Zürich West é a versão descolada da Suíça

É só desembarcar na Suíça para os famosos clichês começarem a despontar diante dos olhos.

Paisagem recortada por casas de madeira com vacas pastando no quintal, trens eficientes que seguem em horários rígidos para todos os cantos (e cantões) do país; restaurantes com cardápio variado de fondues que seduzem viciados no produto nacional mais cobiçado em terras alpinas; e lojas de grife capazes de fazer qualquer marmanjo passar horas em frente a vitrines de canivetes e relógios.

Mas é em Zurique, o agitado centro financeiro do país, que a Suíça revela seu lado menos tradicional e surpreende viajantes que não se contentam apenas com boas imagens de cartão-postal (que, diga-se de passagem, são infinitas em território helvético).

Nas últimas décadas, o Distrito 5 começou a assistir, atônito e preocupado, ao abandono de fábricas históricas que se mudavam para novos endereços. Porém este bairro localizado no setor oeste de Zurique, escondido entre o rio Limmat e a frenética estação central, não deu as costas para seu passado industrial e agora vê surgir um dos bairros mais modernos da cidade.

E não estamos falando de edifícios de fachadas espelhadas e executivos saindo a bordo de carrões avaliados em milhares de euros.

Zürich West, uma espécie de Soho da Suíça, é considerado uma das mudanças urbanas mais dinâmicas em todo o país. Saem fábricas e engrenagens, e entram lojas, galerias de arte, bares e restaurantes em antigas construções de tijolos e velhas estruturas de ferro reformadas.

O blog Viagem em Pauta fez uma seleção das atrações inusitadas em Zürich West. 

Im Viadukt é um projeto de 2010 assinado pelo escritório de arquitetura EM2N e serve como portal de acesso à região e está localizado ao longo dos 500 metros de arcos ferroviários do final do século 19 que, atualmente, abrigam estabelecimentos comerciais em cada um de seus vãos de pedras.

O que um dia fora uma barreira arquitetônica que dividia a cidade em dois, funciona agora como elemento integrador entre todas as tribos que circulam por esta urbe de quase 400 milhões de habitantes.

Entre bares descolados e lojas de grife, o local abriga também o primeiro mercado coberto de Zurique, o Markthalle, um complexo com mais de 20 expositores de produtos como frutas e legumes orgânicos, além de um restaurante com mesas espalhadas ao ar livre sob um dos antigos arcos da ponte local.

Seguindo ao sul pela Viaduktstrasse, a rua de pedestres que margeia o Im Viadukt, o visitante encontra uma Zurique que não esconde seu lado mais industrial e chega a um dos endereços mais inusitados da cidade: a loja Freitag.

Seu estoque de bolsas (masculinas e femininas) e capas para computadores e celulares impressiona menos do que a localização desta cobiçada marca suíça. Dividida em quatro andares, a loja funciona no interior de um edifício construído com 19 contêineres empilhados a 26 metros do nível da rua.

De longe, os caixotes coloridos que abrigam a loja são uma extensão daquele setor do Distrito 5 que ainda parece em construção e se fundem entre viadutos e galpões cortados por um labirinto confuso de trilhos de trens.

Fundada em 1993 por dois irmãos designers gráficos, Markus e Daniel Freitag, a rede ficou pela famosa em toda a Europa por conta da utilização de materiais reciclados como lonas de caminhão, câmaras de ar de bicicleta e cintos de segurança para automóveis.

Gastronomia

Se Zurique não se importa em mostrar, orgulhosa, seu lado menos encantador (pelo menos para os padrões estéticos do resto daquele país com visual que beira a perfeição), o bairro esconde endereços curiosos na hora de comer ou da pré-balada, como a região costuma ser conhecida entre jovens.

Situado em frente a Turbinenplatz, o Puls 5 é um complexo gastronômico e cultural no interior de uma antiga fábrica de fundição de ferro do século 19 que, desde seu fechamento em 1975, abrigou armazéns e oficinas. Reformado e com suas vigas de aço à mostra, este espaço de mais de 1600 m² e pé direito de até 12 metros de altura abriga supermercado, loja de produtos naturais e pequenos quiosques de conveniência.

Com restaurantes que se inspiram na cozinha do mundo como a Itália e países do Sudeste Asiático, o local preserva a história industrial das últimas décadas em estabelecimentos curiosos como o Gnüsserei, cuja decoração são caldeiras e peças de demolição de uma fábrica da região de Berna, capital da Suíça.

Este restaurante equipado também com uma loja gourmet com vinhos europeus e temperos mediterrâneos abriu as portas em agosto de 2007 e recebe clientes com um cardápio com opções inusitadas como o beef tenderloin (carne de vaca envolta no salmão com figo e chutney de mostarda) e a carne de búfalo-asiático servido com fígado de ganso e lagosta temperados com molho balsâmico.

O mundo parece pequeno também para o vizinho Les Halles, restaurante aberto há 15 anos por um suíço de Zurique que levou para dentro de seu estabelecimento todas as suas paixões.

A ambientação do local é feita com carcaças de carros, bicicletas penduradas no teto, fotos históricas de competições de ciclismo (outra das paixões do proprietário Christoph, influenciado pelo ciclista campeão do Tour de France, Hugo Koblet, que morou no bairro) e móveis saídos de antiquários da cidade.

Para quem vai disposto a consumir mais do que pratos fartos e bebidas alcoólicas, é possível até comprar algumas das bicicletas restauradas em exposição, que o dono garante vender cem unidades por ano, e a réplica chinesa de uma antiga motocicleta MV Augusta.

Embora o maior sucesso deste restaurante de cozinha biológica sejam as batatas fritas servidas com mexilhões de Bouchot, na França, a comida local chega à mesa carregada de influências de seus funcionários de diferentes nacionalidades como a brasileira que trabalha na cozinha apenas durante a semana, a chefe indiana e um time de iraquianos que, aos domingos, deixam a administração da lojinha vizinha de produtos gastronômicos e assumem o fogão do restaurante.

Nos finais de semana, o local se transforma em bar após as dez da noite, cujas bebidas com preços mais acessíveis do que os outros estabelecimentos gourmet próximos atraem jovens que frequentam a região antes de saírem para os bares e casas noturnas de Zürich West.

E quando termina a noite, o viajante estrangeiro se convence, definitivamente, de que nem só de clichês vive a moderna e mutante Suíça.

Por Eduardo Vessoni, do blog Viagem em Pauta