Toninho da Galeria, o síndico do prédio mais rock de SP

Chama o síndico: a história da Galeria do Rock contada por um de seus mais célebres frequentadores

11/09/2014 18:27 / Atualizado em 13/07/2021 09:01

Todos os dias, há exatos 40 anos, Antonio de Souza Neto, acorda cedo e parte rumo ao Centro de São Paulo. Fotógrafo pelo curso da vida e jornalista de formação, Toninho tem como destino o número 439 da Avenida São João, endereço de um dos mais populares pontos turístico da capital paulista: a Galeria do Rock.

Galeria do Rock, anos 70 (Paulo Igarashi)
Galeria do Rock, anos 70 (Paulo Igarashi)

Síndico do prédio há mais de 20 anos, sua trajetória confunde-se à própria história do cinqüentenário edifício de sete andares, inaugurado no dia 31 de outubro de 1963, em um projeto encabeçado pelos arquitetos Alfredo Mathias e José Schettmann, inspirado nas curvas e traços de Oscar Niemeyer. Época em que a região era considerada reduto de intelectuais, músicos e políticos de uma efervescente cena local, então chamada de “Cinelândia Paulista”.

Nas próximas linhas, o Catraca Livre faz uma viagem de volta ao tempo e resgata a história da galeria mais famosa do país: por suas histórias, brigas, estilo, atitude e o bom e velho rock n roll,  testemunhada por um de seus mais notáveis frequentadores.

Os primeiros anos das “Grandes Galerias”

Com obras de arte do italiano Bramante Buffoni espalhadas pelos pisos do prédio, o cenário ainda preservado remonta ao passado de uma galeria dominada, à aqueles anos, pela presença de artesãos, alfaiates, camiseiros, letristas, estamparias e lojas de fotografia.

Anunciado em 1960, o projeto de construção do centro comercial Shopping Center Grandes Galerias ganhou status de “maior centro comercial de São Paulo, num único e majestoso conjunto”, inspirado em tendências estrangeiras “inteiramente nova, resultado de pesquisas realizadas em shopping centers de outras parte do mundo“.

Sinônimo de elegância após alguns anos da inauguração, a história da galeria começa a tomar outro rumo, assim como as lojas tradicionais que deixam a região central para ocupar os shoppings que surgiam pela cidade.

Anos 70 e as primeiras lojas de disco

Contemporâneo à consagração de lendas como Jim, Jimmi e Janis, o centro comercial dava os primeiros passos para a fama que se perpetuaria anos mais tarde, com a chegada das pioneiras lojas de discos que ali se instalavam e davam vida à identidade rock’n’roll. Uma delas, a mais conhecida,  “Baratos Afins”, lançada em 1978 e em atividade até os dias atuais.

Nascia também a loja de fotografias de Toninho, em 1974, especializada no conserto de equipamentos e também na cobertura de festas e casamentos. “Trabalhei muito tempo com manutenção de câmeras fotográficas e, um dia, decidi abrir minha própria empresa. Eram outros tempos, uma São Paulo completamente diferente, numa galeria que ainda começava a se identificar com o rock e passaria por grandes transformações”.

Anos 80: primeiros passos da cultura hip hop, headbangers, brigas e outras tretas

Já conhecida como “Galeria 24 de maio”, e sem qualquer resquício da elegância de vinte anos antes, o número 439 da Avenida São João chegava aos anos 80 influenciado pela musicalidade da cultura Black, dando início ao surgimento do movimento hip hop no Brasil “Lembro de ver os meninos dançando em frente à galeria, sempre ali, reunidos, antes de irem para a São Bento”, comenta Toninho ao relembrar a presença de grandes nomes da cultura hip hop, como Nelson Triunfo, Mano Brown, Thaíde “O Nelson sempre fala que a galeria é como se fosse uma casa para eles naquela época”.

Além dos b-boys, na metade dos anos 80, o edifício passava a receber um novo grupo de visitantes: os headbangers. Isso porque, com o o lançamento de lojas especializadas em Heavy Metal, sobretudo a Woodstock, passou a atrair um número cada vez mais expressivo de cabeludos fãs de Metallica, Iron Maiden, Motorhead e tantas outras bandas.

Dividindo espaço com punks e skinheads,  não deu outro resultado: a galeria se tornou palco de incontáveis confrontos entre os grupos, acabando, muitas vezes, em mortes e prisões. “Foi uma época muito negativa para o pessoal do rock, do rap, a polícia tava sempre em cima. O prédio também se encontrava em uma situação de descaso e abandono completo. Aqui era ponto de venda de drogas, moradia de bandido e tudo quanto é tipo de confusão”. Ironicamente, nos anos 80, o síndico da galeria era o ex-delegado de polícia, Manoel Camassa.

Anos 90: Kurt Cobain, o auge dos discos e o surgimento da “Galeria do Rock” na era do Toninho da Galeria

Entre as tantas histórias e lendas que povoam o imaginário popular da Galeria do Rock, uma delas, sem dúvida, é a possível visita do frontman do Nirvana. Repetida inúmeras vezes, a o episódio ganhou repercussão pelo tradicional boca a boca e, ainda hoje, desperta suspeitas. Se esteve lá ou não…

Março de 1993: Toninho, então lojista há quase de 20 anos, depois de consecutivas disputas pela administração do prédio, assume o cargo de síndico da galeria (no lugar de Manoel Camassa) com amplo apoio de outros representantes comerciais. Decidido a recuperar o antigo prédio, o novo síndico apostou todas suas fichas em um trabalho de revitalização. “Quando assumimos a galeria, encontramos um cenário de problemas em todos os sentidos. A estrutura estava completamente comprometida, desde a rede de fiação ao sistema de abastecimento de água. Era um prédio condenado a uma grande tragédia”.  Antes da sua gestão, das mais de 400 lojas disponíveis pelos quatro andares, apenas 60 salas eram ocupadas.

Mais segura, com escadas rolantes funcionando e iluminação adequada, a nova galeria viveu seu auge. Impulsionada pela alta do mercado de discos, três anos após Toninho se tornar síndico, a galeria contava com 450 lojas abertas, das quais 140 eram voltadas às vendas de vinil. “Antes o prédio era reduto da criminalidade, de venda e consumo de drogas e chegamos com uma proposta de transformação. A princípio acharam que eu estava louco, que não seria possível recuperar. Fora as tantas ameaças de morte que sofri na época”, relembra Toninho, eleito dez vezes nos últimos 19 anos nas eleições bianuais.

Anos 2000: das camisetas de bandas, dos skates, piercings, tatuagens e outras quinquilharias

Se até o fim dos anos 90, cd’s e vinis eram o principal atrativo da grande casa do rock, os anos 2000 trouxeram junto com a evolução da Internet, novas tendências e frequentadores, em um clima mais ameno e convidativo – inclusive para famílias e turistas de todos os cantos- misturados à essência underground de tempos passados.

Lojas especializadas em piercings, tatuagens , skate e até surfshops ganharam espaço no local, trazendo aos andares do antigo edifício, aproximadamente, 25 mil pessoas por por dia (de segunda a sexta) e 35 mil (aos finais de semana).

Passadas quatro décadas desde que abriu sua loja de conserto de câmeras fotográficas, Toninho, que também estudou sociologia e psicologia, vê em seu meio de trabalho um rotineiro campo de estudo, teorizando “Este lugar é um lugar de formação pessoal. Aqui, a juventude se emancipa e entra em contato com a cidade, se respeita e aprende os valores das diferentes culturas, da pluralidade. Um espaço que define pessoas, reunindo todo tipo de gente, de tribos urbanas e estilos”.  Ao lado dos filhos, Glauber e Marconi, Toninho pensa grande, se projeta para o futuro. Os planos: o lançamento do Instituto Galeria do Rock e a construção de um museu voltado às histórias, contos e causos desse “tal de Roque Enrou”

Fotos contam mais sobre a história da galeria mais rock do Brasil: confira!