Pesquisadores criam radar de chuva e enchente por meio do Twitter

Ao identificar palavras como “chuva” e “enchente” nas postagens, metodologia usa rede social para acompanhar e prever a ocorrência desses fenômenos

Em parceria com qsocial
01/10/2018 15:32

“Tem muitas nuvens no céu. Acho que vem chuva forte” são sentenças triviais. Mas, para um grupo de cinco pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo, em São Carlos, elas podem  ser muito úteis, se estiverem publicada no Twitter: viram uma importante fonte de informação para monitorar tempestades e podem ser usada até para prever enchentes, numa espécie de radar de chuva à base de inteligência artificial.

Tuítes podem se transformar em um radar de chuva, tempestade e enchente
Tuítes podem se transformar em um radar de chuva, tempestade e enchente - Lunja/Shutterstock

A equipe do ICMC criou uma técnica computacional capaz de usar textos publicados nessa rede social para identificar e acompanhar a ocorrência de chuvas e enchentes. Com eles, seria possível ampliar as áreas de monitoramento desses fenômenos e, futuramente, contribuir na prevenção e alerta de desastres naturais.

Normalmente, chuvas são registradas por equipamentos como pluviômetros (que medem o volume de água que se acumula no chão), satélites e radares meteorológicos (que verificam, ainda no céu, quanto de água vai cair). No entanto, são aparelhos caros, e não existem em quantidade suficiente para registrar os dados de forma ideal.

Técnica separa palavras-chave e postagens relevantes daquelas que não têm relação direta com o fenômeno
Técnica separa palavras-chave e postagens relevantes daquelas que não têm relação direta com o fenômeno - Divulgação

Mas se alguém tuíta algo como: “O céu está escuro, acho que vai chover daqui a pouco” ou “Ia caminhar agora de manhã, mas a chuva não deixou”, essas informações são processadas pelo sistema e ajudam a entender o comportamento da precipitação naquele momento e local.

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Isso é possível porque a maioria das mensagens é geotagueada, ou seja, traz informações sobre a localização geográfica de onde partiram. É como dar um zoom em um mapa de chuva, que mostra onde e quando ela está acontecendo.

“O uso da rede social como monitoramento de desastres busca coletar informações, encontrar padrões espaciais e temporais. Nesse sentido é uma fonte de dados que faz parte da construção de cidades inteligentes”, afirma Sidgley Camargo de Andrade, doutorando do ICMC e um dos pesquisadores do projeto.

Andrade compara a técnica desenvolvida pelo instituto ao que se vê em aplicativos como o Waze, em que é possível acompanhar o comportamento do trânsito em tempo real. “A gente consegue uma previsão de curto prazo”, explica o pesquisador. “A pessoa escreve: ‘O tempo está fechando’, ‘O céu está nublado’, e isso geralmente tem uma janela de tempo curta. Dali a meia hora estará chovendo.”

Os triângulos azuis são pluviômetros em São Paulo, e os pontos pretos, os tweets relacionados a chuva, durante o período analisado pelos pesquisadores
Os triângulos azuis são pluviômetros em São Paulo, e os pontos pretos, os tweets relacionados a chuva, durante o período analisado pelos pesquisadores - Divulgação

Os pesquisadores já publicaram dois estudos sobre essa metodologia, após analisar mais de 16 milhões de tuítes em diferentes períodos, ao longo de dois anos, na cidade de São Paulo.

Segundo Andrade, assim como os dados do pluviômetro complementam os dos radares meteorológicos, os tuítes complementam os dados desses equipamentos. O sistema desenvolvido pelos pesquisadores e os equipamentos tradicionais registram os fenômenos em tempos aproximados. Assim, em regiões onde já existem sensores, as postagens na rede social muitas vezes melhoram o acompanhamento do fenômeno. E onde não há sensores, eles viram uma fonte importante de informação.

Como as pessoas publicam de vários lugares, esse monitoramento é feito de forma distribuída.

Um desafio importante no desenvolvimento dessa técnica computacional foi remover da análise os tuítes que não tinham relação direta com os fenômenos reais, como “Estou comendo bolinho de chuva” ou mesmo “A chuva não atrapalhou nosso churrasco de ontem”.

Outro ponto importante para a equipe foi lidar com o volume de tuítes em diferentes áreas da cidade. No caso de São Paulo, por exemplo, muitos textos são publicados na região central, porque é onde muita gente trabalha e passa boa parte do dia. Em comparação, poucos vinham da região periférica. Por outro lado, um bom volume de tuítes da região central não tinha relação com o fenômeno das chuvas. Assim, foi necessário levar esse critério em conta para chegar a um monitoramento mais adequado.

Agora, a equipe trabalha para melhorar a classificação das mensagens. Também quer verificar se a técnica funciona em cidades com menos habitantes, onde a densidade de tuítes costuma ser menor.

Mais para frente, a ideia é que essa técnica seja transformada em uma ferramenta que possa servir ou cooperar com sistemas de prevenção e emissão de alertas sobre enchentes e desastres naturais.

O sistema desenvolvido pela equipe do ICMC faz parte de um projeto maior, chamado Ágora, que tem como foco desenvolver pesquisas de alto nível e soluções tecnológicas para apoiar comunidades vulneráveis na construção de resiliência contra desastres naturais e eventos extremos.

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Curadoria: engenheiro Bernardo Gradin, presidente da GranBio e especialista em soluções sustentáveis.