Porque a rua é pra dançar: documentário registra as festas ‘marginais’ do centrão de SP

O diretor Jezmo Clode destaca o poder popular das festas de rua da capital paulista

Feita de contradições, contrastes e concreto, São Paulo voltou a ser desvairada. Na Pauliceia dos novos tempos, a rua é feita para dançar e se tornou tema do documentário “O Que é Nosso” – Reclaiming The Jungle, em um retrato das festas que tem ocupado endereços marginalizados da capital paulista – como parques abandonados, prédios ocupados, túneis e todo espaço democrático propriamente dito.

Com direção do neozelandês Jezmo Clode e dos brasileiros Murilo Yamanka e Allyson Alapont, o filme registrou exatas 50 festas em precisos 10 meses de plurais cores, sons, ritmos, além dos bastidores desse movimento que brotou no meio dos arranha-céus da maior cidade da América Latina, lá no ano de 2009, com a primeira edição da Voodoohop.

Sem muros, amarras e arestas

A exemplo das tendências libertárias dos anos 70 que buscavam romper os padrões conservadores daquela sociedade, as manifestações populares daqui não fizeram por menos: levaram as festas para além das comandas e filas das baladas da noite paulistana. Na rua, em clima de festa, transgrediram.

Novas festas deram as caras: Free Beats Metanol.fm, Venga, Venga e Carlos Capslock , entre outras tantas celebrações – sobretudo, da diversidade sociocultural reinante.

De Berlim a Londres, só existe amor em SP

Para Jerry Clode, diretor do documentário, a recente cena da noite paulistana é não mais que reflexo de um fenômeno social comum a países em fase de subdesenvolvimento social.

O neozelandês, que entre suas andanças pelo mundo, também morou em Xangai (China) e Mumbai (Índia), aponta semelhanças entre os três países. Principalmente em seus aspectos comportamentais. “Morei alguns anos na China e na Índia para desenvolver trabalhos sociais. E quando cheguei aqui encontrei um cenário muito parecido, porque são países subdesenvolvidos socialmente. São Paulo é uma cidade que tem muita coisa do primeiro mundo, ainda que sua realidade não seja essa: espaços ociosos, lugares abandonados, pobreza, em contraste com um desenvolvimento que você encontra em cidades da Europa ou dos Estados Unidos. Fatores fundamentais para dar vida ao movimento das festas de rua”.

Jezmo ainda ressalta o caráter popular do circuito independente paulistano e compara o atual cenário às noites de Berlim e Londres. “Hoje a noite de Berlim é feita para turistas, bastante restrita e muito diferente do que foi no passado. Cinquenta por cento dos frequentadores são estrangeiros e não é levada para a rua como aqui. A cena underground de lá foi, teve seu auge nos 80.Já em Londres a noite está muito mais ligada a status, à moda. Clubes caros, fechados, geralmente restrito a um público específico, principalmente o público hipster”.

Efeito social 

Neste novo momento vivido pela capital paulista, Jezmo ressalta o papel coletivista das festas, capaz de agregar muito mais que diversão, calcada em pautas sociais, reivindicando debates por moradia popular e mobilidade urbana “Mais do que entretenimento, as festas de rua de São Paulo levam consigo um ato de manifestação, de luta social. São realizadas em prédios ocupados por movimentos sociais, organizadas por pessoas ligadas aos movimentos de ciclistas, promovem integração social e até mesmo reconhecimento da cidade dentro da cidade”.

Além disso, os eventos se tornam espaço ideal para a troca de ideias, unindo pessoas, ideias e culturas diferentes “Aqui é um dos poucos lugares do mundo onde pessoas de bairros mais ricos podem se divertir numa festa ao lado do morador de rua. Um efeito social totalmente livre que acontece apenas pela ideia de fazer festas gratuitas e acessíveis”.

Para saber do que estamos falando, confira o filme aqui. A senha é fodaonarua.