Jornalista mineira dá a volta ao mundo pedindo ‘carona’

Por Kívia Costa

Pode parecer mentira, mas Kívia é meu nome de cartório. De que outra forma eu poderia chamar uma volta ao mundo solitária, pegando carona, se não de Kiviagem? Conhecer os cinco continentes era um sonho antigo de poliglota autodidata, que a rotina maçante de São Paulo ajudou a desenterrar. Estava quase terminando de viver os 26 anos, por que esperar mais?

A jornalista Kívia Costa na Patagônia, na Argentina

A Kiviagem não foi muito planejada. Tinha uma longa lista de países para conhecer, quase todos no terceiro mundo, mas nada de roteiro fechado, de passagem de volta ao mundo (pelos meus cálculos, sai muito mais caro), muito menos reserva em hotéis ou dinheiro para pagar hotéis. Tinha minhas economias, mas teria que economizar muito. Sai com dois vistos no passaporte, China e EUA, e uma sacola preta com uma dúzia de roupas dentro. Sério, não tinha nem me preocupado em comprar mochila, quando peguei a primeira carona, com a ajuda da minha mãe, na cidadezinha do interior de Minas Gerais onde nasci: Bom Despacho.

Kívia, no Egito; grande parte do roteiro foi de carona
Créditos: Picasa
Kívia, no Egito; grande parte do roteiro foi de carona

Em menos de três semanas, estava na pontinha da Argentina, em Ushuaia, a última cidade do mundo. Foram mais de 5.000 km de carona. Era o começo de uma subida por terra até San Francisco, nos EUA. Um trajeto de muitas, muitas aventuras. Visitei ruínas pré-colombianas, curso de mergulho, saltei de cachoeiras, fui picada por uma arraia, dormi em rede, em cama sem colchão, passei noites em claro em postos de gasolina, à espera de sabe-se lá quem me levasse. Não me importo com a falta de conforto. Aliás, o conforto nos limita, nos priva de aprendizados importantes e de muitas histórias.

Deserto do Saara, no Egito
Créditos: Picasa
Deserto do Saara, no Egito

O segundo voo foi para cruzar o Pacífico e aterrissar na Coreia do Sul. Um outro mundo! Rodei quase todo o Sudeste Asiático e China (por terra, sempre que dava) e fui parar na Austrália. Ô, país caro! Passei por maus bocados, por uma cirurgia. No fim das contas, não era apendicite, mas os três cortes já estavam feitos na minha barriga. Duas semanas depois, segurei firme os pontos e peguei a mochila rumo ao Nepal. Oito dias de meditação e recuperação em um monastério budista aos pés do Himalaia me deixaram prontos para a Índia. Talvez o país mais diferente onde estive. Certamente, um dos mais interessantes.

Kívia nas pirâmides de Teotihuacan, no México

Queria conhecer a África, desci para o Quênia. Os safaris não cabiam no meu bolso, mas pedalar entre zebras e búfalos no parque que inspirou o batismo do Simba em O Rei Leão … sem preço! Inesquecível o dia com uma família da lendária tribo Masai Mara e a noite em um orfanato para meninas vítimas de mutilação genital. Ensinei uns passos de samba, que elas amaram, e contei historinha antes de dormir. Eram 120 pares de olhos atentos acompanhando a saga dos três porquinhos contra o lobo mal.

A jornalista mineira Kívia Costa no Taj mahal, na Índia

Já tinha passagem de volta, para um pouco antes da Copa. O tempo estava curto e fui logo para o Egito, um dos meus preferidos! Depois para Jordânia, Israel e Palestina. Sim, tudo por terra, quase tudo de carona, quase sempre na companhia de um holandês aventureiro que conheci na casa de um uruguaio que me hospedou em Luxor. Pois é, mochilões têm dessas misturas de nacionalidades. Se eu tenho medo de viajar em lugares tão perigosos quanto o Oriente Médio? Sinto-me mais segura por lá do que no Brasil, dizendo bem a verdade. Já no quesito liberdade de comportamento enquanto mulher … disso eu não tenho saudades.

Até em barco Kívia pegou carona; Bocas del Toro, Panamá

De Tel Aviv, cidade moderna e descolada, segui num voo baratinho para a Grécia. Me apaixonei!  Não exatamente pelos templos de Atenas, mas por um deus grego. Depois que eu parti para uma voltinha pelos Bálcãs, o moço em questão pediu férias e me acompanhou por um passeio onírico entre os balões da Capadócia e as mesquitas de Istambul. Ainda me convidou para passar o último fim de semana da viagem em Santorini, a mais romântica das ilhas gregas. Como dizer não? Restaram ainda dois dias para ir de carona de Barcelona a Madri e conhecer um pouco da capital espanhola, antes de tomar o voo de volta ao Brasil.

Petra, na Jordânia
Créditos: Picasa
Petra, na Jordânia

A viagem de 13 meses por uns 40 países acabou. Minhas economias, único sustento na estrada, também acabaram. Mas eu resolvi continuar na estrada assim mesmo, porque para viajar, para viver sonhos, precisamos mais de coragem do que de dinheiro. Também me dedico a tentar ajuntar tanta história nas páginas de um livro.

Balões na Capadócia, Turquia
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Balões na Capadócia, Turquia

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