Documentário mostra a perigosa rota do tabaco ilegal

Disponível gratuitamente na internet, ‘Cigarro do Crime’ mostra como a prática financia o crime organizado

Um mercado que movimenta bilhões e ocorre no submundo da ilegalidade. O contrabando de cigarros é um negócio altamente lucrativo para a marginalidade, alimenta o crime organizado e tira do Brasil divisas que poderiam ser usadas para beneficiar a população. Para jogar luz sobre esse problema que atinge em cheio a população brasileira, foi lançado no dia 14 o documentário “Cigarro do Crime”, produzido pela Vice e dirigido pelo fotojornalista João Wainer para o Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP). A produção percorre todo o caminho do tabaco ilegal, desde as fábricas do Paraguai, de onde eles saem, até chegar ao consumidor final, no Brasil.

Documentário “Cigarro do Crime” mostra a rota do tabaco ilegal
Créditos: Reprodução/"Cigarro do Crime"
Documentário “Cigarro do Crime” mostra a rota do tabaco ilegal

Em muitos momentos, o documentário se confunde com um filme de ação. Para conseguir despistar as forças de segurança que atuam na fronteira e entrar no país com a mercadoria, os contrabandistas se valem de lanchas em alta velocidade e carros que soltam fumaça e até pregos pelas estradas. Para não serem flagrados, criam novas rotas e esquemas de fuga a todo momento, numa operação gigantesca que envolve centenas de criminosos, no Paraguai e no Brasil. O resultado são números que atingem a casa dos bilhões – R$ 10,9 bilhões foi quanto a criminalidade movimentou no ano passado e 63,4 bilhões de cigarros inundaram as cidades brasileiras neste mesmo período. Para completar, um percentual assustador: 57% dos cigarros comercializados no país atualmente são ilícitos, sendo que, destes, 49% foram contrabandeados principalmente do Paraguai, segundo o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope).

O documentário foi lançado na última quinta-feira, dia 14, e está disponível para o público de forma gratuita. Você pode assistir clicando aqui!

Quando o legal vira ilegal

Todo o esquema começa no Paraguai e de forma legalizada. Lá a taxação mínima do cigarro é de 18%, enquanto que no Brasil é, em média, 71%. Essa diferença nos impostos é o que torna o esquema lucrativo para os contrabandistas, que ganham margem para vender num valor final muito abaixo do produto legal. E eles vendem muito. As grandes fábricas paraguaias de tabaco produzem cerca de 71 bilhões de cigarros por ano, mas só 2,3 bilhões são consumidos internamente. Uma grande fatia desse total, 67,2 bilhões, é contrabandeada e um dos clientes principais é o mercado ilegal brasileiro.

Jornalista conta como o Paraguai se tornou polo de produção de cigarro
Créditos: Reprodução/"Cigarro do Crime"
Jornalista conta como o Paraguai se tornou polo de produção de cigarro

“A produção nacional [paraguaia] paga os seus impostos, então a circulação dela no Alto Paraná [no Paraguai] não constitui contrabando. Ao menos para nós e para o país não constitui contrabando. Seria contrabando ao passar pela fronteira”, explica Pedro Arévalos, chefe do Departamento de Delitos Econômicos do Alto Paraná em um dos momentos do documentário.

Aos olhos da lei, o crime começa quando os lotes cruzam a divisa e os contrabandistas precisam fugir do controle da Polícia Federal para abastecer o tráfico por todo o país.

Primeiro, lanchas abarrotadas de caixas cruzam o Rio Paraná, depois a carga é dividida e transportada em carros e caminhões por diferentes rotas. Os veículos são “tunados” para atingir velocidades acima da média. As cenas de fuga são eletrizantes, parecem até ficção, mas a violência é bem real. Em “Cigarro do Crime”, você confere algumas imagens dessas operações. “A gente tem que entender que, como é um mercado criminoso, ele é tão violento quanto o narcotráfico”, comenta o jornalista Mauri König em outro momento da narrativa. O comunicador morou na fronteira entre o Brasil e o Paraguai e investigou profundamente o tráfico de tabaco.

Carro lotado de caixas de cigarro contrabandeado do Paraguai
Créditos: Reprodução/"Cigarro do Crime"
Carro lotado de caixas de cigarro contrabandeado do Paraguai

Pelas rodovias brasileiras, os carregamentos chegam às cidades e abastecem bares, mercadinhos, padarias, postos de gasolina e vendedores ambulantes. Um ciclo vicioso e lucrativo. “Cem por cento das favelas pacificadas ou não pacificadas do Rio vendem cigarro paraguaio, independentemente da facção”, conta o ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Especiais) Rodrigo Pimentel.

O dinheiro que fica na mão do tráfico

Estimativas da indústria apontam que, em cinco anos, as perdas tributárias com cigarro ilegal já atingiram a faixa dos R$ 50 bilhões. De acordo com a Oxford Economics, desde 2009, o país já perdeu R$ 62,4 bilhões. Hoje, no montante anual, a evasão já é maior do que a taxa de arrecadação. Só em 2019, a evasão causada pelo contrabando de tabaco foi superior aos impostos arrecadados: R$ 12,6 bilhões contra R$ 12,2 bilhões. Se revertido em benefícios para a população, esse valor poderia ter sido usado, por exemplo, para a construção de 132 mil casas populares, 25 mil Unidades Básicas de Saúde ou 6,3 mil creches.

Os cigarros ilegais são vendidos por menos da metade do preço de um cigarro legal, da indústria nacional
Créditos: Reprodução/"Cigarro do Crime"
Os cigarros ilegais são vendidos por menos da metade do preço de um cigarro legal, da indústria nacional

O Ibope também fez um levantamento das 10 marcas mais vendidas no Brasil. Desse total, 5 são ilícitas. A preferida dos brasileiros, Eight, é fabricada na indústria de um dos principais barões do tabaco paraguaio, o ex-presidente e empresário Horacio Cartes. Um cigarro paraguaio pode ser encontrado por um valor médio de R$ 3,44, enquanto um produto legal, da indústria nacional, é vendido por R$ 7,51.

Em 2019, entre as 10 principais marcas comercializadas estão 5 contrabandeadas, que juntas representam 37% de participação de mercado contra 31% do mercado formal
Em 2019, entre as 10 principais marcas comercializadas estão 5 contrabandeadas, que juntas representam 37% de participação de mercado contra 31% do mercado formal

A conscientização é uma das soluções

Um dos caminhos apontados como solução para o mercado dos cigarros ilegais é a conscientização da população de modo geral, já que o contrabando atinge todos, logo, é um problema de todos. Ao dar visibilidade para a questão, estimula-se também o debate para que os consumidores saibam que, apesar de “mais barato”, esse negócio sustenta uma cadeia de criminalidade perigosa, que deixa um rastro de morte por onde passa.

Em um determinado trecho, o documentário dá voz a uma família que foi vítima da violência dos contrabandistas na fronteira. Fugindo da Polícia Federal em alta velocidade, os criminosos causaram um grave acidente que custou a vida de uma família inteira. E essa história não é exceção, a violência se impõe de várias maneiras.

Os cigarros contrabandeados apreendidos pela Polícia Federal são destruídos para garantir que eles não voltem ao mercado
Créditos: Reprodução/"Cigarro do Crime"
Os cigarros contrabandeados apreendidos pela Polícia Federal são destruídos para garantir que eles não voltem ao mercado

“São mercadorias [consideradas] aceitáveis pela própria população, não existe o mesmo grau de contestação que o homicídio e o roubo”, reforça Claudio Ferraz, ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro.

Quer ver mais detalhes sobre os assuntos abordados no texto? Então, clica aqui e assista agora ao documentário “Cigarro do Crime”.