De volta para o futuro

A poucas  quadras da minha casa sobrevive, numa livraria, uma espécie em extinção: uma vendedora de livros que adora ler livros -e falar sobre eles. Um dos meus prazeres do sábado é ver Cida Saldanha, com brilho nos olhos, dando dicas, na Livraria da Vila, sobre os últimos lançamentos, especialmente romances, muitos deles nem saíram nas resenhas dos jornais.

Drago
Cida Saldanha

Desconfio que seu interesse seja menos o de vender um produto do que conversar sobre o encanto da literatura. É uma imagem nostálgica de uma São Paulo provinciana -mas, talvez, nessa espécie em extinção, esteja o futuro.

Baseio minha aposta na enxurrada de notícias, publicadas nas últimas semanas, especialmente na semana passada. Pesquisa realizada em Frankfurt, onde ocorreu a maior feira literária do mundo, mostrou que a maioria dos envolvidos no negócio imagina que, em breve, muita gente vai preferir usar os recursos digitais, livrando-se do papel, graças a aparelhos como o Kindle.

Isso significa que as livrarias vão desaparecer? Afinal, por que alguém precisaria sair de casa se, em segundos, os livros estarão numa tela, com um preço mais barato e facilidade de leitura próxima a do papel? Talvez saia se for encontrar tipos como Cida -não uma vendedora, mas uma consultora.

Todo mundo sabe que existe um novo tipo de leitor surgindo, acostumado à tela do computador. Pesquisa do Ibope sobre os hábitos diante dos meios de comunicação mostra que 30% dos jovens preferem ter encontros virtuais, ou seja, a distância, do que presenciais. Quanto mais jovem, maior essa percentagem e a habilidade de fazer muitas coisas ao mesmo tempo.

Não é um grupo que desenvolveu o prazer tátil e visual do papel. Já nasceu na era da banda larga. Os mais ricos nunca ouviram o barulho da espera de uma linha discada. Avançam os acordos da Google para a digitalização das obras e aumenta a corrida dos fabricantes para produzir livros eletrônicos mais leves e baratos. Editoras se prepararam para mesclar vídeos às palavras, criando o que se batizou de “vook” (vídeo + book).

A banda larga vai ficar cada vez mais veloz e universal. Disseminam-se as lan houses pela periferia. Na semana passada, o governo de São Paulo lançou um plano para baratear o acesso veloz à internet, com redução de impostos; o governo federal já anunciou que pretende gastar R$ 1 bilhão para atingir o mesmo objetivo.

A leitura mais detalhada da pesquisa do Ibope reforça o que o Datafolha já tinha detectado sobre os jovens -aliás, uma conclusão encontrada numa pesquisa feita pela MTV.

Diante de tanta informação, cresce cada vez mais a confusão e, logo, a demanda por orientação para se saber o que é relevante. A escola não terá função se os professores apenas repetirem conteúdos, isso pela simples razão de que se pode encontrá-los em qualquer hora e em qualquer lugar, devidamente interativos. O bom professor será um gerenciador de curiosidades -e ele próprio terá de ser um curioso.

PS – Por falar em leitura e diferentes formas de aprender, começa, nesta semana, uma experiência poética em São Paulo. Serão espalhados por trens e estações de metrô versos dos grandes poetas da língua portuguesa. Coloquei uma seleção dessas obras, algumas delas com áudio, no
neste link .

Coluna originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo.  Para ver o material completo, clique em www.folha.com.br