Um psiquiatra em cena

Por: Redação

O psiquiatra infantil Sérgio Gemignani queria se reciclar e decidiu estudar teatro, imaginando que, talvez, aprendesse uma nova técnica para se comunicar com as crianças. Sem saber, estava se preparando para inovar o ensino de medicina. “O psiquiatra aprende a não demonstrar as emoções e a ouvir. Não é o que acontece quando estamos em cima do palco, onde somos emoção pura.”

Quis, porém, tirar proveito da mistura entre o consultório e o palco. E descobriu que poderia ajudar não apenas seus pacientes, as crianças, mas também os médicos a se comunicarem com os pacientes -dar péssimas notícias, por exemplo. Assim ocorria o nascimento de um curso, usando recursos teatrais, para futuros médicos.

Filho de um mecânico de automóveis, Sérgio saiu de uma escola pública para o disputadíssimo colégio Santa Cruz, graças a uma bolsa. “Meu pai precisaria consertar carros todos os dias apenas para pagar essa mensalidade.”

Por causa de seu desempenho, o colégio se dispôs a ajudá-lo mesmo quando já estava na faculdade de medicina, na qual resolveu seguir a psiquiatria infantil.

No consultório, percebeu uma dificuldade de comunicação com certas crianças, muitas delas incapazes de parar quietas ou prestar atenção. Suspeitou que talvez o teatro o ajudasse a tratar das crianças autistas e hiperativas. Durante quatro anos, participou de um grupo amador comandado por Amilton Ribeiro, professor de artes cênicas da USP. “Não é fácil para um psiquiatra aprender a se soltar em público.”

A experiência durou quatro anos e terminou com a morte do professor Amilton. As lições do palco, porém, encaixavam-se num projeto do curso de medicina da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), conhecido pela sigla em inglês PBL (Problem Based Learning). O que significa, em essência, montar as aulas em cima de desafios a serem enfrentados no cotidiano e, a partir daí, mostrar as teorias.

Convidado a dar aulas de comunicação, Sérgio deveria trabalhar alguns desafios com alunos, como informar ao paciente que ele tem um câncer grave. Ou saber lidar com as tensões dentro de um hospital ou de um posto de saúde. “Para reproduzir essas situações, montamos e encenamos textos teatrais, em que apareceram as emoções.”

Alunos eram convidados a assumir o papel de um doente prestes a ser informado de que talvez fosse um caso terminal. “O médico precisa saber comunicar essa informação para o paciente e para sua família.”

Se todo esse treino vai funcionar, Sérgio ainda não consegue saber -nenhuma das suas turmas se formou. O que ele sabe, porém, é que os alunos ficaram mais sensíveis para ouvir melhor as emoções.