3 escritoras poderosas e seus lugares preferidos de São Paulo
Detentor de uma das línguas mais bonitas do planeta, modéstia à parte – mesmo com a existência de tal coisa como a mesóclise -, o Brasil originou, igualmente, escritores ímpares. Homens e mulheres. Até hoje, inclusive.
A efeito de curiosidade, exatamente no dia 25 de julho de 1960, a União Brasileira de Escritores instituiu o Dia Nacional do Escritor, com o objetivo de valorizar a produção nacional. A data surgiu logo após a realização do I Festival do Escritor Brasileiro, e foi criada pelo presidente da UBE à época, João Peregrino Júnior, e pelo seu vice-presidente, o baiano Jorge Amado.
Para celebrar a literatura nacional e dar visibilidade às mulheres, quase sempre em minoria quando ocupam o papel de protagonistas (por pouco tempo, viu!), conversei com três autoras contemporâneas que merecem sua atenção. São elas: a ícone do slam, Mel Duarte; a gaúcha apaixonada pela Pauliceia, Clara Averbuck; e a cearense Jarid Arraes, que ficou conhecida por escrever literatura de cordel, além de suas poesias.
Cada uma, à sua maneira, revelou um pouco de si, de seus gostos literários, de sua relação com a cidade e, é claro, falamos sobre as minas na literatura. Vem ler mulheres, vem:
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Mel Duarte
“Verdade seja dita: você que não mova a sua pica pra impor respeito a mim”. A mensagem de Mel Duarte é assim, sem massagem – característica marcante da literatura marginal e dos slams (campeonatos de poesia), onde a paulistana já é conhecida. Também pudera, há mais de dez anos escrevendo de maneira independente, frequentando saraus e realizando iniciativas em prol do empoderamento feminino, Mel é uma das grandes escritoras da atualidade. Por exemplo, no ano passado, o campeonato internacional de poesia Rio Poetry Slam, que acontece dentro da FLUPP (Feira Literária das Periferias), no Rio de Janeiro, curvou-se à primeira mulher vencedora: ela mesma.
Para se inspirar e escrever, ela conta que costumava ir muito ao Parque Ibirapuera, lugar onde cresceu e conhece cantinhos que trazem paz. Hoje em dia, por conta da famigerada correria, entre viagens e eventos, produz no tempo de folga de uma atividade e outra e escreve em qualquer lugar. “As ideias não têm espaço específico para se formar. Às vezes começo em casa e termino na rua e vice-versa (risos)”.
Quando questionada sobre lugares para apreciar literatura brasileira, diz, sem titubear: “Conhecer a cena dos slams, assim como os saraus. Ajuda muito na inspiração e, como existem muitos, dá para escolher qual o mais próximo. Mas fica a dica: Slam das Minas SP é incrível!”. Outros saraus queridos da poetisa são Cooperifa, Sarau do Burro, Sarau Suburbano Convicto, Sobrenome Liberdade e Sarau do Vinil.
Segundo ela, outros lugares obrigatórios em São Paulo para quem curte literatura são a Biblioteca Paulo Duarte, especializada em literatura afro brasileira, no Jabaquara; a Biblioteca Prestes Maia, em Santo Amaro, que tem um jardim delícia para fazer leituras; o Sarau do Binho, no Campo Limpo, e, por fim, a Livraria Suburbano Convicto, de Alessandro Buzo, que fica no Bixiga. “É a única livraria da América Latina focada em literatura marginal e periférica. Lá você encontra todos os títulos da galera que faz a cena independente da poesia”, finaliza.
Além de acompanhá-la por meio de sua página oficial no Facebook, é possível aproximar-se de suas ideias nos dois livros já publicados: “Fragmentos Dispersos” (2013) e “Negra Nua Crua” (2016) – disponíveis nas páginas da Editora Ijuma, na Blooks Livraria ou na Tapera Taperá.
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Clara Averbuck
Quando recebeu a pergunta “Quem é você?”, respondeu, com simplicidade: “Me pergunto isso todas as quartas, na análise”. A gaúcha mais paulistana que você respeita, Clara Averbuck, 38, frequenta a Pauliceia desde os 16 anos de idade e veio morar oficialmente aos 21. Hoje, depois de provar a dor e a delícia da capital, confessa: “Se eu tenho alguma raiz, é aqui que ela está”.
Para Clara, os principais atrativos da cidade são a efervescência cultural e os encontros de pessoas de todos os cantos do Brasil dispostas a criar coisas incríveis – além dos shows, das festas, das exposições, e da eletricidade do ar. “A rua é o que eu mais gosto aqui, na verdade. Foi a rua de São Paulo que me chamou pra cá”, diz.
Seu rolê de rua preferido é a Praça Roosevelt, onde morou durante 11 anos, acompanhou de perto o drama da reforma e lugar do qual sente falta de ter como quintal. Outra dica das boas é a festa Discopédia, na Trackers, que acontece às terças e que, para a autora, é “a melhor festa de rap de São Paulo, com os DJs Marco, Nyack e Dandan”. E, como boa paulistana de coração, não poderia deixar de gostar da Avenida Paulista: “Abrir ela aos domingos foi uma belíssima ideia e é bem massa andar por ali e ver de tudo”.
Apesar de “rueira”, Clara tem um processo criativo mais intimista. Escreve em casa e, às vezes, baixa a inspiração na rua, em especial andando pelo centro da cidade. “Mas eu tenho mesmo é insight no chuveiro – risos”.
Muita gente tem associado Clara ao gênero “literatura feminista”. Quando perguntada a este respeito, disse acreditar que literatura é literatura e pronto. “Acho um pé no saco quererem rotular tudo que mulher faz como se precisasse de um aviso, como se fosse diferente. Não há essa preocupação com livros escritos por homens, né? Eu sou uma mulher que faz literatura. Apenas. Eu nem consigo imaginar o que seria literatura feminista. Mesmo se a personagem ou o enredo forem feministas, precisa de aviso?”, questiona.
Além de escrever, Averbuck realiza oficinas de escrita criativa para minas, motivada pelo fato de que editoras recebem mais originais de homens do que de mulheres – não por escrever menos, mas por não ser criadas para se expor e, por conta disso, sequer mandam seus escritos. Mesmo sem data fixa para acontecer, os encontros buscam destravar estes conceitos e estimular mulheres a produzir.
Suas recomendações literárias são “Diana Caçadora”, de Márcia Denser; “Operação Impensável”, de Vanessa Barbara; “Nada a Dizer”, de Elvira Vigna; “Negra Nua Crua”, da poeta Mel Duarte, e um livro que deveria ser leitura obrigatória: “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus. Além disso, a autora suplica que republiquem Carmen da Silva, sua escritora brasileira preferida, fora de catálogo há uns 30 anos e responsável pela obra-prima “Sangue Sem Dono”.
Com linguagem coloquial, referências pop, e mulheres fortes, urbanas e independentes como personagens, Clara já lançou no mundão: “Máquina de Pinball” (2002), seu primeiro romance, adaptado para o cinema junto com “Vida de Gato” (2004), o segundo. Também tem “Das Coisas Esquecidas Atrás da Estante” (2003), uma coletânea de seu blog brazileira!preta; “Nossa Senhora da Pequena Morte”, em parceria com Eva Uviedo; “Cidade Grande no Escuro” (2012); “Eu quero ser eu” (2013), sua primeira incursão na literatura juvenil, e o mais recente, “Toureando o Diabo” (2015), lançado de maneira independente.
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Jarid Arraes
Escritora, poeta e cordelista, com 26 anos a cearense, da região do Cariri, respira a cidade como uma boa paulistana. Morando na capital há dois anos e meio, Jarid Arraes conta que aqui pôde ficar mais próxima de outras escritoras e de pessoas com quem já trocava apoio e leituras, e sentiu mais abertura tanto em projetos que envolvem trabalho como na vida pessoal. Segundo ela, “O que mais me atrai em São Paulo é a liberdade que tenho para ser, escrever e viver”.
Tal abertura estimulou que a autora criasse o Clube da Escrita Para Mulheres, que existe há quase dois anos com o objetivo de incentivar mulheres que escrevem ou queiram começar a escrever. Encontros, inclusive, que ela recomenda, já que são gratuitos e abertos para todas as idades (terças-feiras, às 19h, na Casa Elefante).
Para ela, literatura é “romper com as barreiras e discriminações do mercado editorial, dos eventos literários e das livrarias”. Então, além de seguir na lógica independente, Jarid busca transmitir sua mensagem fugindo à regra de tratar mulheres, pessoas negras, gays e travestis de forma agressiva – o que é recorrente tanto no cordel, que escreve por conta de tradição de sua família e povo, como em outros estilos literários, os quais ela também flerta.
Para sair do “mais do mesmo”, cria histórias com protagonistas diversos, humanos e com os quais todos podem se identificar. No momento, conta que está trabalhando em um livro de poesias marcado por temáticas que tratam de abismos humanos, tais como desigualdades e sofrimentos, além de sexualidade. “Sou muito sensível ao que mulheres, principalmente negras, têm para contar e demonstrar, incluindo as sutilezas. Até porque sou uma mulher negra e isso sempre me perpassa”.
Apesar de se encaixar no perfil de quem escreve em casa, resguardada ao seu silêncio e chá preto, a autora lembra que já escreveu poesias passando pela Rua Augusta, vendo um hotel com luz rosada, ou passando pela Paulista. “Essa é uma das minhas regiões favoritas de São Paulo, por mais clichê que possa parecer. Acho que o ritmo daqui me inspira muito, é uma cidade cheia de histórias e de palavras em todos os cantos”, diz. Outro lugar que Jarid aprecia, tanto para ler quanto para escrever, é o Parque da Água Branca, especialmente em dias e horários menos movimentados, já que gosta de estar entre as árvores.
Para pessoas que gostam de literatura, ela recomenda a Casa das Rosas, a livraria Blooks e a Tapera Taperá, que abrem espaço para autoras independentes e editoras pequenas, realizando eventos com temáticas relevantes, além do Patuscada Bar & Livraria, que também é parte de uma editora independente.
Por fim, suas recomendações literárias são: “As Águas Vivas Não Sabem de Si”, de Aline Valek; “Beijos no Chão”, de Dani Costa Russo; “Outras Vozes”, de Plínio Camillo e “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves.