Chernobyl: tudo o que é resto se desfaz

Por: Catraca Livre

“Rússia diz que Ucrânia está a beira de guerra”. Esta era a manchete que estampava a primeira página dos principais jornais dias antes da nossa visita a Chernobyl. Isso foi em abril de 2014 mas vale dizer que estávamos tensos desde agosto de 2013, quando decidimos fazer a viagem para produzir fotos e vídeos documentais no território do maior desastre nuclear da história.

Motivados pela curiosidade de conhecer a cidade fantasma de Pripyat e conversar com pessoas que trabalham em Chernobyl (esse assunto me hipnotiza desde adolescente e como documentarista sempre tive vontade de gravar lá, me faltava coragem), embarcamos nesta viagem de livre e espontânea vontade, sabendo de todos os riscos que, naquele momento, não eram só relativos a radiação. O país estava passando por um conflito com a Rússia e o cenário era de guerra. Acompanhamos diariamente os conflitos e na semana anterior a nossa chegada, a Ucrânia fechou o espaço aéreo. Decidimos não cancelar a viagem. Essa decisão não parecia sensata mas que tipo de sensatez tínhamos quando decidimos fazer este trabalho em Chernobyl?Entramos na Ucrânia e quando achei que a tensão aumentaria, veio uma avalanche de ansiedade. Ficamos 2 dias em Kiev e foi tempo suficiente para o início de um processo de ressignificação que ainda não acabou. Na noite anterior a nossa ida a Chernobyl, decidimos andar pela praça Maidan e levamos nossos celulares.

 

No dia 8 de abril de 2014 partimos de Kiev para Chernobyl (são cerca de 150km) com um guia que nos buscou no hotel. Todo o processo para fazer a visita é bem burocrático, precisa ser feito com autorização do governo e tivemos de assinar um contrato que nos responsabiliza por todos os riscos. Nosso objetivo sempre foi contar uma história pessoal sobre o nosso tour. Imprimimos (ou tentamos imprimir) as nossas sensações em imagens que jamais sairão das nossas memórias. Quando nos perguntam sobre o que são essas sensações, tentamos explicar mas é em vão. Nada em Chernobyl nos despertou sentimentos conhecidos porque tudo o que está ali faz parte de um universo novo. O que sentimos não tem nome porque esse sentimento não existia até pisarmos ali. Tudo em Chernobyl tem uma espécie de vazio cheio de nada. E o nada naquele lugar é muito revelador.

O nível de radiação no local ainda é muito alto. Durante a viagem, nosso guia nos alertou novamente sobre os cuidados que deveríamos tomar durante toda a estadia em Chernobyl. Cobrir todo o corpo era parte do processo. A poeira é radioativa e quanto menos contato, melhor. Não tocar em nada e usar calçados de solas grossas também faziam parte das recomendações. No solo é onde está concentrada a maior parte da radiação e isso é assustador.  Ao aproximar a câmera do chão para fazer uma imagem, ele me alertou sobre o risco de quebrar o equipamento.

 

Existe vida em Chernobyl. Pessoas trabalham diariamente na construção do novo sarcófago que deve ficar pronto em 2017. O antigo, construído na época do desastre para conter a radiação, está comprometido. Esse assunto é urgente e ficamos perplexos com a dificuldade de encontrar informações sobre o tema nas nossas pesquisas feitas antes da viagem. Em Chernobyl tivemos acesso a uma sala com material didático e uma pessoa que nos explicou como o desastre aconteceu. Com a ajuda de uma maquete, visualizamos como as coisas funcionam estruturalmente nas usinas e reatores e, além disso, tiramos algumas dúvidas sobre o processo de concepção desta nova obra. A estrutura está sendo construída próxima da usina onde houve o acidente e quando estiver pronta, ela será empurrada até cobrir o atual sarcófago.

 

Em 2005 o governo da Ucrânia autorizou as visitas monitoradas. Algumas áreas têm radiação muito alta e, por isso, os guias nos orientam sobre o tempo que devemos permanecer nesses locais. O tempo em Chernobyl passa diferente mas é suficiente para nos fazer refletir e concluir que algumas invenções humanas podem dar muito errado. Ao deixar o local, todos os visitantes passam por um detector de radiação. As pessoas só podem sair do local se não estiverem contaminadas. Existem riscos a curto prazo e passamos ilesos. Quanto aos riscos a médio e longo prazo, não temos como dimensionar. Foi tenso enquanto durou. E dura até hoje. (Carol Thomé)