Exposição de arte feita na fuligem dos túneis

Por Redação
02/03/2010 14:53 / Atualizado em 24/03/2010 15:05

A exposição “Ossário” começa no dia 20 de março e dura até 9 de maio, com visitação de terça a domingo, das 10h às 20h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). A entrada é Catraca Livre.

Durante várias madrugadas, utilizando apenas retalhos de tecido, Alexandre Orion limpou seletivamente a grossa camada de fuligem que recobria as laterais de diversos túneis da cidade de São Paulo. Orion revelou na poluição milhares de crânios e transformou os túneis em catacumbas: nascia “Ossário”.

Nesta exposição, uma instalação recria a atmosfera dos lugares pelos quais o artista passou e, por meio de fotografias, vídeos e textos, apresenta o processo de criação, as interferências do poder público e o desfecho desta que é uma das mais importantes intervenções efêmeras já realizadas.

divulgaçãoOrinon aplicando seu trabalho dentro do túnel
Orinon aplicando seu trabalho dentro do túnel

Alexandre Orion flagrava como suas intervenções se misturavam
com as pessoas que passavam pela rua

por Gilberto Dimenstein

Ao passar madrugadas desenhando centenas de caveiras em túneis paulistanos, o artista plástico Alexandre Orion descobriu um inusitado ingrediente para pintar quadros: a fuligem liberada pelos automóveis, que fica aglomerada em camadas negras nas paredes de cerâmica.

Aprendeu a fazer daquele pó ingrediente para uma tinta. Essa tinta nasceu por acaso, quando Alexandre resolveu criar uma obra, intitulada “Ossário”, em um túnel (o Max Feffer), na avenida Cidade Jardim. “A cor original daquele túnel era o amarelo, mas, com o tempo, as paredes ganharam um aspecto cinza até se tornarem completamente negras.”

Panos úmidos dão forma às caveiras amontoadas, transmitindo a sensação de que os motoristas estariam entrando em uma escavação arqueológica. “Quis fazer dessa caverna urbana uma catacumba.”

Foram semanas produzindo esse “ossário”. Os panos, imundos, eram levados para a sua casa e ficavam num balde de água. Na manhã seguinte, parte daquela fuligem estava separada no fundo. “Olhei para aquilo e vi símbolos de uma cidade.”

Veio, então, a idéia de pintar quadros com cenas urbanas, transformando a fuligem em pigmento para a tinta. Ele próprio sentia-se misturado a toda aquela fuligem. “Quando voltava para casa, apesar de ter usado máscaras, estava tonto e enjoado. Parecia que os banhos não me limpavam.”

O caos paulistano sempre envolveu todos os sentidos de Alexandre. Nasceu e sempre morou em ruas movimentadas, com muito barulho e poluição. “Os carros não paravam.” Adolescente, aventurou-se pelo grafite, preenchendo espaços em viadutos e muros em torno das avenidas mais agitadas da cidade. “São Paulo é, além de fonte de inspiração, um ateliê e uma galeria aberta.”

Alexandre se destacou, porém, quando uniu desenhos à fotografia, misturando fantasia e realidade na paisagem paulistana.

Primeiro, fazia as intervenções nos muros e, depois, flagrava como suas intervenções se misturavam com as pessoas que passavam pela rua. Alexandre mostrou essa obra inicialmente na Pinacoteca e, em seguida, rumou para Nova York, São Francisco e Roterdã (Holanda).

O “Ossário” acabou ganhando vida. Incomoda a intervenção macabra, tanto que a prefeitura tratou de limpar melhor o túnel Max Feffer. Alexandre procurou, então, outros túneis, mas percebeu que aquelas caveiras já tinham cumprido sua missão e tratou de experimentar a tinta à base de fuligem. Notou que exibiam força na tela. Neste mês, uma série de dez quadros nascidos daquela experiência nos túneis vai para uma exposição.

“A cidade é minha matéria-prima”, conta, preocupado em transmitir, em suas intervenções, as várias poluições urbanas.