Casa livre

A poucos metros do Minhocão, um pequeno galpão, até pouco tempo atrás abandonado, transforma-se a partir de hoje num teatro, onde o espetáculo começa na bilheteria -o espectador será convidado a pagar quanto ele avalia que vale a peça. “Pague quanto der é nosso lema”, conta Cibele Forjaz, diretora da Cia. Livre, que, desde o ano passado, comanda a ocupação daquele espaço, uma antiga marcenaria na Barra Funda.

Com essa proposta de pague-quanto-der -o que, muitas vezes, exige uma explicação aos espectadores-, os atores resolveram não só encenar mas também cobrar os ingressos. “Damos às pessoas o direito de serem protagonistas no valor dos ingressos. Se alguém achar que só pode pagar R$ 1, tudo bem.” Daí o nome do teatro, Casa Livre. O prazer de Cibele pelas artes cênicas começou aos dez anos. Ela estudava no Vera Cruz, onde leu, com amigos, o texto de uma peça contra o regime militar. “Era algo bem pesado para as crianças daquela época.” Formou-se em direção teatral na ECA (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo) e, durante dez anos, trabalhou com Zé Celso Martinez.

Ao formar seu próprio grupo (Cia. Livre), passou a alimentar o projeto de ter seu espaço de pesquisa, ensaio e exibição -um desafio e tanto para quem vivia contando cada centavo para pagar as contas da casa. Conseguiram, então, uma verba pública de fomento ao teatro para fazer a reforma, realizar os ensaios e apresentar a peça “VemVai – O Caminho dos Mortos”, que trata dos rituais de morte entre povos indígenas no Brasil. Chegaram a contratar um antropólogo que conhecia a língua da tribo dos Marumbos, na Amazônia -a peça já tinha sido encenada em outros palcos, mas foi adaptada ao Casa Livre.

Por causa da proposta do pague-quanto-der, o grupo procurou um lugar de fácil acesso, próximo do metrô e de muitas linhas de ônibus. Até que chegaram ao galpão abandonado vizinho ao Minhocão e no qual estão metidos numa reforma há seis meses -até ontem, continuavam as obras e ainda estavam tentando resolver problemas com a energia elétrica. Manter um teatro implica uma série de custos fixos. Além disso, temas como rituais de morte de povos indígenas não são exatamente campeões de bilheteria. “Nossa proposta é fazer experimentações, sabemos que isso significa muitos riscos.”
Os riscos aumentam evidentemente quando se coloca na mão da plateia a decisão sobre o valor do espetáculo. “Estamos até pensando em cobrar apenas no final, assim o valor da peça poderá ser avaliado melhor.”

Esse tipo de experiência já ensinou algo para Cibele sobre a natureza humana. Ela já fez o pague-quanto-der numa de suas peças, quando encenava em outro teatro. Do seu observatório na bilheteria, aprendeu o seguinte: “Quem pode mais paga menos. E quem pode menos paga mais”. Se no palco serão encenados os rituais de morte, na bilheteria ocorrerá o ritual da sobrevivência.