As famílias utilizavam outros meios, mesmo que levasse um pouco mais de tempo para torrar uma fatia de pão ou para lavar os pratos.

A revolução do consumo mal tinha começado, mas nós aprendemos a precisar e a depender destas engenhocas. Hoje poucas pessoas negam que estes produtos facilitam nossa vida, e a maioria de nós os utiliza todos os dias. Mas por volta da mesma época, engenhocas supérfluas também entraram na cozinha, como o cortador em espiral e outras ferramentas para ornamentação tão específicas quanto boleadores de melão. Se alguma vez você já fez filamentos em espiral, cordões ou fatias finas a partir de vegetais como pepinos, provavelmente você usou um cortador em espiral.

Os anunciantes não apenas afirmavam que o cortador era a maneira “inteligente, fácil e sofisticada” de acrescentar cor a travessas de carne e de tornar vegetais monocromáticos e sem graça, como cenouras, “mais atraentes”, mas eles também argumentavam no sentido da saúde, tentando convencer as mães de que o corte decorativo era uma maneira de fazer com que as crianças comessem mais vegetais.

Produtos como estes, que nunca seriam considerados uma necessidade, marcam a travessia de uma linha fundamental: a linha de precisar de uma nova invenção por motivos racionais, como higiene e segurança, pela de precisar por motivos do tipo “você nunca sabe quando vai precisar”, planejados pelos anunciantes.

Quando você pensa que ferramentas de decoração foram lançadas há aproximadamente 90 anos, começa a fazer mais sentido como as cozinhas de hoje em dia ficaram cheias de itens, como máquinas de sorvete, máquinas de pão, pincéis para cogumelos, fontes de fondue de chocolate, máquinas de pipoca, preparadores de chá gelado e cortadores de morangos.

A maioria de nós compra estas engenhocas por impulso, possivelmente aprende como elas funcionam, usa uma vez e gasta mais tempo procurando um bom lugar para guardá-las, até admitir que nunca fará sorvete caseiro e que gasta mais tempo tentando descobrir como se livrar delas.

Em 2009, uma casa média no Reino Unido continha 25 eletrodomésticos – um aumento de 60% apenas nos cinco anos anteriores. Como perdemos de vista nossas verdadeiras  necessidades? No seu artigo “Regrets on Parting with My Old Dressing Gown,” o escritor

francês do século XVIII Denis Diderot conta a história de como um lindo robe vermelho dado de presente por um amigo mudou sua casa.

Encantado com seu presente, Diderot jogou fora o antigo robe que tinha usado durante vários anos. Mas em pouco tempo, seu prazer se azedou, uma vez que ele começou a sentir como se suas posses e as coisas em volta dele estivessem desgastadas em comparação com seu novo robe. Um a um, ele substituiu os móveis conhecidos, mas gastos, do seu escritório. Ele trocou sua antiga cadeira, por exemplo, por uma poltrona coberta com couro marroquino. E a velha escrivaninha instável? Também saiu.

Uma escrivaninha nova e cara apareceu. Até mesmo as queridas gravuras que tinham ficado penduradas na sua parede durante vários anos foram retiradas para dar lugar a gravuras novas e mais caras, que combinavam com a elegância do novo robe. “Eu era o mestre absoluto do meu robe antigo”, escreveu Diderot, “mas me tornei escravo do meu robe novo”.

Atualmente, os pesquisadores de consumo chamam este tipo de troca de efeito Diderot. Da mesma maneira que o novo robe de Diderot teve o efeito inesperado de “obrigar todas as outras coisas a se adequarem ao seu tom elegante”, nós fomos convencidos desde a década de 1920 de que precisamos de grupos de posses complementares (cor, estilo, ou atualidade de um item).

A Ralph Lauren ocupará todo um andar da Bloomingdale’s para vender um universo contido em si próprio a fim de nos convencer da necessidade de um “ambiente doméstico total”. Os compradores podem adquirir papel de parede, copos, lençóis, tapetes, chinelos e, sim, até mesmo um robe da Ralph Lauren combinando.11 De maneira semelhante, quando as mulheres foram expostas a um anúncio na Good Housekeeping ou no Ladies’ Home Journal para, digamos, uma chaleira elétrica Swan, no fundo estava a cozinha “ideal” com a dona de casa perfeita cercada da sua torradeira elétrica, da sua frigideira e da sua máquina de lavar louças Swan e assim por diante.

Não se tratava de comprar a chaleira em si, mas de desejar o estilo de vida completo transmitido na foto. Há uma cena no filme vencedor do Oscar de 1999, Beleza Americana, em que o personagem principal Lester (interpretado por Kevin Spacey) começa a se rebelar contra sua vida sem originalidade. Em uma narração, ele zomba do materialismo da sua esposa Carolyn, que trabalha no seu jardim de rosas.

Ela aparece vestindo uma roupa combinando. Lester comenta: “Essa é minha esposa, Carolyn. Você vê como o cabo das suas tesouras de poda combina com seus tamancos de jardinagem? Isso não é por acaso”.

Esta imagem materialista de como deveria ser a vida começou a ser incorporada em todo lugar – filmes, rádio, revistas, discursos políticos, propaganda – e tudo foi embalado na famosa ideia do sonho americano. O conceito do sonho americano, e a imagem da casa perfeita no subúrbio que o acompanhava, tornou-se uma parte tão inerente do tecido de cultura e até mesmo um anúncio global para o resto do mundo sobre a forma de viver, que passou a ser não americano contestá-lo.

Douglas Rushkoff comenta em Life Inc.: “Era menos importante para esta vida fornecer uma satisfação efetiva do que ela produzir uma classe de pessoas que se comportassem como se elas estivessem satisfeitas”.

Este desejo criou uma pressão incontrolável para comprar mais coisas. Agora a barreira que as empresas precisavam superar era oferecer às pessoas uma forma fácil de pagar por ela.

Compre agora, pague depois Richard Feinberg, professor de psicologia do consumo na Purdue University e pioneiro em economia comportamental, estuda há muito tempo a influência de cartões de crédito sobre nossas decisões. Uma das primeiras experiências que ele realizou, com a ajuda de um restaurante local, envolveu registrar o valor da conta, o tamanho da gorjeta e o método de pagamento – dinheiro ou cartão de crédito – de 135 clientes.

Ele descobriu que pessoas que pagavam com cartão de crédito deixavam gorjetas 2% maiores do que aquelas que pagavam com dinheiro. Para ter certeza de que isso não era simplesmente um caso do cliente que pagava com cartão de crédito ser mais rico do que o cliente que  agava com dinheiro (ou vales refeições de empresas), Feinberg em seguida fez uma experiência controlada em um laboratório.

Ele mandou aleatoriamente um grupo de estudantes da graduação para um laboratório com cartazes e logomarcas da MasterCard colocados intencitonalmente no canto. Ele disse aos sujeitos que esta parafernália era para outra experiência e para não prestar atenção nela.

Um segundo grupo controlado não tinha nenhum material relacionado a cartões de crédito. Ele mostrou aos dois grupos de participantes fotos idênticas de diversos produtos, como um vestido, uma barraca e uma máquina de escrever. Para cada item ele perguntou: “Quanto você estaria disposto a pagar por isso?”. Notavelmente, os participantes de Feinberg expostos à logomarca vermelha e amarela (apesar de terem sido alertados para a ignorarem) estavam dispostos a pagar até três vezes mais pelos produtos em comparação com o grupo de controle.

O estudo mostrou que a simples exposição de uma imagem de uma logomarca de cartão de crédito é suficiente para afetar o quanto as pessoas estão dispostas a pagar. Feinberg também descobriu que os estudantes respondiam as perguntas mais rapidamente na sala do grupo MasterCard, o que indica que as pessoas pensam menos ou por menos tempo quando gastam com plástico.

As experiências de Feinberg, por mais reveladoras que fossem, não envolveram pessoas tomando decisões sobre compras verdadeiras. A fim de complementar esses resultados, os economistas do MIT Drazen Prelec e Duncan Simester realizaram um estudo em 2001, com base em lances reais de mercadorias reais (depois o estudo, foi adequadamente chamado de Sempre Saia de Casa Sem Ele).

Os estudantes de MBA do MIT participaram de dois leilões verdadeiros, sendo que um deles era de dois ingressos para um jogo do Boston Celtics e o outro de ingressos para um jogo do Boston Red Sox. Saiba que os ingressos para o jogo do Celtics não eram comuns: eles eram para o último jogoda temporada regular contra o Miami Heat, em que o Celtics tinha que vencer para garantir o título da divisão. Os ingressos estavam esgotados com bastante antecedência e só podiam ser comprados de cambistas. Já os ingressos para o jogo do Red Sox eram para um jogo da temporada regular de beisebol contra o Toronto Blue Jays.

Os estudantes que serviram como voluntários para a experiência se apresentaram em uma sala de aula na hora do almoço e receberam uma folha de papel que descrevia os prêmios e as instruções sobre como registrarem seus lances.

Não foram dadas informações sobre valores de mercado para nenhum dos prêmios, mas as descrições diziam o seguinte: “dois ingressos na terceira fila do balcão para o jogo entre Celtics e Miami, no domingo, dia 19 de abril”. Os estudantes foram orientados a não discutirem suas respostas ou qualquer outra coisa sobre a folha de lance. Sem que os participantes soubessem, duas versões diferentes foram entregues de maneira aleatória.

Metade das folhas afirmava que os vencedores teriam que pagar em dinheiro, a folha  condição em dinheiro”. Ela incluía uma observação de que eles precisariam indicar se tinham “acesso imediato a um caixa eletrônico local”. A outra folha estipulava que o pagamento teria que ser feito com um cartão de crédito.

Os resultados foram claros. Os estudantes que concordaram em pagar com dinheiro deram um lance médio de US$28,51 pelo ingresso para o jogo do Celtics, mas os estudantes que concordaram em pagar com cartão de crédito deram um lance médio de US$60,24 – um incrível ágio de 113% em relação aos lances em dinheiro.

O resultado para os ingressos do jogo do Red Sox mostrou o mesmo padrão, mas o ágio de preço para o lance com cartão de crédito em relação ao lance em dinheiro foi menor, da ordem de 76%, talvez porque estes lugares não fossem tão desejados ou tão raros. Os alunos que deram lances com cartões de crédito foram menos capazes de conter seu desejo e foram mais imprudentes com seus lances?

E levando-se em consideração que os lances foram para itens de um valor incerto, até que ponto esta experiência se aplica ao mundo de bens com uma etiqueta de preço? Dilip Soman, professor de marketing da Hong Kong University of Science and Technology, elaborou um estudo para observar exatamente esta questão.

Soman abordou 41 estudantes depois de eles fazerem compras na livraria do campus e pediu para que eles lembrassem a quantia exata que haviam gastado. Dos que pagaram com cartão de crédito, apenas 35% conseguiam lembrar a quantia. Os restantes ou falaram um número muito abaixo da quantia real ou confessaram que não faziam ideia.

Estas experiências parecem demonstrar como os cartões de crédito – ou até mesmo apenas símbolos de cartão de crédito – alteram nossa percepção do valor de um produto. Mas elas ilustram dicas mais profundas sobre o que se passa em nossos cérebros quando compramos. Quando o dinheiro sai das nossas mãos de maneira tangível, ficamos mais conscientes de que estamos gastando dinheiro do que quando usamos um cartão.

O que economistas como Feinberg, Prelec e Simester mostraram é que cartões de crédito, ao contrário, tornam a transação menos “real”, separando o ato da compra do pagamento. Os especialistas em comportamento chamam este fenômeno de “desconexão”. Talvez seja esta desconexão que explique o motivo pelo qual os cartões de crédito tornaram-se os possibilitadores finais ou, mais precisamente, tranquilizadores do ato de comprar?

De fato, experiências com imagens do cérebro indicam que o córtex insular, a região do cérebro associada com vícios e sensações negativas, tem menos atividade quando as pessoas pagam com cartões de crédito do que quando elas pagam em dinheiro. George Loewenstein, neuroeconomista na Carnegie Mellon, observa que “a natureza dos cartões de crédito garante que seu cérebro seja anestesiado contra a dor do pagamento”.

É difícil imaginar a vida antes dos cartões de crédito. Muito ao contrário do comportamento de compras que este dispositivo de plástico passou a facilitar, a ideia básica para o cartão de crédito foi inventada por um indivíduo, não por uma corporação, e isso ocorreu por uma razão prática. Em 1949, Frank McNamara, chefe da Hamilton Credit Corporation, levou seus sócios para jantar no Major’s Cabin Grill, na cidade de Nova York.

A conversa deles girou em torno dos problemas de um cliente que tinha tomado dinheiro emprestado da Hamilton Credit, mas que agora não conseguia pagar de volta. Quando chegou a conta, era a vez de Frank pagar, mas ele percebeu, constrangido, que ele havia deixado a carteira no bolso de outro terno em casa. Ele ligou para sua esposa e pediu para ela ir de carro até o restaurante e lhe trazer dinheiro, jurando para si próprio que ele nunca mais deixaria este erro acontecer de novo.

Neste momento ele pensou sobre o cliente da Hamilton em dificuldade que não conseguia pagar suas dívidas e sobre o seu próprio constrangimento pessoal. “E se houvesse alguma forma de pagar a conta sem precisar de dinheiro vivo?”, Frank refletiu. Inspirado dessa forma, Frank desenvolveu o primeiro cartão de crédito para dois titulares, o Diners Club, e assim nasceu o cartão de crédito.

No setor de cartão de crédito, este jantar costuma ser chamado de “A Primeira Ceia”. Em apenas um ano, 20 mil pessoas passaram a ter cartões. Cinco anos depois, esse número tinha sido multiplicado por dez. Outros bancos perceberam a popularidade deste novo dispositivo para pagamento, mas a ideia só ganhou apelo popular em 1957. Foi nesse ano que a nação ficou obcecada com a história do Sr. Harold Bortzfield e sua esposa de Lancaster, na Pensilvânia, que partiram em uma viagem de volta ao mundo em 30 dias apenas com uma passagem de avião e um cartão de crédito Diners Club.

Pouco tempo depois a American Express lançou o primeiro cartão de crédito de “finalidade geral” do tipo “não saia de casa sem ele” feito de plástico e, em seguida, veio o “domine o momento” da MasterCard, o “está em todo lugar que você quer estar” do Visa e assim por diante. O ponto de virada fundamental na história dos cartões de crédito foi quando a American Express lançou a opção de manter um crédito rotativo, em 1959. Os proprietários de cartões não precisavam mais pagar suas faturas na íntegra e podiam carregar um crédito de um mês para o próximo.

Joe Nocera escreve em seu livro A Piece of the Action: How the Middle Class Joined the Money Class: “Foi assim que os americanos começaram a gastar um dinheiro que eles não tinham e foi assim que o inviável financeiramente tornou-se viável”. Entre 1989 e 2001, tanto o crédito quanto o débito quase triplicaram, disparando de US$238 bilhões para US$692 bilhões. Em 2007, já estava em $937 bilhões. A equação é simples: quanto mais crédito tivermos, mais coisas poderemos comprar, mais recursos serão consumidos e mais lixo será criado. O cartão de crédito (ou, mais especificamente, a dívida do cartão de crédito) tornou-se um símbolo tão forte da vida americana quanto a torta de maçã, sendo que os cidadãos americanos possuem mais de 1,3 bilhão de cartões. Existem mais de quatro cartões de crédito para cada americano.

Já os chineses possuem apenas 5 milhões de cartões de crédito para uma população de 1,2 bilhão. Na Europa Ocidental, existe apenas 0,23 cartão de crédito por pessoa.

Pense na sua própria fatura de cartão de crédito por um segundo (isso se você não for aquela pessoa em cada quatro que nunca viu sua fatura). Quais são as quatro informações lógicas que faltam nela? Você provavelmente adivinhou as duas primeiras: seu extrato de juros e de encargos pagos. Mas e quanto à taxa de juros em si e ao tempo que levará para você quitar sua dívida com seu pagamento mínimo mensal? Essa informação que falta começa a explicar o motivo pelo qual a família média arca, muitas vezes sem saber, com US$8.

Mil de dívida (em mais de oito cartões) e paga US$1 mil por ano só de juros e encargos. As cobranças de cartão de crédito da nação somam mais de US$1,8 trilhão por ano. Então, no que gastamos todo este crédito?

É claro que a maioria de nós se beneficia dos cartões de crédito em algum momento. Como diz o setor de cartões de crédito, “em muitos casos, nós fornecemos o crédito para que as pessoas abram empresas… comprem mais, tenham uma vida melhor, façam coisas que elas nunca poderiam fazer de outra maneira”.

Então, qual é o problema? Gasto acelerado, gasto insensato, gasto maior. De forma alguma estes três tipos são excludentes. É comum um consumidor ficar preso na armadilha dos três tipos de gastos. No entanto, o resultado é o mesmo e é óbvio: os consumidores gastam mais do que podem e compram coisas novas de maneira mais rápida, mais fácil e mais frequente.

O gasto acelerado é a mentalidade de compra do tipo “tenho que ter isso imediatamente” que nos leva a fazer compras que não podemos fazer.

David Laibson, economista de Harvard, afirma: “Nosso cérebro emocional quer estourar o limite do cartão de crédito, pedir sobremesa e fumar um cigarro. Quando ele vê alguma coisa que quer, ele tem dificuldade de esperar para comprá- la”.

Os cérebros da maioria das pessoas não estão programados para fazer o cálculo do “compre agora e pague depois”, à medida que batalhamos para compreender os princípios do crescimento exponencial (que é exatamente o que são os juros do cartão de crédito). Jonathan Zinman, professor de economia no Dartmouth College, utiliza um velho problema para ilustrar este ponto.

Imagine um tabuleiro de xadrez com US$1 na primeira casa, US$2 na segunda, depois US$4, US$8, US$16 e assim por diante. Quantos dólares teremos na última, a 64ª casa? Se você for como nós, seu cérebro nem tentará descobrir, mas o instinto sugeriria que teríamos em torno de US$100 mil. Na verdade, a 64ª casa contém US$9 mil quatrilhões.

Quando tomamos dinheiro emprestado para comprar algumas coisas agora, nós não levamos em conta os juros acumulados. Nosso cérebro não consegue computar o custo das nossas ações, pelo menos no momento.

O gasto insensato é do tipo “não sei no que gasto meu dinheiro”, que pode tomar a forma de vagar sem destino pelo shopping ou entrar em lojas na hora do almoço e voltar para casa com coisas que você nunca pretendia comprar. O momento em que uma pessoa se transforma de um consumidor consciente, comprando um item específico, em um comprador por impulso foi chamado de Transferência Gruen, referente ao arquiteto Victor Gruen, que construiu o primeiro shopping center em 1956.

A visão original de Gruen para o shopping center era criar um “ambiente idílico de compras” e um “cerne da comunidade”

– Um grande plano bem distante do labirinto desorientador e esparramado que vivemos hoje. O gasto mais recente e maior se traduz em “preciso comprar isso porque é maior (ou menor), melhor, mais rápido ou até mesmo mais novo”. Na maioria dos casos o produto existente ainda funciona, porém, não consegue realizar nosso desejo de ter a versão mais recente disponível.

Tendemos a valorizar mais qualquer coisa que seja nova e original do que o que é velho, durável ou usado. Esta tendência não se afasta muito da “utopia” descrita pela fantasia clássica de Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo, em que as crianças são doutrinadas a consumir desde o seu nascimento.

A novidade como característica é algo a ser apreciado.31 No mundo imaginário de Huxley, estas crianças são condicionadas por professores que sussurram nos seu ouvidos enquantoelas dormem: “Adoro ter roupas novas. Terminar é melhor do que remediar…

Roupas velhas são horríveis. Nós sempre jogamos fora roupas velhas… Quanto mais costura, menos riqueza; quanto mais costura…”.32 A filosofia de Mustapha Mond, o ditador de Admirável Mundo Novo, é: “Não queremos que as pessoas se sintam atraídas por coisas velhas. Queremos que elas gostem das coisas novas”.

Lei dos ciclos de vida

Agora os telefones celulares alcançaram o status duvidoso de terem o menor ciclo de vida de qualquer produto de consumo eletrônico.33 A pessoa média nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha descarta seu celular em até 18 meses após a compra, apesar de eles durarem 10 anos, em média. (No Japão, o período entre a compra e o descarte é de apenas um ano). Todo ano mais de 130 milhões de telefones celulares que ainda funcionam são aposentados nos Estados Unidos e 15 milhões no Reino Unido. Apenas uma pequena fração de aparelhos é remontada para ser usada novamente.

O iPod não está muito atrás do telefone celular para reivindicar o título de “menor ciclo de vida”. Para um produto lançado em 2001, é notável que, em 2009, ele já tinha passado por seis “gerações” do primeiro modelo “clássico” (e isso não inclui nem mesmo os agregados da família como o Shuffle, o Nano, o Mini e o Touch). Se você fosse um daqueles consumidores que “se atualiza” em relação a cada novo iPod lançado no mercado de 2001 a 2009, agora você teria 18 iPods.

Somos viciados em produtos novos. De acordo com Colin Campbell, professor de sociologia da University of York no Reino Unido, nós sofremos de “neofilia”. Campbell argumenta que a busca por novidades é um fenômeno novo.

“Sociedades pré-modernas tendem a suspeitar do que é novo. Trata-se de uma característica da modernidade nós sermos viciados em novidades”. Modas do período medieval mudaram lentamente e pouco ao longo de mil anos. O vestuário era principalmente uma questão de necessidade em vez de uma moda em constante transformação.

As histórias dos fundadores do setor automobilístico, Henry Ford e Alfred P. Sloan, ilustram uma linha divisória entre o conforto com o testado e aprovado e a busca sem fim pelo novo. Um acreditava em uma economia de hipertiroidismo que só poderia ser sustentada por meio de uma demanda constante de novos bens pelo consumidor, enquanto o outro, o mestre da produção em massa, inicialmente rejeitou o consumo repetitivo alimentado pela força.

Henry Ford aprendeu os valores honestos de viver tranquilamente no campo em uma pequena fazenda em Dearborn, um pequeno município rural a oeste de Detroit. Ele passou a maior parte da sua infância cuidando dos campos e ordenhando vacas. Mas ficou claro, desde cedo, que Henry não seria uma mão de obra camponesa para sempre. Com efeito, ele era talentoso em matemática e adorava mexer com todo tipo de máquinas, especialmente relógios de pulso.

Ao fundar a Ford Motor Company, em 1901, Ford sabia que ele queria fazer com que todos pudessem ter um carro. Ford, comprometido com a mudança social, acreditava que uma abordagem do tipo “tamanho único” em relação a carros poderia ser um grande nivelador de classes. Ele realizou este sonho com o lançamento do primeiro Modelo T, em 1908, um carro que era simples de dirigir, barato, fácil de consertar e durável.

Alfred Sloan, ao contrário, teve uma criação rica e privilegiada em New Haven, Connecticut. Ele estudou engenharia elétrica no MIT, onde os estudantes aprendiam a se concentrar na invenção da “próxima grande coisa”. Após se formar em primeiro lugar na sua turma, ele começou a trabalhar na Hyatt Rolling, uma pequena fábrica de rolimãs, que a General Motors adquiriu em 1916. Aos 26 anos de idade, ele tornou-se presidente quando seu pai, um   róspero empresário, comprou a empresa. Quando Sloan tornou-se presidente da GM no começo da década de 1920, ele enfrentou a ameaça de um mercado cada vez maior de carros usados e um preço cada vez menor do Modelo T. Foi mais ou menos na mesma época que ele introduziu o novo Chevrolet no mercado.

Observando como os setores de moda e têxtil estavam crescendo rapidamente ao atualizar designs, ele propôs que os consumidores trocassem de carro por uma questão de estilo, tanto quanto por melhorias tecnológicas, muito antes dos seus carros se desgastarem. Ele convenceu sua equipe a mudar o estilo da carcaça do que era essencialmente uma peça de tecnologia com nove anos de idade sob o nome de “inovação do produto”.

O Chevrolet foi um sucesso notável e aí nasceu a ideia da “obsolescência percebida” e de “mudar por mudar”. Agora a obsolescência foi desenvolvida não apenas para o produto em si, mas também para nossas mentes. A GM chegou a definir sua estratégia como “atualizações” cosméticas coreografadas para “manter o consumidor insatisfeito”.

Em 1929, Charles Kettering, diretor de pesquisa para Sloan, escreveu um artigo declarando que “a chave para a prosperidade econômica é a criação organizada da insatisfação… Se todo mundo estivesse satisfeito ninguém teria interesse em comprar a coisa nova”.37 Este apelo tornou-se um conceito cada vez mais popular à medida que as empresas perceberam que elas não tinham mais um problema de produção, mas sim, de demanda.

Elas precisavam desviar sua atenção para encontrar novas maneiras de vender os produtos existentes. Durante 15 anos Ford, mostrou uma dedicação entusiasmada em insistir no design original do Modelo T (exceto por poucas e pequenas mudanças). Em 1922, ele proclamou: “Nos disseram… que o objeto do negócio deveria ser fazer com que as pessoas comprassem frequentemente e que é um mau negócio tentar fazer qualquer coisa que dure para sempre… Nosso princípio de negócio é exatamente o contrário… Nunca fazemos uma melhoria que torne qualquer modelo anterior obsoleto”.

Ford manteve a demanda de consumo ao concorrer em termos de custos, reduzindo o preço do Modelo T de US$950, em 1909, para US$290, em 1924, por meio das eficiências e da escala que se tornou possível graças à linha de montagem.38 Mas, em 1927, com a maioria das famílias tendo um carro, com a concorrência cada vez maior das “melhorias” de design generosas e contínuas da GM e com a ameaça da Grande Depressão, esta estratégia falhou.

Depois que a unidade número 15 milhões do Modelo T saiu da linha de montagem, a produção foi interrompida e surgiram carros como o Modelo A e o V-8 com diversos estilos e modelos. Henry Ford perdeu a batalha para a obsolescência.

As eficiências da produção em massa cresceram durante a Segunda Guerra Mundial. Os bens deixavam as linhas de montagem mais rapidamente do que podiam ser consumidos, lotando os depósitos. Conforme Vance Packard escreve em The Waste Makers, “o desafio era desenvolver um público que sempre tivesse um apetite tão voraz quanto suas máquinas”.39 Os publicitários chamaram o tempo entre quando um produto era feito e quando ele era comprado

pelo consumidor de “defasagem”. Para reduzir esse intervalo, os fabricantes induziam as pessoas a comprar cada vez mais produtos, de maneira mais rápida, e criavam desejo até mesmo quando as necessidades do cliente já estavam satisfeitas. A obsolescência percebida, fazendo os produtos parecerem desatualizados, menos desejáveis e precisando ser trocados, foi uma estratégia dominada pelos fabricantes de automóveis, mas não foi suficiente. Os consumidores ainda controlavam seus desejos de atualizar ou melhorar.

Os fabricantes precisavam tirar esta decisão das mãos dos consumidores.

Projetando para o lixo

Em A Morte do Caixeiro Viajante¸ de Arthur Miller, Willy Loman, o vendedor envelhecido com uma firme devoção ao sonho americano, lamenta: “Uma vez na vida eu gostaria de possuir alguma coisa completamente antes de estar quebrada! Estou sempre em uma corrida contra o depósito de lixo!”. Seu desabafo continua: “A geladeira consome correias feito louca. Eles cronometram essas coisas.

Eles as cronometram de tal forma que quando você finalmente tiver acabado de pagar por elas, elas estarão desgastadas”. Willy estava experimentando as dores do “encontro da morte”, ou seja, a ideia de fazer com que o produto tenha deliberadamente maneiras diferentes de encurtar sua vida, cuidadosamente controlada pelo fabricante.

A obsolescência planejada foi um conceito sugerido pela primeira vez não por um economista, por um fabricante ou até mesmo por um publicitário, mas sim, por um corretor de imóveis de Manhattan. Em 1932, Bernard London escreveu um panfleto de 20 páginas chamado de “Encerrando a depressão por meio da obsolescência planejada”. London propôs a criação de uma agência governamental que determinaria o “arrendamento de vida” de todos os produtos manufaturados, podendo ser um carro, um pente, um navio ou até mesmo um prédio. Depois que o tempo designado expirasse, “estas coisas estariam legalmente mortas”. Os consumidores teriam uma escolha: eles poderiam abrir mão do item e receber parte do preço de um novo ou usar o produto após sua “data de vencimento” e pagar um imposto de penalidade.

Os detalhes regulatórios do conceito de London não foram cumpridos, mas o princípio da proposta foi adotado por designers de produtos na década de 1950 que começaram a “projetar para o lixo”.

Durante o século XX, o período médio de vida de um ser humano nos Estados Unidos aumentou em mais de 30 anos, sendo que 25 desses anos são atribuídos a avanços na medicina e na saúde pública.40 Ao contrário, ao longo dos últimos 50 anos, o período de vida de bens “duráveis” quotidianos, incluindo geladeiras, torradeiras e máquinas de lavar louça, diminuiu entre três e sete anos. Em 1901, a Shelby Electric Company produziu uma lâmpada do “Centenário” incandescente. A original, mais de cem anos depois, ainda ilumina a estação dos bombeiros em Livermore, na Califórnia, onde ela foi instalada pela primeira vez.

Ao contrário, em 1932, um memorando circulou na GE afirmando: “Devemos mudar a vida útil da lâmpada de 200 watts 110–120 volts PS 30 de 1000 horas… para 750 horas”. 41 A GE, assim como várias outras empresas, reduziu o período de vida dos seus produtos para aumentar as vendas.


Fator “apenas mais um”

Para várias famílias hoje em dia, a ideia de possuir uma televisão é tão estranha quanto, digamos, ter apenas um sapato. Em 2004, tanto os Estados Unidos quanto o Reino Unido superaram uma barreira notável: a casa média passou a ter mais televisões dentro dela do que pessoas (existem, em média, três televisõese 2,55 pessoas em uma casa típica).

Como é pouco provável que uma pessoa assista a duas televisões ao mesmo tempo, como somos convencidos de que precisamos de mais de uma televisão por pessoa nas nossas casas?

No final da década de 1950, os industrialistas estavam preocupados. A família Smith tinha alcançado a família Jones. Um grau da afluência de massa significava que a família americana média (e boa parte da europeia) estava satisfeita com o que ela possuía, tendo uma casa, eletrodomésticos novos e um carro. Os mercados de bens estavam ficando saturados, enquanto a demanda de consumo estava ficando cada vez mais lenta.

O comentarista social Vance Packard resumiu este fenômeno: “A forma de acabar com a fome foi produzir glutões”. Os fabricantes precisavam de pessoas não apenas para querer acompanhar a família Jones, mas, conforme Gregg Easterbrook escreveu em The Progress

Paradox, ter um desejo de “chamar e aumentar a família Jones”. Considerando-se que a maioria das pessoas tinha uma unidade de tudo, os consumidores precisavam de uma desculpa plausível para comprar “apenas mais um” de um produto que eles já possuíam e, assim, nasceu a doutrina do excedente da escolha.

O psicólogo Jonathan Haidt realizou uma experiência simples que podemos recriar aqui. Escolha uma palavra da lista a seguir que tenha mais apelo para você: restrição, limite, barreira, escolha. É provável que, assim como os participantes na pesquisa, você tenha optado pela palavra “escolha”, uma vez que as três primeiras têm conotações negativas.

Muitas vezes acreditamos, como consumidores, que quanto mais escolhas, melhor (embora seja mais do mesmo). E esta sensação está relacionada não apenas com as centenas de milhares de marcas dentre as quais temos que escolher todos os dias, mas também

com qual carro dirigir, qual televisão assistir, qual telefone ligar e até mesmo com qual banheiro usar. Como o psicólogo Barry Schwartz mostra no seu livroO Paradoxo da Escolha, a escolha nos confunde não apenas em relação a como podemos satisfazer nossas vontades, mas também em relação a quais são essas vontades.

Este efeito desorientador incerto era o que os fabricantes queriam criar. Se nós não nos sentirmos satisfeitos, a satisfação pode estar a apenas mais uma compra de distância. Em 2005, de acordo com Juliet B. Schor, professora de sociologia no Boston College, o consumidor médio comprou uma nova peça de vestuário a cada cinco dias e meio.

Quanto mais nossas casas e nossas vidas incham com coisas, mais nos sentimos pesados e presos em uma armadilha. Conforme Neal Lawson escreveu em All Consuming: “Quanto mais consumimos, menos espaço temos para ser qualquer outra coisa além de consumidores”.47 De maneira semelhante, quanto mais espaço e quanto mais tempo nós gastarmos dedicados a acumular coisas nas nossas vidas, menos espaço teremos para outras pessoas.

Nosso ímpeto por riqueza material causou a exclusão das nossas necessidades sociais mais básicas, como os vínculos de família e de comunidade, paixões pessoais e responsabilidade social. Achamos que poderíamos suprir estas necessidades por meio de compras e do acúmulo de cada vez mais coisas. Alguns críticos descrevem nossa era de hiperconsumismo como um “capitalismo autista”. Independentemente de nomenclatura, sabemos duas coisas sobre esta desordem de hiperconsumo. Em primeiro lugar, ela foi impulsionada por uma crença de que o dinheiro – e o acúmulo quase instintivo do que o dinheiro pode comprar – era igual à felicidade. A segunda coisa que sabemos é que esta desordem pode ser consertada.

O sistema de consumismo parece um fato fixo da vida moderna. Mas não é. O fato de o sistema ter sido produzido sugere que é possível remodelar essas forças a fim de criar um sistema mais saudável e sustentável com uma meta mais gratificante do que “mais coisas”.

Por Redação