Christiania, a comunidade alternativa de Copenhague

Por: Catraca Livre

Quem entra pelos portões de Christiania sem saber do que se trata não demora a ter uma idéia do que se passa por ali. O cheiro no ar dá a primeira pista. Christiania é uma comunidade alternativa localizada em um parque no centro de Copenhague, capital da Dinamarca. Apesar da legislação Dinamarquesa proibir o comércio de maconha, em Christiania a lei encontra uma brecha. Dos portões para dentro, as regras da comunidade são respeitadas.

Mas Christiania é muito mais do que um parque onde a fumaça sobe sem passar pelas barreiras da lei. Por lá, moram atualmente cerca de mil pessoas que têm o privilégio de viver em contato com a natureza em uma comunidade que preza pela sustentabilidade.  Carro por ali não entra, a culinária vegana tem prioridade e as expressões artísticas têm espaço garantido. Há shows, galerias de arte, museus, e o grafite dá cor aos muros de várias construções no bairro.

No dia 24 de setembro deste ano, a comunidade completou 44 anos de existência, e é atualmente um dos principais pontos turísticos de Copenhague. No final de agosto, passei uma tarde por lá, conversando com moradores e visitantes e fotografando alguns grafites onde foi possível. Tirar fotos em alguns trechos de Christiania é proibido, já que a ideia é preservar a privacidade de quem está por ali.

Um dos moradores, um dinamarquês de cerca de 55 anos, me contou em uma conversa informal um pouco da vida por lá. Mensalmente, cada morador colabora com uma quantia em dinheiro para garantir a limpeza da comunidade e os cuidados com as crianças menores de 7 anos, que frequentam creches dentro da comunidade até atingirem a idade de ir para a escola. Então, elas passam a estudar fora do bairro. Muitos moradores também trabalham do lado de fora dos portões. “Eles pagam imposto duas vezes. Pagam lá fora, porque trabalham lá, e pagam aqui dentro, porque ajudam mensalmente”, conta um deles.

A comunidade não tem nenhum tipo de líder político. Cada morador é responsável pela sua casa e pelos seus atos. As decisões que envolvem o espaço comum são tomadas em grupo, após reuniões onde todos são convocados.

História

Em 1971, a área onde hoje fica Christiania era uma base militar abandonada. Alguns registros dão conta que o lugar foi tomado por hippies e artistas, que deram início à comunidade. Mas, de acordo com um morador do local, os primeiros a derrubar as cercas da base foram moradores da região que queriam construir ali um parque para as crianças. O fato é que tanto os hippies quanto os moradores locais se entenderam bem, e até hoje Christiania é um lugar agradável para as crianças e que ainda conserva o estilo de vida “paz e amor” dos hippies.

Durante anos, a comunidade viveu em conflito com o estado Dinamarquês, pois se opunha a se submeter às leis do país. A ideia sempre foi manter Christiania à parte da constituição, como uma comunidade com suas próprias leis, e moradores organizados para garantir a harmonia do local. Em 2011, um acordo foi firmado e em julho de 2012 foi criada a Fundação “Freetown Christiania”, responsável por cuidar do terreno, controlar a entrada de moradores e a concessão de moradias. Existe atualmente uma lista informal de pessoas que desejam viver por lá, mas a entrada tem que ser controlada, já que o respeito à natureza – e, consequentemente o controle da construção de novas casas – é prioridade.

O lugar

A maioria das casas é de madeira, e muitas ficam espalhadas pelo bosque. Na região da praça central, estão concentradas as barracas de artesanatos. Mas os brincos e anéis não são o produto principal vendido em Christiania. Ao lado da feira de artesanato, há algumas barracas pequenas onde ficam expostas logo no balcão as porções de maconha e biscoitos feito com a erva. Por ainda ser um comércio ilegal – apesar da polícia não ir até lá – alguns dos vendedores preferem esconder o rosto atrás de óculos de sol e tocas pretas. Quem compra pode fumar ali mesmo, ou procurar um lugar mais reservado dentro do bosque.

Em Christiania há também muitos cafés e bares, e os pratos principais são veganos (sem uso de qualquer produto de origem animal). As ruas do bairro são de paralelepípedo ou de terra. Há alguns galpões de alvenaria, onde funcionam bares. Lá dentro, tem gente de todas as idades bebendo cerveja, fumando, ouvindo um som ou jogando gamão.

A maioria das pessoas que andam pelas ruas do bairro, principalmente na parte central, são turistas. Entre os vendedores de artesanato, há os que moram lá e os que vivem fora. O francês Patrick, de cerca de 40 anos, é um dos que vêm do lado de fora do portão. Ele mora e trabalha em Copenhague, e apesar de estar em Christiania todo fim de semana, não vende mercadoria alguma. Patrick empurra um carrinho cheio de livros, todos doados, que ele passa adiante. Já é figura conhecida dos moradores locais, e conta que vai lá para entregar livros, conversar com as pessoas, beber e fumar. Em seu carrinho, há livros de todo tipo, e em vários idiomas. No dia que conversamos, seu carro-biblioteca ostentava uma bandeira do Uzbequistão. Ele explicou que aquele era o dia da independência do país. Depois me perguntou a data da independência do Brasil e lamentou não poder usar a bandeira verde e amarela neste ano. Tirou o celular do bolso, consultou o calendário e me garantiu: ano que vem, no dia 7 de setembro, vai pendurar em seu carrinho a bandeira do Brasil.

Veja mais fotos de Christiania no site DPB Intercâmbio