Chillán e Pucón atraem aventureiros também no verão

“Aqui no inverno parece o Brasil”, diz Jorge, o motorista. Eu penso nos metros de neve que caem todos os anos nos arredores de Chillán e considero a comparação complicada. “Só se ouve português!”, ele completa. Agora faz sentido. O brasileiro é atraído pelo frio e pelo esqui das principais cidades turísticas do sul do Chile, especialmente Chillán e Pucón. Mas os atrativos de verão de ambos os lugares são motivos igualmente fortes para se tornarem sua próxima viagem entre novembro e março.

Mais prático que viajar de avião até Concepción e depois passar duas horas e meia no carro cruzando horizontalmente o país para chegar ao Gran Hotel Termas de Chillán é comprar uma passagem Santiago-Chillán pela empresa Terra Sur. As cinco horas em trem passam rápido por conta do conforto e da paisagem: os Andes são fiéis companheiros através da janela. A outra hora e vinte para subir da estação em Chillán até o hotel igualmente voa enquanto observo as plantações de cereja e escuto a Romeo Santos pela rádio, a bachata que invariavelmente toca em toda parte.

Meu guia Rodrigo Chavez com a vista do Vale Shangri-la e dos vulcões Chillán (Fotos: Ana Carolina Marques)

O Gran Hotel Termas de Chillán já detém o renome em hospedagem na região por oferecer um serviço cinco estrelas aos pés de montanhas que no inverno se enchem de gente. Quando o branco é substituído pelo verde, os hóspedes perdem a chance de esquiar, mas ganham em trekkings irrealizáveis quando há neve.

Interrompo a dura subida para me virar e apreciar a imensidão do Vale Shangri-la, com os vulcões Chillán ao fundo e as formações lávicas que dele se esparramam e me esforço para lembrar do nosso destino. A 2.100 metros de altura, uma lagoa cujo fundo nunca foi atingido se abre para nós e para o condor, pássaro símbolo da cordilheira, que realiza alguns voos de observação antes de decidir que somos inofensivos.

Laguna del Huemul, que seria só mais uma lagoa caso não estivesse no topo de uma montanha e cujo fundo nunca foi atingido

O refresco que proporciona a água gelada da Laguna del Huemul após horas de subida são comparáveis ao prazer da massagem descontracturante e da piscina de águas minerais que me esperam de volta ao hotel. O relaxamento, porém, é trocado novamente pelo esforço físico no dia seguinte, quando escolho andar outras tantas horas, passar pelo plano Garganta del Diablo, uma terraça que abre 360° para montanhas multicoloridas, e finalmente chegar ao vulcão Renegado, já inativo. Em ambos os passeios a endorfina liberada pelo exercício é somada ao sabor visual o qual foi enriquecido à noite ao provar a cerveja artesanal local, chamada Las Trancas (depois de uma sessão de massagem com pedras quentes e esfoliação com barro volcânico, claro).

A vontade de ter realizado um terceiro passeio incrível da região até Aguas Calientes, todavia obstruído pela neve de fim de ano, além de outras caminhadas mais tranquilas e do rol de atividades do hotel (golf, canopy, pontes suspensas e cavalgada) se desvanece quando tomo o ônibus de seis horas em direção a Pucón e ali encontro um lugar perfeitamente construído para o viajante. Pudera: a cidade depende 98% do turismo. Chego ainda numa época sem a massa de turistas que enche as poucas ruas do local e constato que, para quem quer fugir da multidão, os melhores meses são novembro, dezembro e março.

Topo do vulcão VIllarrica, num dia nublado

O cartão-postal de Pucón é o vulcão Villarrica, que emerge feito desenho desde quase qualquer vista a partir da cidade. Em vez de esquiar, o grande atrativo é subir os 2.847 metros até a boca do vulcão ativo. Não vou mentir: é necessário bom condicionamento físico para enfrentar as quatro horas caminhando em ziguezague de crampon na neve eterna (isso depois de o carrinho que sobe parte do caminho ter economizado uma hora de caminhada). Mas talvez mais do que isso seja a determinação individual, comprovada na expressão resoluta do idoso alemão que ia na minha frente.

Infelizmente, eu não rezei o suficiente aos céus e o tempo trapaceiro de montanha coloca um mar de nuvens que impede a vista maravilhosa de todos os outros vales, lagos e vulcões que se pode ter desde o topo. Enquanto a vista fica na imaginação, eu sinto o cheiro de enxofre na boca que emana da fumarola e me condecoro com o feito notável que era subir um vulcão ativo. As pessoas comentavam, meio brincando, meio sério, de que a média histórica entre erupções do Villarrica vencia em 2014 –mal sabiam elas que a natureza não se atrasaria mais do que alguns meses! Em 3 de março de 2015 o gigante entrou em erupção e ainda não está totalmente calmo.

Quem pensa que se desce os milhares de metros da mesma maneira que se sobe está errado. A solução é… deslizar. Isso mesmo: junto com a picareta e a roupa de frio que carregamos na mochila, vem uma proteção de tecido que, presa ao traseiro e às coxas, constitui o ski-bunda mais radical que já experimentei. E quem pensa que isso é loucura também está errado. Mesmo eu com meu trauma por conta de um acidente de neve recente vejo as pessoas se divertindo e me jogo desde cima (não que houvesse muita alternativa). Logo decido que é rápido demais para minha fobia e me junto ao trenzinho formado com o guia e outras medrosas do grupo para deslizar o resto da encosta.

Carne defumada com risotto de quinoa é o grande destaque do restaurante do hotel Villarrica Park Lake (à esquerda), enquanto o Trawen (à direita) é uma opção recheada de alimentos orgânicos dentro da cidade de Pucón

Nesse cuidado que o guia transmitia fica claro a diferença entre as agências de turismo da cidade, que competem pela atenção do turista em busca da melhor opção. Os preços variam entre 40.000 e 50.000 CLP, mas são poucas as que possuem o selo de qualidade turística. Guias da Patagonia Experience e da Sol y Nieve, com os quais realizei tours, me explicaram que as operadoras de menor preço não renovam o equipamento com tanta frequência, levam participantes demais de uma vez e não reembolsam o dinheiro caso alguém desista da subida ao chegar no ponto de partida e perceber que não está preparado.

De qualquer modo, um campeão que consegue ir e voltar do vulcão não merece nada menos que uma boa refeição à la chilena. A carne plateada ahumada com risotto de quinoa que provei no Villarrica Park Lake, o hotel mais luxuoso da região, ficará na memória para sempre. Assim como o pastel de jaiba, uma torta gratinada e recheada de um tipo de caranguejo, do restaurante Sabores de Chile.

O pastel de choclo, primo desse prato feito com milho e carne, é típico chileno e pode ser provado em diversos estabelecimentos de Pucón, principalmente nas ruas Fresa e Ansorena. Para os vegetarianos, o caldo de feijão branco com milho e abóbora, chamado de porotos con mazamorra, do restaurante Raízes é uma delícia em meio à cozinha carnívora chilena. E para os que vão (ou já voltaram) de uma festa ou que querem dividir entre mais pessoas, a melhor pedida é a chorrillana, que é carne, ovo e cebolas sobre batatas-fritas. E óbvio que tudo regado ao bom e muitas vezes barato vinho nacional.

O passeio mais tranquilo pelas cavernas vulcânicas é uma alternativa para quem quer conhecer o vulcão de outra maneira

Apesar de ascensão ao Villarrica ser o principal chamariz de Pucón, eu poderia ter ficado semanas na região sem esgotar as possibilidades de o que fazer. Os que não possuem aptidão para a subida também podem aproveitar o vulcão ao visitar as cavernas vulcânicas, formações naturais de centenas de metros de comprimento e de dezenas de profundidade que revelam a geologia primitiva. A natureza é impressionante no Parque Nacional Huerquehue, o mais visitado — e com razão – da área. Com uma saída em mountain bike você pode chegar ao Ojos de Caburgua, quedas d’água do azul mais cristalino, e com um passeio de caiaque você se torna íntimo do Lago Villarrica que banha a cidade.

E para descansar, existem várias termas de águas naturais e quentes no perímetro, desde as Menetúe, onde é possível passar o dia inteiro, até as Los Pozones, para onde se pode ir por menos horas durante a noite. E um toque de cultura pode ser apreciado no Museu Mapuche, dedicado à arte e história do povo indígena mais destacado e polêmico do sul chileno. Isso tudo sem contar que a própria cidade é um agrado para os olhos, resultado de uma uniformização na arquitetura das construções: é sugerido que ao menos 40% dos materiais sejam madeira ou rocha, conferindo um toque caseiro a Pucón.

A ida em mountain bike até as quedas d’agua Ojos de Caburgua passa por fazendas e não apresenta grandes dificuldades

A partir de Pucón e quase finda a viagem, o turista pode voltar em um ônibus noturno semi-leito a Santiago, seguir viagem ao sul e explorar a região bem menos visitada de Aysén (destaque para o hotel boutique Uman Lodge, em Futaleufú) ou atravessar a fronteira a barco pela empresa In Out Patagônia e aproveitar para visitar San Martín de Los Andes, na Argentina.