“Para Arthur C. Clarke somos um único mundo,” diz Walda Roseman

O legado de Arthur C. Clarke para a ficção científica e literatura em geral é difícil de dimensionar. Autor de clássicos como “2001: Uma Odisseia no Espaço”, “Fim da Infância” e “Encontro com Rama”, ele foi o escritor que trouxe um maravilhamento com a descoberta para o gênero às vezes frio que pode ser a ficção científica. Além de apresentar questionamentos que hoje parecem mais atuais do que nunca.

Um dos principais destaques da Campus Party, tradicional evento de tecnologia que acontece em São Paulo até o dia 31, foi Walda Roseman, presidente da Arthur C. Clarke Fondation, instituição que mantém vivo o legado do autor. Durante o evento, ela conversou com o Catraca Livre sobre o poder da imaginação, espiritualidade sem religião e a importância da ficção de Arthur C. Clarke frente recente surto de xenofobia pelo qual o mundo passa.

O escritor Arthur C. Clarke: relevância dos clássicos de ficção científica frente aos tempos turbulentos atuais

Qual você considera o maior legado de Arthur C. Clarke nos dias atuais?

Ele nos dá um exemplo e um desafio de como a imaginação precisa manter sua parceria com as artes e as ciências se vamos conseguir vencer os grandes desafios que temos à nossa frente. E os pequenos também. Nós retiramos a imaginação de muito do nosso processo de decisão, porque leva muito tempo, não temos dinheiro, etc. Mas se vamos abrir a mão de algo, que não seja da imaginação.

Mesmo baseada na ciência, a obra de Arthur C. Clarke traz um senso de maravilhamento com o universo que se aproxima da espiritualidade. Como é essa conexão?

Ele falava muito de religião e a sua diferença de espiritualidade. Ele não era fã da religião como um instrumento de poder, mas ele estava aberto à possibilidade da existência de um poder maior. Ele pensava da seguinte forma: imagine que nós conseguimos provar a teoria do Big Bang e o começo do nosso universo. Comprovado isso, teríamos que responder de onde veio a energia e a matéria para esse Big Bang. Quem colocou ela ali? De onde veio esse poder todo? Ele estava aberto para a existência de Deus e do engrandecimento espiritual na música e nas artes. Mas eu não diria que ele acreditava em um Deus pessoal, que interfere diretamente na vida das pessoas.

Walda Roseman: presidente da Arthur C. Clarke Foundation na Campus Party 2017.

Como poucos escritores, ele era um cidadão do mundo, demonstrado por seu amor pelo Sri Lanka, onde morou muitos anos. Hoje, no entanto, vivemos em um mundo de crescente xenofobia. O que podemos aprender da perspectiva global do sr. Clarke?

Ele nunca negou a ideia de países. Mas ele falava e pensava muito que nós somos um único mundo. Ele acreditava que se nós formos salvar o nosso planeta precisamos ser uma humanidade unida. Ele tinha a esperança de que tecnologias como exploração espacial e fotografia cresceriam até o ponto que deixaria claro que a Terra é um ponto minúsculo no universo. E que se entendermos isso, que essa é a nossa casa, quem sabe nós nos uniríamos. Ele acreditava fortemente em uma única humanidade. Ele era um otimista e especulava que se chegarmos a esse ponto será muito difícil que o nacionalismo extremista e os déspotas perdurem.

Se Arthur C. Clarke estivesse vivo hoje, no que você acha que ele estaria trabalhando?

Ele não era político, mas tinha um interesse fervoroso pelo planeta Terra e as pessoas nele. Eu acho que ele estaria trabalhando no que ele falou em sua última mensagem gravada, em 2008 durante o Earth Day. Ele disse que nós precisamos ouvir a Terra e decidir como responder a isso. Isso é algo que acho que tomaria cada vez mais o seu interesse. E ele também lamentava que não tinha encontrado extraterrestres. Afinal ele especulou a vida inteira sobre como eles seriam.