Design das presas

Hélvio Romero/AE
Detentas exibem produtos da Daspre
Créditos: AE
Detentas exibem produtos da Daspre

Marília Neustein Daguimar da Silva, de 43 anos, é louca por sandálias, adora as roupas da Fórum e da Pakalolo e nunca descuida de suas longas unhas. Elizabeth Oliveira, também de 43, prefere a M. Officer e adora as bolsas da Victor Hugo, embora seu guarda-roupa seja composto basicamente por peças das Pernambucanas, da 25 de Março e muitas calças da Helen Ganzarolli, “que são baratas, bonitas e realçam o bumbum”. A dupla integra o time de 30 “estilistas” que lança oficialmente a nova grife do mundo da moda, a Daspre, num bazar que abre as portas hoje, às 18 horas, na Rua Dr. Vila Nova, 268 (Santa Cecília), estendendo-se até dia 19.

Elizabeth e Daguimar têm outra coisa em comum além da vaidade e do gosto pela moda: são detentas. A primeira já cumpriu 12 anos em regime fechado por latrocínio – roubo seguido de morte – e vai terminar a pena – mais 10 anos – em regime semi-aberto. A segunda não pegou “cadeia alta”, apenas 3 anos, 12 meses e 10 dias por roubo e estelionato – pena que termina em março do ano que vem. Ambas lamentam que não puderam usar os próprios produtos que fabricam, já que são obrigadas a vestir o uniforme verde e branco, que são as cores do sistema penitenciário paulista. “Nos privam demais, podiam deixar a gente usar umas roupinhas diferentes. Sou uma perua”, se diverte Daguimar.

A idéia de criar a marca Daspre, abreviação de Das presas, foi de Lucia Casali, diretora-executiva da Fundação de Amparo ao Preso (Funap). “Vi uma sacola da Daslu e lembrei da Daspu. Aí, pensei: por que não Daspre?”, conta. O carro-chefe da grife são as bolsas, mas as 30 presas que trabalham no empreendimento também fazem sandálias com fuxico e caixas artesanais.

Os planos de Lucia são ousados. Além da loja “Do lado de lá”, na Rua Dr. Vila Nova, que vai exibir os produtos, ela negocia com shoppings centers. “Quero abrir uma oficina da Daspre em cada penitenciária feminina – Butantã, Tremembé…”, diz. “Para vender as caixas, estou com uma proposta do Iguatemi, da loja Raul?s. E também estou conversando com lojas do Shopping Higienópolis. Não quero fazer nada antes do final do bazar. Eles vão competir com a gente e vender pelo dobro ou o triplo do preço. Em Higienópolis, por exemplo, se eu colocar um produto por R$ 40, a loja vai vender por R$ 80. Não vamos ganhar com isso.” A Daspre inspira-se em modelos de fotos de revistas e marcas famosas. “A estampa é o segredo. Pegamos o modelo e fazemos com estampa nossa. As bolsas saem por R$ 30 e R$ 35. Uma igual custa, em lojas famosas, até R$ 180”, conta Lucia.

As presas recebem pelo serviço R$ 315 por mês, mais vale-transporte e refeição. Parte do valor é creditado automaticamente em uma poupança, que elas retiram após cumprir as penas. A Daspre conta com uma vantagem em relação às concorrentes. Tem isenção de ICMS, o que barateia o custo de produção. Além disso, reaproveitam o material: “Não é por acaso que boa parte das nossas bolsas é amarela. Quando a cor do uniforme do sistema deixou de ser o amarelo, sobraram metros de tecido que foram reutilizados”, diz Lucia Casali.

O projeto custou para o Estado cerca de R$ 100 mil e a manutenção mensal, aproximadamente R$ 20 mil. A Funap espera que o negócio traga retorno, para que, dentro de pouco tempo, possam ampliar a oferta de produtos e até roupas.

Ao saberem da criação da marca, os presos procuraram a diretora da Funap reivindicando a criação de uma versão masculina da Daspre, a Dospre. “A idéia é boa, mas ainda embrionária”, afirma a diretora.

Pedro Vensceslau
O Estado de S.Paulo

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