Céu aberto
Com licenciatura em física na USP, depois de ter passado três anos na Poli, Valdir Ferreira deu aula em cursinhos pré-vestibulares e escolas privadas (Rainha da Paz e Oswald de Andrade).
Em 2005, quando já estava rumando para os 60 anos de idade, resolveu fazer mestrado no curso de pedagogia. Seu foco era estudar como a educação gera transformação social. Com essa mistura de professor, físico, engenheiro e pedagogo, ele fez uma experiência dentro de um sacolão decadente da periferia.
Valdir montou num sacolão, no Grajaú, um centro cultural. “Tudo começou porque li que, na região, quase ninguém ia ao cinema nem, muito menos, ao teatro.”
O mercado foi apenas um estopim para uma costura de uma colcha de retalhos urbana.
Enquanto fazia o mestrado de educação, Valdir foi convidado a comandar a Subprefeitura de Capela do Socorro, responsável por três grandes distritos, entre os quais o Grajaú – os três distritos englobam 700 mil habitantes, a maioria deles vivendo na pobreza.
Foi aí que se deparou com o tal sacolão decadente. Conseguiu recursos para convertê-lo num lugar para – além de exposições, filmes, peças e shows- oferecer oficinas. Resolveu batizar a biblioteca de Graciliano Ramos. “Muita gente achou que o Graciliano era o nome de um vereador.” Inclusive entre funcionários da própria prefeitura.
Iniciou-se então a costura dos retalhos. Reformou-se um campo de futebol, que era grudado ao antigo sacolão. Em seguida, uma rua virou um calçadão, estendendo-se por um jardim cortado por um córrego, onde nasceu uma praça, com brinquedos. Com a proibição de circulação de carros, o campo de futebol e o espaço cultural se ligaram a um centro de referência da mulher que, por sua vez, é vizinho de uma pré-escola, grudada a uma escola, separada por um muro de um ginásio de esportes – tudo conectado a um batalhão da Polícia Militar. Olhando por cima, é como se surgisse uma ilha verde num oceano cinza.
No entorno dessa “ilha” foi feita uma calçada. “Quando percebemos, era como se fosse um único espaço.” Era, na prática, como se tivessem construído um CEU sem grades. O passo agora é ensinar os professores e alunos a usar todos aqueles equipamentos como uma extensão da sala de aula. “Algumas aulas podem ocorrer, por exemplo, no cinema ou no campo de futebol.”
O prefeito Gilberto Kassab viu aquele modelo e pediu a seus secretários estudos para ver como poderia ser replicado pela cidade, especialmente na periferia – é bem mais barato e rápido do que construir um CEU porque utiliza o que existe.
O projeto ganhou o nome de “Céu Aberto”. Para Valdir, é como se tivesse tirado do papel sua dissertação de mestrado. Já viu que algumas crianças não só sabem quem é Graciliano Ramos, mas, na biblioteca, já leram “Vidas Secas”.