Irlanda tem tour literário pelos pubs de Dublin

Sair de bar em bar pelas ruas tortas e estreitas de Dublin é como beber, literalmente, na fonte de inspiração da literatura irlandesa.

Basta encostar no balcão de algum daqueles pubs sisudos de decoração vitoriana para viajantes etílicos começarem a ouvir histórias de precisão literária protagonizadas por nomes como James Joyce e Oscar Wilde.

Criado em 1988, o Literary Pub Crawl (algo como “tour literário de bar em bar”, em tradução livre para o português) já guiou 450 mil pessoas por endereços históricos da capital da Irlanda.

Atores do “Literary Pub Crawl”, tour literário por pubs históricos de Dublin, na capital da Irlanda

A experiência é um bem-humorado passeio de quase 3 horas de duração e 1,6 km de extensão que paralisa clientes e pedestres em apresentações ao ar livre nesta cidade hedonista com mais de 800 pubs capazes de desviar o foco até do viajante mais dedicado aos clássicos da literatura.

A cada intervenção dos atores, o público nunca sabe quando se trata de uma biografia descrita em forma de poema, um poema recitado em forma de biografia ou apenas mais um dos comentários com o (inconfundível) humor irlandês.

Tudo ali mesmo na rua e no interior de bares, como deve ser qualquer imersão nos hábitos daquelas terras geladas e chuvosas.

O site Viagem em Pauta lista abaixo um roteiro literário pelos pubs históricos de Dublin:

The Duke

A viagem literária com altas doses alcoólicas tem início no The Duke, estabelecimento no centro histórico que abriu suas portas em 1822 e possui a segunda mais antiga licença para comercialização de bebidas da região.

É no segundo andar desse pub agitado com interior sisudo em estilo vitoriano e fachadas preservadas que os atores dão início ao tour literário.

Fachada do pub The Duke

Era ali que James Joyce buscava refúgio quando precisava de “um pote de silêncio reflexivo” como descrevem os proprietários do local.

Mas não só clássicos da literatura encostaram nos balcões elevados do The Duke.

Paul Hewson (o Bono, do U2) costumava dar as caras por ali, antes da fama. Atualmente, figuras populares da literatura mundial também podem esbarrar com clientes do pub como John Boyne, autor do best seller “O Menino do Pijama Listrado”.

Público aguarda início do tour literário no pub The Duke

Entre pints de Guinness e Smithwick’s (só para citar dois clássicos cervejeiros da Irlanda), o pub recebe clientes com opções de bebidas como merlot francês ou italiano, rioja espanhol e até um pinot da Nova Zelândia.

O’Neill’s

Outra parada histórica é nesse que é considerado o estabelecimento irlandês com maior número de chope artesanal.

Fachada do pub O’Neill’s, em Dublin

Daquelas cobiçadas torneiras cromadas saem mais de 40 diferentes tipos de cerveja como a irlandesa Sunburnt Irish Red, versão vermelha com notas de caramelo e lúpulos australianos, e a potente ale Hardcore IPA com teor alcoólico de 9,2%, da Escócia.

Pelo interior do O’Neill’s, localizado em um casarão de esquina com fachada em estilo vitoriano que já contava com licença para vender bebidas há mais de 300 anos, passaram nomes como os poetas Brendan Kennelly e Michael Longley.

O pub O´Neill’s é considerado o estabelecimento irlandês com maior número de chope artesanal

Mas é preciso confessar que a essa altura do tour todo mundo já se perde em detalhes acadêmicos e, disperso, só consegue pensar no pint irlandês do pub seguinte.

Old Stand

Localizado na esquina das ruas Exchequer e St. Andrew, o Old Stand é outro clássico irlandês que faz parte do roteiro do tour literário, cujo nome é uma referência à demolição da arquibancada do estádio Lansdowne Road, berço do rúgbi irlandês.

Interior do Old Stand, um dos pubs da rota literária de Dublin

Seus proprietários se orgulham do local funcionar, há mais de 300 anos, e de ter sido um dos últimos estabelecimentos de Dublin a instalar televisões em seu interior.

Davy Byrne

Os pubs do tour são selecionados de acordo com a relação que os estabelecimentos têm não só com a história da cidade mas também com seus antigos clientes literários como o Davy Byrne’s, o “pub moral”, segundo descrição de James Joyce no oitavo capítulo de sua obra “Ulisses”.

Fachada do pub Davy Byrne’s
Créditos: Lidi Lima-Conlon
Fachada do pub Davy Byrne’s

É neste bar de estilo art decô que o protagonista Leopold Bloom pede uma taça de vinho Burgundy e um sanduíche de gorgonzola, além de elogiar sua atmosfera tranquila e o belo balcão de madeira.

O escritor James Joyce visitava o local, regularmente, e se tornou amigo do proprietário que dá nome ao pub até hoje.

O dramaturgo Samuel Beckett era também cliente assíduo do Davy Byrne’s.

Interior do pub Davy Byrne’s, em Dublin

Aquela figura distante dos anos 30 era conhecido pela sua aversão “’à indiscrição e aos copos quebrados dos pubs irlandeses”. Ainda assim, Beckett usou aqueles ruidosos ambientes como o pub Kennedy’s para amadurecer obras como “More Pricks than Kicks” (1934) e “Murphy” (1938).

Atualmente, o cardápio de cervejas do Davy Byrne’s não é muito variado, mas conta, ao menos, com dois clássicos cervejeiro irlandês: a escura Guinness e a vermelha Smithwick’s, além de uma seleção discreta de vinhos europeus e chilenos.

St. Andrew’s Church

Na igreja em frente ao O’Neill’s, o grupo assiste a um dos momentos mais impactantes de todo o roteiro quando os dois atores responsáveis pelo tour, encostados diante das grades dessa igreja, entoam canções para ilustrar os históricos conflitos religiosos na ilha.

O tour literário passa também pela St. Andrews Church, em Dublin

Quando os guias envolvem transeuntes desavisados que passam por trás do grupo atento de turistas, o tour deixa de ser um evento privado e a cidade inteira parece se silenciar para acompanhar trechos de canções como o hino protestante “Throw Out the Life-Line”, gravado por Ella Fitzgerald; e a rebelde “A Nation Once Again”, canção da primeira metade do século 19 usada como protesto a favor da independência da Irlanda.

Trinity College

A rota etílica irlandesa segue por outros endereços clássicos de Dublin como a Trinity College, universidade da capital da Irlanda que teve entre seus alunos Samuel Beckett, Oscar Wilde e Bram Stoker, o autor da novela gótica “Drácula”.

A rota etílica e literária para em endereços como a Trinity College, universidade da capital da Irlanda 

E, entre viajantes paralisados e colunas clássicas que sustentam essa instituição de 1592, os atores fecham a parada seguinte com o poema “Nocturne” da escritora Eavan Boland, em uma espécie de anúncio à noite que se seguirá nos bares seguintes.

TOUR LITERÁRIO EM DUBLIN
Quando: Entre abril e outubro, as saídas são diárias e nos meses de inverno (de novembro a março), de quinta a domingo, sempre às 19h30.
Onde: O ponto de encontro é no segundo andar do The Duke Pub (9, Duke Street, na região de “Dublin 2”)
Quanto: O passeio custa €13 por pessoa e dura, aproximadamente, três horas
Site: www.dublinpubcrawl.com

Por Eduardo Vessoni, do site Viagem em Pauta